AVE, CRÔNICA|03
O TRISTE VERDE DAS BANDEIRAS
POR TERESA BENDINI
Frustrada com o resultado das
eleições, ou mesmo desolada, procurei fazer coisas agradáveis, que me levassem
a ter bons sentimentos. Andar de bicicleta me agrada muito, visto que resido
numa região entre serras. Paisagem linda. Depois de pedalar mais de 40 km, tive
vontade de comer alguma coisa e me surpreendi. Não demonstrei desejo algum de
parar em locais sofisticados, mesmo que fosse só para tomar uma água. A estrada
é cheia desses cafés requintados. Percebi que não me sinto bem em
locais feitos para uma determinada classe, aquela endinheirada. Percebi que
essa estrutura há tempos não me diz respeito. Não sou mais a pessoa que se
encaixa nessa faixa. Preciso de um Brasil outro, mais humano e integrado.
Sentei com o garapeiro, naquele fim de estrada. Homem tranquilo e doce, como o
líquido esverdeado da cana espremida. Repleto de história do Brasil, escorria o
caldo, enchendo meu copo. Junto com outros, senti o quanto seria bom uma
sociedade menos estratificada. A boa
conversa, o fazer simples, o convívio harmônico, foi o que eu senti naquela
breve parada.
Lembrei do belo texto da amiga
Marta Cortezão, na revista Voo Livre, edição nº 27, desse mês, que liga Arte a humanidades.
Acho que entendi o que ela disse e concordo. Patrimônio Imaterial, chamado por Antônio
Cândido, (não por acaso), de Patrimônio Incompreensível, é por excelência, a
alma do ser, é simplesmente a sua subjetividade. Sempre rica, diversa,
instigante, por vezes gritante, onde sagrado e profano se entrelaçam, essa
essência humana, ela mesma, cheia de nuances, é o que podemos chamar de
subjetividade, portanto alma humana. Faço-a já sinônimo de Patrimônio
Imaterial, onde tudo se faz dialeticamente. E é essa a riqueza que deve ser
incentivada. Uma riqueza, hoje, ameaçada
pelo sistema que começou lá atrás, com o caldo da cana moída, pela máquina
moedora de gente.
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Hoje o sistema esmaga nossa subjetividade, de tal forma, que pensar, comer, morar, fazer arte, fazer política, se relacionar, tudo isso é como cana moída, esmagada, até as últimas consequências. O verde da cana, o bagaço dela, somos nós. Com nossa subjetividade já massificada e destruída. E hoje, posso dizer que é isso que vejo, tremular na bandeira que se estende verde, como a cana, nas paredes e janelas.
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Teresa Bendini é poeta, nascida em Taubaté, SP. Escreveu oito Livros Infantis e um de Poemas. Seu último Livro: "Krenak, o menino dos braços compridos", escrito durante a pandemia, faz alusão ao urgentíssimo texto: "Ideias para adiar o fim do mundo", do ambientalista e pensador indígena, Ailton Krenak.
Sinto-me lisonjeada pela citação. Seu texto nos faz refletir sobre questões de extrema urgência. Também sinto a necessidade "de um Brasil outro, mais humano e integrado". Um fraterno abraço, querida.
ResponderExcluirMinha linda cunhã das águas, o Ari Barroso queria cantar o Brasil em seus versos, eu choro ele em suas águas, até que a alma lave.
ResponderExcluirQuanta poesia há em seu olhar!🥰❤️🥰
ExcluirQue maravilha de texto! Necessário nesse tempo de Desordem e Desprogresso no Brasil, que flamula implorando mais amor, mais humanidade...
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