sexta-feira, 10 de março de 2023

LIÇÕES DE SILÊNCIO: ADORÁVEIS MULHERES, POR RITA ALENCAR CLARK

LIÇÕES DE SILÊNCIO|07

POR RITA ALENCAR CLARK

ADORÁVEIS MULHERES 


[Eva Tudor, Tônia Carrero, Eva Vilma, Leila Diniz, Norma Benguel e Odete Lara/Imagem Pinterest]

Quando penso no 8 de Março, o dia estipulado para ser aquele que nos colocam na berlinda, Dia Internacional da Mulher, penso que o Patriarcado nos concedeu um dia por ano para que pudéssemos nos expressar! Glórias ao Senhor! Isso é sinal de que, no mínimo, antepassadas nossas lutaram e conquistaram direitos e justiça; foram ouvidas!

E nessa pegada, já me animei, eu adoro criar histórias na minha cabeça, nos lugares mais insólitos, crio situações imaginárias na minha cabeça ao ponto de rir sozinha do nada e travar diálogos criativos comigo mesma! Tenho até um conto publicado  pelo Mulherio das Letras numa coletânea. Audiometria. Minha personagem está sendo levada para solucionar possíveis problemas de surdez. Tal o nível de alienação, mergulhada no seu mundo imaginário… muitas vezes, minha protagonista se depara com os olhos esbugalhados da mãe gritando seu nome! Coisa de criança poeta! “Ah, dona, isso é coisa de gente artista, tenho um primo assim!”, diz o outro personagem , o motorista de táxi, à mãe.


Hoje, desenvolvi até uma técnica para estar, e não estar "presente", por exemplo, numa conversa chatíssima, contudo educada que sou, não interrompo, geralmente quando ouço boçalidades, escárnios machistas e/ou sexistas… é assim, eu faço uma cara simpática e cordial, respeitosa e travo contato visual, a nível íris do olho, contato feito, das duas uma, ou a criatura se perde na piada ou infâmia, ou vomita desastrosamente a narrativa, diante do meu rosto impassível. Acham-me calma, ponderada, educada de certo, quando na verdade estou em uma outra dimensão de espaço/tempo. O mote para voltar à realidade, são dois, previamente combinado com meu cérebro: o silêncio ao redor e o meu nome! Nesse retornar, acontece uma manifestação corporal involuntária: os ombros caem para frente, os joelhos dobram-se ligeiramente e as pálpebras caem, desmoronam sobre o esforço de manter o sorriso. Fico a cara da madrasta da Branca de Neve, sabe? Um horror… e saio me arrastando, imaginando as melhores respostas e caretas de indignação e desprezo! Por fora, uma lady. Meu ringue é outro, meu caro, na página em branco.


Rita Alencar Clark e Rachel de Queiroz/1992

Uma certa vez, olha que história, aconteceu de eu ter que ir e acompanhar meu pai a um Fórum de Cultura em Brasília, devia ter uns  28/29 anos, mesas e mesas de debates, palestras, lançamentos de livros, enfim, a Disney dos escritores. Nos colocaram na mesa de Imortais, entre seus acompanhantes. Quando sou apresentada a Rachel de Queiroz, que dividiria a mesa conosco. Como assim?! Não fui preparada pra esse encontro…Só que eu disse isso em voz alta!… e ela puxou uma cadeira ao seu lado. Senta aqui meu bem…que sorriso, meu Deus! Linda, um luxo de ser humano, meus olhinhos brilhavam ao ouvi-la contando da nossa linhagem Cearense, da mesma cidade, Crato, que faz divisa com Exu, ela me ensinava, “Temos o sangue dos Alencar, melhor, dos “de Alencar”. Esse “de” nos diferencia de outras linhagens. Disse Rachel, convencendo-me  a crer que somos parentes, "somos herdeiras de Bárbara de Alencar, a primeira mulher presa política no Brasil”. Nossa! "E de José de Alencar, minha mãe era prima do pai dele. Assim como o tio-avô do seu pai". Apresentações feitas, passamos a outro assunto mais agradável a ambas, receitas. Trocamos receitas, ai que delícia, ela me ensinou a fazer Ambrosia. Eu contei-lhe da Receita de “Caldeirada de Tucunaré ao Rio Negro” que fiz para Marina Colasanti e Affonso Romano de Sant'anna, quando fui  anfitriã num passeio de barco patrocinado pelo Governo do Amazonas. Como assessora do Secretário de Cultura, tinha que fazer aquilo funcionar, de qualquer jeito. Tudo corria muito bem, todos a bordo, quando o marinheiro me comunica que o cozinheiro não viria e não traria a água mineral. Tem cerveja? Tem guaraná? Bora, eu faço essa caldeirada, tem tudo? ajudantes? tem sim, senhora! A caldeirada foi um sucesso total ! Marina repetiu, Ignácio de Loyola Brandão se fartou, os secretários de cultura, satisfeitos. Vou até a cozinha do barco, olhos arregalados me esperam: "então, dona Rita, eles gostaram? Desconfiaram de alguma coisa?" Gente, vocês não sabem, o que tive que fazer. Não tinha água mineral pra fazer a comida. Só isso. O quê? Fulano, pega água do rio, cadê as panelas? mas vai lá pra proa, não deixa te verem. Fervam essa água, fervam bastante! E subi, levando cervejas, guaranás e bolinhos de Tambaqui fritos com geleia de Cupuaçu. Para deleite de Rachel, que gargalhava gostoso, me pedindo os detalhes da receita. Como rimos! Ela queria investigar… eles nunca souberam que comeram caldeirada com água do Rio Negro? Não! Gargalhamos mais ainda! ...e ficamos nos olhando de mãos dadas.


