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sábado, 13 de agosto de 2022

PROTAGONISMO FEMININO EM FOCO: SONY FERSECK E AS MULHERES QUE FAZEM SOL

PROTAGONISMO|04

LITERATURA FEMININA DE AUTORIA INDÍGENA: SONY FERSECK E AS MULHERES QUE FAZEM SOL

Heliene Rosa

        Sony Ferseck, Sonyellen Fonseca Ferreira, é uma jovem intelectual indígena do povo makuxi que vive na cidade de Boa vista, em Roraima. Poeta, editora, pesquisadora e professora atuante no campo das artes. Formou-se em Letras pela Universidade Federal de Roraima, no ano de 2013. Em 2016, defendeu seu mestrado pela UFRR, na linha de pesquisa Literatura, Artes e Cultura Regional.

        Em 2014, tornou-se participante do projeto de pesquisa Panton Piá coordenado pelo professor Devair Fiorotti, onde se dedicou a estudar e divulgar narrativas e cantos que compõem as artes verbais indígenas da região. Trabalho ao qual até hoje se dedica: é fácil encontrá-la no YouTube, divulgando cantos da matriarca makuxi, vó Bernaldina. Em 2020, ingressou como doutoranda, no Programa de Pós-Graduação em Estudos de Literatura da Universidade Federal Fluminense (UFF), onde desenvolve projeto sobre literatura comparada.

          Chamada Wei Paasi, em idioma makuxi, Sony busca com seus escritos conectar-se profundamente com sua ancestralidade indígena. Publicou seu primeiro livro: Pouco Verbo, no ano de 2013, pela Editora Máfia do Verso. Depois, publicou Movejo, em 2020, pela Editora Wei, da qual é cofundadora ao lado de seu companheiro professor Dr. Devair Fiorotti. Hoje Sony Fersec é professora substituta no Instituto Insirikan de Formação Superior na UFRR e dirige sozinha a Editora Wei, após o falecimento do marido. 

Sony Ferseck 
Foto de Nara Nasco

          Sony Ferseck é uma mulher forte e corajosa que não perdeu a ternura apesar dos muitos embates que a vida já lhe proporcionou. Uma voz potente na defesa do seu povo, bem como das suas tradições culturais e do legado de arte e sabedoria das mulheres matriarcas makuxi. Sony é mulher infinita que diz palavras de cura, mas que sabe também fazer silêncio para guardar o intocável, tecendo assim, as teias da vida.

        Weiyamî: mulheres que fazem sol (2022), terceiro livro da autora, veio à luz pela Editora Wei, na cidade de Boa Vista, em Roraima. Um livro ancorado fortemente no feminino ancestral, com versos da pena dessa potente escritora indígena da Amazônia Ocidental. A belíssima capa e a diagramação da obra foram feitas pelo designer gráfico Abraão Batista.

Weiyamî: mulheres que fazem sol (2022)
Foto de Nara Nasco

         No miolo, um conjunto de textos poéticos muito sensíveis, semanticamente intensificados pelos textos imagéticos da artista visual roraimense Georgina Sarmento, indígena dos povos Makuxi e Wapichana. Os textos verbais e visuais aparecem dispostos em pares e se complementam na tessitura dos múltiplos sentidos suscitados na e pela obra.

          Embora estejam materializados em linguagens diferentes, esses textos juntos engendram uma carga poética generosa e surpreendente que propicia uma experiência estética rica a quem lê a obra. Sobre essa construção complexa e engajada da poesia de Sony Ferseck, em Weiyamî: mulheres que fazem sol, Rita Olivieri-Godet, pesquisadora e professora da ERIMIT-Université de Rennes 2, na França, esclarece:

                 A linguagem poética de Sony Ferseck insere-se no amplo conjunto de produções artísticas indígenas contemporâneas que se constroem no exercício da travessia de fronteiras, instaurando um espaço simbólico de mediação e exprimindo-se através de uma complexa imbricação de gêneros. Na plasticidade e originalidade de sua obra, vislumbro uma conexão com o universo das imagens de inaudita beleza do grande artista makuxi, Jaider Esbell, cuja arte também recria o patrimônio imaterial indígena makuxi; na missão de “escrever com o outro”, instaurando um espaço poético e político para lutar contra o apagamento da memória cultural dos povos indígenas... (Olivieri-Godet, 2022, p. 7)


Foto de Nara Nasco

          No cumprimento dessa missão de “escrever com o outro”, entre as muitas estratégias de composição poética empregadas na obra, Ferseck reconstrói, em versos, as memórias ancestrais do seu povo. Esse fenômeno ocorre em alguns poemas como Makunu’pa, em que a autora, ao final do texto, acrescenta contextualizações, além de traduções dos termos empregados em língua ancestral.

