terça-feira, 11 de outubro de 2022

AVE, CRÔNICA: O TRISTE VERDE DAS BANDEIRAS, POR TERESA BENDINI

 


AVE, CRÔNICA|03

O TRISTE VERDE DAS BANDEIRAS

POR TERESA BENDINI

Frustrada com o resultado das eleições, ou mesmo desolada, procurei fazer coisas agradáveis, que me levassem a ter bons sentimentos. Andar de bicicleta me agrada muito, visto que resido numa região entre serras. Paisagem linda. Depois de pedalar mais de 40 km, tive vontade de comer alguma coisa e me surpreendi. Não demonstrei desejo algum de parar em locais sofisticados, mesmo que fosse só para tomar uma água. A estrada é cheia desses cafés requintados. Percebi que não me sinto bem em locais feitos para uma determinada classe, aquela endinheirada. Percebi que essa estrutura há tempos não me diz respeito. Não sou mais a pessoa que se encaixa nessa faixa. Preciso de um Brasil outro, mais humano e integrado. Sentei com o garapeiro, naquele fim de estrada. Homem tranquilo e doce, como o líquido esverdeado da cana espremida. Repleto de história do Brasil, escorria o caldo, enchendo meu copo. Junto com outros, senti o quanto seria bom uma sociedade menos estratificada.  A boa conversa, o fazer simples, o convívio harmônico, foi o que eu senti naquela breve parada.

Lembrei do belo texto da amiga Marta Cortezão, na revista Voo Livre, edição nº 27, desse mês, que liga Arte a humanidades. Acho que entendi o que ela disse e concordo. Patrimônio Imaterial, chamado por Antônio Cândido, (não por acaso), de Patrimônio Incompreensível, é por excelência, a alma do ser, é simplesmente a sua subjetividade. Sempre rica, diversa, instigante, por vezes gritante, onde sagrado e profano se entrelaçam, essa essência humana, ela mesma, cheia de nuances, é o que podemos chamar de subjetividade, portanto alma humana. Faço-a já sinônimo de Patrimônio Imaterial, onde tudo se faz dialeticamente. E é essa a riqueza que deve ser incentivada.  Uma riqueza, hoje, ameaçada pelo sistema que começou lá atrás, com o caldo da cana moída, pela máquina moedora de gente. 

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Hoje o sistema esmaga nossa subjetividade, de tal forma, que pensar, comer, morar, fazer arte, fazer política, se relacionar, tudo isso é como cana moída, esmagada, até as últimas consequências. O verde da cana, o bagaço dela, somos nós. Com nossa subjetividade já massificada e destruída.  E hoje, posso dizer que é isso que vejo, tremular na bandeira que se estende verde, como a cana, nas paredes e janelas.

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Teresa Bendini é poeta, nascida em Taubaté, SP. Escreveu oito Livros Infantis e um de Poemas. Seu último Livro: "Krenak, o menino dos braços compridos", escrito durante a pandemia, faz alusão ao urgentíssimo texto: "Ideias para adiar o fim do mundo", do ambientalista e pensador indígena, Ailton Krenak.

4 comentários:

  1. Sinto-me lisonjeada pela citação. Seu texto nos faz refletir sobre questões de extrema urgência. Também sinto a necessidade "de um Brasil outro, mais humano e integrado". Um fraterno abraço, querida.

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  2. Minha linda cunhã das águas, o Ari Barroso queria cantar o Brasil em seus versos, eu choro ele em suas águas, até que a alma lave.

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  3. Que maravilha de texto! Necessário nesse tempo de Desordem e Desprogresso no Brasil, que flamula implorando mais amor, mais humanidade...

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