Agora vão saber! 


Por todas as nossas antepassadas, mães que pariram o mundo que vivemos hoje. Por elas, por mim, pelas minhas filhas, mantenho minha voz ativa, pronta, atenta. Como bem diz Adélia Prado : “...a uns, Deus quer doentes, a outros Ele quer escrevendo.”

 

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[arquivo pessoal da autora]
Rita Alencar Clark, professora de Língua portuguesa e Literatura, poeta Amazonense, contista, cronista, ensaísta, revisora e curadora. Membro do Clube da Madrugada (AM) desde 1987, membro fundador da ALB/AM- Academia de Letras do Brasil/Amazonas e da ACEBRA-Academia de Educação do Brasil. Colaboradora do Blog Feminário Conexões e dos Coletivos Enluaradas e Mulherio das Letras, com participação em diversas coletâneas e antologias poéticas, sempre representando o Amazonas. Tem dois livros publicados: "Meu grão de poesia" e "Milton Hatoum - Um certo olhar pelo Oriente-Amazônico".

quinta-feira, 9 de março de 2023

MULHER NEGRA! DA ESCRAVIZAÇÃO À LIBERTAÇÃO


VIVÊNCIAS POÉTICAS|03 

MULHER NEGRA! DA ESCRAVIZAÇÃO A LIBERTAÇÃO

POR MARIA DO CARMO SILVA

[imagem Pinterest]

A história da mulher negra brasileira é marcada pelo resquício da escravização colonial, época em que sequer ela era reconhecida como um ser humano. Sua existência era restrita apenas a uma vivência de subalternidade, injustiça, negação de Direitos.

Na contemporaneidade, perpassando por árduas batalhas em prol da conquista do seu lugar e do combate a todo o tipo de preconceito e de inferiorização, revestida de resistência e de resiliência, a mulher negra tem demonstrado o seu poder de emancipação, conquistando o seu espaço, atuando e interagindo nas diversas esferas sociais, políticas, culturais, profissionais, com maestria, deixando para as futuras gerações um legado de igualdade, justiça e conquista de Direitos.

Partilho com vocês este poema autoral que sintetiza esta trajetória, na condição de MULHER NEGRA:


RESISTÊNCIA AFRO-BRASILEIRA


Mulher Negra!

Da África, teu berço, foste brutalmente arrancada.

No porão do navio tumbeiro, como mercadoria foste transportada.

Para um lugar longínquo (Brasil) foste levada.

Lá chegando foste desumanizada, escravizada.

Na imunda senzala fostes despejada.

Mulher negra, desterrada, maltratada, menosprezada.

Foste servil dos senhores: escrava, mucama, ama de leite.

Explorada sexualmente, para os “Senhores”, um deleite.

Foram séculos de sofrimento e angústia à espera da alforria.

No quilombo buscavas refúgio e lutavas por melhores dias.

As marcas da escravidão na tua alma se encravaram.

No Brasil contemporâneo, ainda és vitimada pelo racismo e terror.

Sofres cotidianamente com a desigualdade, com a invisibilidade.

A sociedade brasileira quer mantê-la no cativeiro social.

Quer tê-la na História como mera figurante.

Mulher negra luta e resiste contra toda afronta.

Luta contra a desigualdade, o feminicídio e o racismo estrutural.

Luta contra a escravidão camuflada, o machismo e a violência.

A trajetória da Mulher negra brasileira é marcada por labuta e luta!

Mulher Negra é humana, cidadã e portadora de Direitos.

Seus Direitos conquistados, ainda são violados.

A História oficial insiste em mantê-la no anonimato.