          Nas palavras dela: “Segundo seu Alcuíno de Lima, da comunidade do Taxi, na TI Raposa-Serra do Sol, nasceram Makunaimi e Makuna’pa, um menino e uma menina gêmeos. Segundo ele o radical makun – seria relacionado a makunai’ve, gêmeos em Makuxi Maimu” (Ferseck, 2022, p.22).

         Desse modo, a poeta makuxi promove uma reconexão com as memórias ancestrais indígenas, ao conceder a voz lírica aos seus/suas mais velho/as, que são aqueles que detêm a sabedoria desses povos. Cabe esclarecer que a subjetividade da mulher indígena contemporânea predomina em seu projeto de construção autoral, pois para além da inspiração e da composição dos versos, a autora nos mostra a sua visão: “Bom, para mim Makunu’pa é um rio que corre pra sempre e transborda toda e qualquer margem, principalmente na época das chuvas” (Ferseck, 2022, p.22). E assim, o caráter polifônico da produção literária indígena, em Sony Ferseck, vai permitindo vislumbrar culturas em que a pluralidade é acolhida e celebrada com respeito e com alteridade.

Foto de Nara Nasco

          Encontramos em Weiyamî: mulheres que fazem sol (2022), uma belíssima “femenagem” e a transcrevemos aqui:

 

Alcançar com as mãos

O útero da terra

Percorrer com os dedos

A linguagem da terra

A fala das pedras

Os grãos da voz

Que a água acalenta

Tirar o pó do mistério da existência

Matéria mesma das mãos nas mãos

Das mães do barro

Koko’Non

Afagar entre os dedos

O barro que arredonda

As formas das gentes

Da vida

Seus afetos meus afetos

De enfrentar o fogo

O fogo é a cor da pele

Do povo do entorno da Wazaka

Rigores do amor vertidos por Wei

Que depois de secos alimentam

As palavras das avós que nunca racham

De Tuma, de karutuke, tawa, de pari

Decoram as cantigas que encantam

De carinho as netas das netas que virão

A seguir.

                                                                 (FERSECK, 2022, p.37)

          Acompanha o texto um pequeno glossário, com as definições para os termos em língua makuxi. Por ele, aprendemos que Koko’Non signifca; “Vovó Barro que permite às mulheres mais velhas saber de seus conhecimentos e mistérios, quando dá a hora certa”. Sony dedica seu poema a Elieth e Amora - duas gerações de mulheres da sua família, - sua mãe e sua filha: “Para  Elieth e Amora, as duas pontas do meu amor, com todo meu ser. Vivo por e para vocês”(Ferseck, 2022, p.37).

          Essa bonita louvação à Mãe Terra se estende às ancestrais matriarcas, chega até as mulheres contemporâneas e culmina com as futuras gerações de mulheres – aquelas que ainda virão: “as netas das netas”. Um texto que reverbera nas palavras da crítica literária Julie Dorrico, indígena do povo makuxi: “os versos desse livro vêm de longe, do tempo dos ancestrais, para consagrar as mulheres makuxi: vós, netas, pajés, mães, amantes, meninas-moças, todas filhas de Wei, da Sol” (Dorrico, 2022, p.5).

        Weiyamî: mulheres que fazem sol (2022), é um livro único, um monumento às mulheres indígenas makuxi, um monumento em forma de poesia. Ele revela ao público leitor uma escritora determinada a colorir poeticamente o mundo com as histórias e memórias de seu povo. Sony Ferseck é dona de uma escrita peculiar e de uma potente voz artística que faz ressoar, - através da literatura, - as memórias, a língua, a cultura, as lutas e as subjetividades das mulheres da sua grande família makuxi.

FERSECK, Sony. Weiyamî: mulheres que fazem sol. Ilustrações: Georgina Sarmento. Boa Vista/RR: Wei Editora, 2022.

Para conhecer melhor a autora e suas obras, encontre-a em suas redes sociais: https://instagram.com/sony.ferseck?igshid=YmMyMTA2M2Y=

@heliene.rosa.965    

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