És Guerreira, perseverante na luta por dignidade.

És Protagonista e heroína na História desta nação.

És ativista! Lutas pelo reconhecimento do seu protagonismo.

Mulher Negra grita e clama: Não estou mais na senzala! Liberdade!

Mulher Negra grita e clama! Abomino toda forma de escravização.

Sou humana, cidadã!

A cor da minha pele não é motivo de preconceito e de discriminação!

 

Maria do Carmo Silva

Poeta, professora e escritora.

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[arquivo pessoal da autora]


Maria do Carmo Silva é professora, poeta e escritora. Autora dos livros de poesias: "Retalhos de Vivências" e "Recomendações Poéticas". Tem participação em diversas Antologias Poéticas. Colunista no site de notícias Tribuna do Recôncavo. Integrante do Coletivo Mulherio das Letras.

 

quarta-feira, 8 de março de 2023

#8M# CARTA ABERTA ÀS MULHERES-POETAS, POR ELIZABETE NASCIMENTO

[fonte da imagem: Pinterest]

CARTA ABERTA ÀS MULHERES-POETAS

POR ELIZABETE NASCIMENTO

Saúdo as mulheres que ousam caminhar pelo solo árido da palavra poética e se embrenham por becos e vielas, nem sempre iluminados pela luz do dia, porque o suor que escorre dos seus corpos, por muitas vezes, é tingido com as cinzas de seus corpos violentados e feridos, num campo escuro e brutal. Portanto, a vocês que trazem às palavras os múltiplos sabores e odores da (re)existência, escrevo essas breves linhas, a fim de enlaçar nossas mãos em militância e enfatizar a importância desse fazer viver às diferentes expressões dessas vozes-mulheres, para que estas não naufraguem no anonimato e/ou nos arquivos públicos.

[fonte da imagem: Pinterest]
Ao adentrar a essa seara de indagações, dúvidas, dores e desespero; advinda dos corpos femininos, por vezes, busco réplicas no meu corpo e encontro indícios do quanto o brado coletivo coexiste em cada uma de nós. São marcas subjetivas de vozes que trazem assimetrias de raças, credos, condições socioculturais, econômicas e políticas. Elementos importantes para lermos o percurso histórico por outra ótica, onde a poesia se apodera, também, da matéria dos cotidianos e de suas vivências desenhadas com híbridas nuances. As palavras esteticamente lapidadas por esses corpos reverberam num todo significante, em que as metáforas jorram sob a égide dos corpos de mulheres e provocam a olhar às suas/nossas imagens estilhaçadas.

Vocês, mulheres, sabem que suas formas de dizer/poetizar esses mundos dos escombros incomodam os conservadores, mas sabem, sobretudo, que desafiam os conceitos arraigados no imaginário dessa sociedade patriarcal. O percurso em nada tem sido favorável às suas escritas e/ou as vivência de seus corpos, pois se formos aos arquivos públicos e/ou documentais da nossa história, verificaremos que há muito lhes vem sendo negado esse espaço, e que por décadas, vocês se esconderam em prisões de todos os tipos, quer sejam domiciliares, quer sejam públicas. As vozes de muitas mulheres permanecem sufocadas e o brado coletivo pode quebrar e/ou pelo menos fraturar o espaço dessa hegemonia decadente.

[fonte da imagem: Pinterest]

É preciso que vocês resistam mulheres! Que lutem bravamente pelo (re)encantamento do mundo; que ousam desafiar as garras do poder operante e tenham coragem de caminhar, de protagonizar, mesmo com as algemas a prender-lhe os pés ou com as brasas ainda a abrasar os seus corpos e sentidos. Alcem voos e não esqueçam de suas raízes!  Mulheres, vocês vislumbram o poder demiúrgico da linguagem. Avante! Soltem ao mundo as palavras vivas que ecoam da [re]existência, da sororidade, da identidade dita do lugar da gênese. Vocês são as mulheres desse novo tempo, que tais quanto as que as antecederam, precisam dar continuidade à luta, para que as que virão possam viver livres e/ou pegar a chama ainda acessa, a fim de prosseguir a caminhada. Utopia? Talvez. Mas, é ela quem engendra a vida.

Eu, mulher/filha/irmã/esposa/mãe/avó/ professora/doutora e eteceteras, desejo juntar-me a vocês nesse brado “informal e despretensioso”. Com palavras leves, recheado de surpresas e de amorosidades, com percursos imprevisíveis, movimentos livres e orgia metafórica, desejo [assim como cada uma de vocês] também, contagiar alguns loucos ou desavisados a juntar-se a nós, gestando, coletivamente, pensamentos autônomos e genuínos, porque a arte, nesse caso específico, a poesia, anseia por comunhão, sem credos, pudor e/ou divisão de gêneros, muito menos, manuais explicativos.

 

Recebam o meu abraço afetuoso! 

Elizabete Nascimento 

Cáceres (MT), 16 de fevereiro de 2023.

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[arquivo pessoal da autora]


Elizabete Nascimento: Doutora em Estudos Literários, poeta, professora e mulher que sonha com equidade. Livros: Educação Ambiental e Manoel de Barros: diálogos poéticos. São Paulo: Paulinas (2012); Asas do inaudível em luzes de vaga-lume. Cuiabá/MT: Carlini & Caniato (2019), Sinfonia de Letras: acordes literários com Dunga Rodrigues. Paraná: Appris/2021. Professora, DRE-Cáceres/Mato Grosso-Brasil.



terça-feira, 7 de março de 2023

#8M# MARIAS - DEUSAS SIDERAIS, POR ISA CORGOSINHO


MARIAS - DEUSAS SIDERAIS[1]

Para as Enluaradas que recriam o mundo com a poesia

POR ISA CORGOSINHO

[Imagem Pinterest]

Nenhum deus precede à noite profunda da deusa Nix. Exausta das solidões do universo, mergulhou ad infinitum numa espiral de si mesma, centrifugando, para seu incomensurável ventre, constelações e outros astros desavisados e curiosos que a rondavam, seduzidos pela voracidade de suas bordas sugadoras de luz. 

Da gestação milenar de Nix, regente da noite, nasceram as três Moiras: Cloto, a primogênita, responsável por fiar partos e nascimentos, com suas mãos trajadas de aurora injetou a luz primordial nos olhos recém nascidos da vida.  

A segunda filha da deusa era Láquesis responsável por puxar e enrolar, com zelo de artesã cósmica, o fio tecido por Cloto, sorteando o quinhão de atribuições que se ganhava em vida. A terceira filha de Nix, Átropos atuava com suas longas e delgadas unhas de foices reluzentes e afiadas, cortando destemida o fio da vida, juntamente com Tânatos e outros comparsas amigos da morte. 

[Imagem Pinterest]

Lá estavam as três Moiras, também conhecidas como Parcas, girando a cíclica harmonia da máquina cósmica, nas irrevogáveis funções de presidir gestação e nascimento, crescimento e desenvolvimento, e o final da vida, quando avistaram as Três Marias e o cenário que se formava na criação de Gaia. 

As Marias, viajantes do deserto sideral, levitando para além desses céus de nossos céus, avistaram Deus – viajante das planícies incomensuráveis do vazio. Apiedaram–se de um Deus assim tão triste, petrificado em eras de solidão. Comoveram-se com um Deus assim tão só, sem destino nas solidões mudas, privado de toda experiência de vida, preso à trama de sua criação infinita.    

[Imagem Pinterest]

Por amor ao Deus tão triste, criaram Gaia:  convocaram os mais de 30 milhões de sóis na Via Láctea, e escolheram apenas um. Desceram numa poeira de pérolas de ouro, levantada pelo sopro da gratidão das Moiras. Criaram as mais exuberantes formas da flora e fauna, mas o coração de Deus permanecia mudo, destoando de toda criação.

Vaticinaram as Deusas siderais: _ Deus, terás pela frente o seu mais longo e árduo trabalho. Seus filhos e filhas terão as mais conscientes e belas formas da matéria animal, mas serão infinitamente mais tristes que o pai; serão irascíveis e amáveis; do pai herdarão a capacidade infinita da criação; serão capazes de habitar outros sóis, outras dimensões: o pensamento, a linguagem, a música, a dança, a pintura, a escultura e a poesia serão suas crias e os ensinarão a conviver com a luz e a sombra que habitam seus corações.

[Imagem Pinterest]

Do berço das Deusas ancestrais, aos terráqueos foi ofertado o Jesus menino. O irmão incansável e solidário dos homens e mulheres, o filho dileto das Deusas e Deus. Com esse homem menino, os seres devem aprender a não declinar da justiça, da paz e dos sonhos.

São elas as mães do planeta, Marias povoam o mundo desde a tenra idade dos pés de Gaia. Lá se vão bilhões de anos que a Terra vem girando: na rotação do amor e na translação de suas saias.

Isa Corgosinho

08/03/2023



[1] A primeira versão desse conto foi publicada na Coletânea Salvante V: Reminiscência do tempo. Organizadora: Vânia Clares; Diversos autores. 1. ed. São Paulo: Sarasvati Editora, 2022.     

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[arquivo pessoal a autora]

Isa Corgosinho é de Brasília/DF, professora universitária aposentada, poeta. Participou de várias Coletâneas, entre elas: Coletânea enluaradas (2021); 1ª Coletânea Mulherio das Letras na Lua (2021); Coletânea Ciranda de Deusas I e II (Enluaradas Selo Editorial, 2021); Poesia & Prosa (In-finita, Portugal 2021); Livro Memórias da pele, Venas Abiertas – III – Mulherio das Letras, 2021.

sábado, 4 de março de 2023

LINGUAGEM DO BATOM VERMELHO, POR CAROLLINA COSTA

 

LINGUAGEM DO BATOM VERMELHO|16

POR QUE 8 DE MARÇO?

Por: Carollina Costa

Março, mês do meu aniversário (dia 14, junto com Carolina Maria de Jesus) e da comemoração anual do Dia Internacional da Mulher. Em 2021 escrevi uma crônica para meu antigo blog medium.com chamada Por que 8 de março?, na qual reflito sobre o significado dessa data e sobre o incômodo de ter se tornado mais comercial do que histórica, com muita pompa e pouca importância diária.

Quando escrevi essa crônica, eu tinha acabado de ouvir falar sobre o livro As origens e a comemoração do Dia Internacional das Mulheres, da historiadora Ana Isabel Álvarez Gonzalez, que atualmente já li e indico muitíssimo a leitura. Na época, antes de ler o livro, tinha para mim que o famoso incêndio de uma fábrica têxtil e alguns outros acontecimentos isolados envolvendo mulheres operárias nos EUA foi o grande início na luta das mulheres por direitos humanos e trabalhistas, mas Gonzalez afirma que nenhum desses acontecimentos têm ligação direta com o movimento feminista. Segundo as pesquisas de González, o movimento surgiu simultaneamente nos EUA, França, Inglaterra e Rússia e, apesar das diferenças, a luta pelo sufrágio — o direito ao voto — foi o que uniu essas mulheres. Houve muitas outras datas até se estabelecer o 8 de março como data oficial do Dia Internacional das Mulheres.

Mesmo depois da leitura, minha inquietação com o significado perdido da data permaneceu. O parabéns vazio, o agrado que é feito como uma obrigação, um protocolo; o vício dos presentes sem significado como se fosse uma data comercial. O esvaziamento dessa história, o esquecimento do sangue derramado por tantas mulheres para que hoje pudéssemos ter o mínimo. O caminho da história que vai se apagando como uma fotografia velha que precisamos olhar diariamente pra não esquecer de vez que ela um dia existiu.

Entenda, tudo bem dar e receber mimos e presentes nesse dia — inclusive amo — , mas de nada valem se nos outros 364 dias do ano essa data for esquecida, sua história escondida, e continuarmos a ser tratadas como se ainda vivêssemos no final do século 19. 8 de Março é sim uma data importante, mas também simbólica. Símbolo de lutas que não acabaram e de buscas que mal começaram. Meu desejo era que seu significado se estendesse pelo ano inteiro.

Feliz mês da Mulher para todas nós!



VERBO MULHER: AS MÁGOAS DE MARÇO, POR HELENA TERRA

V E R B O M U L H E R|05

AS MÁGOAS DE MARÇO

POR HELENA TERRA

[Imagem arquivo Pinterest]

Não tenho tido tempo para escrever.  Não o tanto que eu gostaria. Depois de ler, é o que mais gosto de fazer do ponto de vista intelectual. E digo do ponto de vista intelectual porque trocaria minha estante e as inúmeras pilhas de livros que se alastram pela minha casa pela companhia das minhas amigas e amigos sem pensar duas vezes. É, eu gosto de gente. Muitíssimo. Mais até do que de bichos. E a gente sabe que a maioria é mais leal e divertida que uma boa parte de nós. Não é à toa que dizemos “fidelidade canina” quando nos referimos a alguém incapaz de nos trair. Mas vamos ao que interessa neste mês de março, o mês escolhido, com o consentimento do patriarcado, para recebermos flores, bombons e textos na Internet, alguns escritos inclusive por nós mesmas indevidamente assinados por homens, no dia 8. Oito é o número do infinito. Eu nasci em um dia oito. Meu pai nasceu em um oito também e morreu em um dia oito em uma coincidência que me perturba um pouco, mas não me magoa. Vou falar sobre o que me magoa. Não sobre tudo, é claro, que não é para este texto ser uma sessão de terapia ou um tratamento inteiro mesmo. 

        Começo então por uma das agressões que considero das mais violentas: as de uma mulher contra outra. Eu sei que somos socializadas desde o nascimento para criticarmos a aparência umas das outras, para não considerarmos as opiniões umas das outras, para competirmos por laços de afeto, namorados, maridos, para não confiarmos umas nas outras, para julgarmos umas às outras e para ficarmos ao lado dos homens quando houver um conflito. Qualquer tipo de conflito porque os homens têm razão mesmo quando não têm e porque, de um modo ou outro, nós somos as bruxas que devem praticar o auto-ódio feminino, e eles são os reis da cocada. Se eles disserem que algo foi assim, então foi. Quem somos nós para questioná-los e para apontar nossos lindos dedos de unhas vermelhas em seu nariz? E falo aqui de mulheres de todas as faixas de idade, inclusive as nascidas sob esse terceiro milênio depois de Cristo. Talvez se fosse depois de Crista as coisas fossem diferentes e não houvesse ainda mulheres tão sexistas quanto os homens, porque as mulheres podem ser sexistas e algumas de fato são apesar de suas tatuagens, cortes de cabelos e uma série de outros signos que sugerem senso crítico e ruptura.

[Imagem arquivo Pinterest]
No livro “O feminismo é para todo mundo”, meu livro favorito sobre o tema, da Bell Hooks, publicado pela primeira vez na virada do milênio, ela, uma mulher nascida no início dos anos cinquenta do século passado, diz: “para acabar com o patriarcado (outra maneira de nomear o sexismo institucionalizado), precisamos deixar claro que todos nós participamos da disseminação do sexismo, até mudarmos a consciência e o coração; até desapegarmos de pensamentos e ações sexistas e substituí-los por pensamentos e ações feministas.” Pois é. Por mais difícil que pareça temos de esquecer a antiga e dominadora cartilha de verdades dos homens, mesmo das dos que nós amamos, porque está no inconsciente coletivo, principalmente masculino, dominar. Dominar pela força física, pela econômica e pelo discurso. Discurso que a eles beneficia, discurso mantenedor de seus privilégios e de seus prazeres. 

Outro dia, só para dar um exemplo, na fila do caixa de um supermercado, ouvi uma jovem, que deve ter entre vinte e vinte e cinco anos, dizer à outra que uma tal fulana era muito “banheiro público” e as prejudicava "na noite". Sim. Banheiro público porque a sexualidade das mulheres, o erotismo das mulheres, o gozo e a liberdade das mulheres se não é um pecado, é um crime ou uma ofensa à moral e aos bons costumes, todos implacáveis na hora de julgar e punir uma mulher e benevolentes na hora de avaliar as atitudes de um homem. Como diz a Marcia Tiburi, em seu livro “Feminismo em comum, “de nada adianta dizer-se feminista sem lutar pela transformação da sociedade”. E essa transformação, quer a gente queira ou não, começa em nós mesmas e mesmos, porque você, homem que também me lê, pode e deve fazer a sua parte. Aliás, caríssimo, nos deve cada pedacinho.

[Imagem arquivo Pinterest/ Frase de Victoria Sau]

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Helena Terra é escritora, jornalista, coordenadora do grupo de leitura e escrita criativa A Palavra Tem Nome de Mulher dentro do Presídio Feminino Madre Pelletier em Porto Alegre e editora no Selo Editorial Besouros Abstêmios. Autora dos romances A Condição Indestrutível de Ter Sido e Bonequinha de Lixo.

quarta-feira, 1 de março de 2023

UMA CARTOGRAFIA DA ESCRITA DE MULHERES: ENTREVISTA COM LINDEVANIA MARTINS, POR GABRIELA LAGES VELOSO

   


UMA CARTOGRAFIA DA ESCRITA DE MULHERES |05

ENTREVISTA COM LINDEVANIA MARTINS

Por Gabriela Lages Veloso

"Não há barreira, fechadura ou tranca que você possa impor à liberdade da minha mente”, essa frase da escritora inglesa Virginia Woolf representa como a literatura é uma importante arma de combate contra as desigualdades de gênero, ao dar voz e poder às mulheres. Na intenção de mapear as margens e abrir espaço para as novas vozes sociais, nossa coluna intitulada Uma Cartografia da Escrita de Mulheres tem como principal objetivo promover a valorização de escritoras contemporâneas, através de entrevistas. Hoje, temos a honra de receber a escritora Lindevania Martins, uma importante voz para a cultura feminista atual, que, diariamente, luta pela igualdade de gênero.

ENTREVISTA COM LINDEVANIA MARTINS:

Arquivo pessoal da autora

Lindevania Martins é maranhense (Pinheiro-MA) e mora em São Luís. Graduada em Direito e Mestra em Cultura e Sociedade pela UFMA, é mestranda em Direito Constitucional pela UFF. Delegada de polícia entre 1998 e 2001, é defensora pública de Defesa da Mulher e População LGBTQIA+. Atua como escritora, palestrante e pesquisadora em Gênero, Tecnologia, Direito e Literatura. Integra o Grupo de Pesquisa em Crítica Jurídica Contemporânea (UFF). É membro do coletivo literário feminista Mulherio das Letras. Venceu por duas vezes o Concurso Literário e Artístico Cidade de São Luís, categoria contos (2003 e 2005). Recebeu uma menção honrosa no Concurso Nacional de Contos da OAB Nacional (2006). Foi selecionada para publicação no Concurso de Originais da Editora Benfazeja (2017). Finalista no 1° Concurso Nacional de Contos Ciclo Contínuo (2017). Jurada no concurso internacional de contos “Her Story”, da Plataforma Sweek em conjunto com  o Leia Mulheres (2018). Venceu o 6° Premio CEPE de Literatura (2021). Possui contos e poemas publicados em diversas antologias, revistas impressas e sites, dentre os quais destacam-se: Cadernos Negros n. 42, Revista Gueto, Revista Pixé, Ruído Manifesto, Laudelinas, Café Espacial, Jornal O Relevo, e Acrobata. Autora dos livros Anônimos (2003), Zona de Desconforto (2018), Longe de Mim (2019), Fora dos Trilhos (2019), A Moça da Limpeza (2021) e Teresa Decide Falar (2022).

Como você começou a escrever?

Sempre fui uma leitora voraz e ler tanto despertou em mim a vontade de escrever. Comecei a escrever na adolescência, a partir da observação dos amigos, vizinhos e de mim mesma. Havia coisas sobre eles e sobre mim que eu não compreendia e através da escrita, através de um exercício de imaginação, eu preenchia essas lacunas. Logo percebi que escrever nos conferia um pequeno poder: através da ficção, eu poderia criar realidades, construindo eventos paralelos e poderia até mesmo mudar o final de certas histórias. E não só: escrever me obrigava a organizar fatos, memória e imaginação. E isso me fazia compreender um pouco mais sobre o mundo, sobre aquilo que me rodeava, inclusive compreender coisas sobre quem eu era. Para uma garota extremamente curiosa, isso era o máximo! 

A sua formação acadêmica, na área de Direito, tem alguma influência na sua escrita literária?

Muito! Diria que hoje percebo como minha identidade como profissional do direito e como escritora são complementares e se conectam de modo profundo, uma coisa contaminando a outra. Especialmente nesse momento em que me encontro mais madura e de volta à atividade acadêmica, fazendo mestrado em Direito Constitucional e repensando meu percurso profissional no mundo jurídico. Tudo isso constitui um conjunto e minha escrita se torna o resultado de todas essas interferências.

Por que você escreve?

Volta e meia me faço essa pergunta.  E são tantas as respostas que me ocorrem! Mas percebo que é principalmente uma necessidade íntima de auto-expressão que me move. Escrevo, talvez, porque sempre fui muito calada e escrever me obriga a usar e projetar uma voz interior, me obrigando a ir contra minhas inclinações naturais relativas ao silêncio. Escrevo, talvez, porque às vezes a comunicação parece inútil e tenho esperança de que, em algum momento, não seja mais. Escrevo porque sou mulher e as mulheres por tempo demais foram excluídas do espaço público, pelo que encaro como uma obrigação usar do espaço literário, um espaço de discurso público por excelência, para afirmar não só a minha identidade feminina, mas as  de as de outras mulheres e as singularidades ligadas a ela. Escrevo porque venho de um lugar em que os meus, alguns pobres demais, outros analfabetos, jamais pensaram em escrever porque esse tipo de atividade não fazia parte do seu universo de possibilidades e quando escrevo, também escrevo por eles.

Quais escritoras(es) te inspiram?

Foram e são tantos. Cada escritor e cada escritora produziram em mim efeitos diferentes e elas e eles mudam de acordo com as fases de minha vida e com as minhas buscas pessoais. É mais fácil falar daqueles que estão mais distantes de nós, como Maria Firmina dos Reis, Hilda Hilst, Kafka, porque os efeitos dos contemporâneos, especialmente desses com os quais convivo, ainda estão sendo produzidos e creio que nos influenciamos mutuamente. 

Conte-nos sobre o seu primeiro livro, Anônimos (2003). Como foi o processo de escrita? Quais temáticas você aborda? Onde podemos adquiri-lo?

Anônimos, meu primeiro livro, surge quando ainda não sabia qual era a minha voz como escritora, nem o que queria alcançar ao escrever ou porque eu escrevia. Então, é um livro permeado por experimentação, contendo dezesseis contos de uma jovem escritora que está tateando e que ainda não pisa no chão com segurança. O crítico Couto Correia Filho, que assina a orelha, diz que nele há contos com uma carga dramática que choca a sensibilidade do leitor. As temáticas que abordo são variadas mas guardam algo em comum com a escrita que desenvolvo até hoje: indagam pelo sentido das coisas. Anônimos pode ser comprado através da livraria AMEI – Associação Maranhense de Escritores Independentes, tanto na loja física quanto na virtual.

Comente sobre Zona de Desconforto (2018). Explique o título e suas implicações no sentido/proposta da obra, e onde podemos adquiri-la.

Depois de publicar Anônimos em 2003, decidi que não queria mais escrever e fiquei quase quinze anos sem publicar livros, até que veio Zona de Desconforto em 2018, contendo oito contos. Zona de Desconforto é o nome do primeiro conto, que abre o livro, e que narra a história de uma menina do interior do Maranhão que é explorada no trabalho doméstico na capital. Ao escolher o nome do conto como título do livro, quis ressaltar a importância desse conto para mim, que retoma a história de várias mulheres da minha família. Mas o título ainda cumpre outras duas funções. A primeira é informar sobre os cenários nos quais meus personagens se movem: hostis. A segunda é já alertar ao leitor sobre o tipo de coisa que ele irá encontrar no livro, para que tenha a opção de se afastar, pois o livro tem uma escrita ácida e dura que pode incomodar aos mais sensíveis. O livro pode ser comprado através da internet, pela Amazon  ou no site da Editora Benfazeja, mas também na  livraria AMEI – Associação Maranhense de Escritores Independentes, tanto na loja física quanto na virtual.

E quanto ao seu livro mais recente, Teresa Decide Falar (2022)? Qual é o mote desse livro? Onde podemos adquiri-lo?

Teresa Decide Falar é meu livro mais maduro. Traz quinze contos que transitam fortemente por universos fantásticos e que dialogam com meus livros anteriores, mas dialogam principalmente com as minhas obsessões.  Alguns temas se repetem, como esses ligados à linguagem e à morte. Mas sigo por outros caminhos. Na escrita desse livro, fui muito inspirada por diversas obras e autores. O conto de abertura do livro, Teresa Decide Falar, por exemplo, é inspirado  no livro Pode o Subalterno Falar?, de Gayatri Spivak. Já o conto Encontro Marcado,  se inspira em um dos meus filmes preferidos, O Sétimo Selo, de Bergman. O livro pode ser comprado através da internet, pela Amazon  ou no site da Editora CEPE, mas também na  livraria AMEI – Associação Maranhense de Escritores Independentes, tanto na loja física quanto na virtual.

Fale sobre as suas participações em concursos e prêmios literários, como, por exemplo, o CEPE de Literatura (2021).

Os concursos e prêmios literários sempre estiveram nos meus horizontes, em um movimento originado menos por busca de prestígio e mais por insegurança, por não ter certeza sobre aquilo que eu escrevia era realmente literatura. Vencer concursos literários ou ser finalistas de prêmios vieram como incentivos para minha escrita, me apontaram que minha escrita tinha alguma qualidade estética e divulgaram meu trabalho entre leitores, criticos, outros escritores e profissionais do livro. 

Mais do que escrever, é necessário fazer ecoar nossas vozes. Assim, se destacam projetos feministas tais como o Coletivo Mulherio das Letras. Qual é a importância dos coletivos literários, para você?

Estou no Coletivo Mulherio das Letras desde o início do movimento e estive em todos os encontros presenciais. É um local de fortalecimento para nós, mulheres escritoras. Acho muito interessante quando você usa a expressão “ecoar nossas vozes”. É isso que penso: não basta escrever. É preciso que essa escrita repercuta no mundo, ecoe e produza mudanças. 

Como convidada da nossa coluna Uma cartografia da escrita de mulheres, qual mensagem você deixa para a nova geração de escritoras?

Que estejamos juntas e que possamos reexaminar e expandir o que consideramos nossos limites.


Contatos da escritora:

Instagram: @lindamartins

E-mail: lindevaniam@yahoo.com.br

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Gabriela Lages Veloso é escritora, poeta e mestranda em Letras pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA). É colunista da Revista Sucuru e do Feminário Conexões, editora do núcleo poético de divulgação feminina Sociedade Carolina e membro do projeto Entre Vasos y Versos, que conta com a participação de escritores de diversas nacionalidades. Além disso, colabora com coletâneas e revistas nacionais e internacionais. Em 2023, organizou a Antologia Poéticas Contemporâneas: uma cartografia da escrita de mulheres, juntamente com a Editora Brecci Books.



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