sexta-feira, 20 de janeiro de 2023

ENLUARADAS: A POÉTICA DO ABRAÇO, POR ELIZABETE NASCIMENTO E JOCINEIDE MACIEL

A POESIA DE AUTORIA FEMININA: DE ESPADA EM PUNHO!

  

MariaElizabete Nascimento de Oliveira[1]

JocineideCatarina Maciel de Souza[2]

 

Após duas décadas do século XXI, quando o céu do solo brasileiro projeta sair da cor cinza e surgem estrelas a esperançar dias melhores, mulheres/brasileiras que vivem em diferentes espaços geográficos, fortalecidas pela força artístico-literária se unem para se inscreverem na história da literatura brasileira por meio da poesia. É, nessa conjectura, que exibimos alguns fios dos muitos que encontramos no I Tomo das Bruxas: do Ventre à Vida (2021), uma coletânea de poemas escritos por mulheres negras, indígenas, brancas e amarelas, dividida em três partes, que de acordo com as organizadoras são as três condições necessárias à liberdade.

Adotamos como metodologia a apresentação integral de três poemas que compõem a coletânea, um de cada parte da obra. Da parte I, intitulada: meu Corpo, minhas Normas, meu Templo Sagrado, selecionamos o poema intitulado Pastoreio (p.73), de autoria de Marta Cortezão; Da parte II, Dos Silêncios que ardem no Fogo das Injustiças e dos prodígios da Palavra, escolhemos, Femina (p.142), de Verônica Oliveira; da última parte III Da Chama Poética que abrasa o Ventre Divino das Bruxas, temos o poema Borboletas (p.177) de Sandra Santos. Essas criações poéticas se constituem como convites à leitura da obra completa e evidenciam a sensibilidade da figura feminina ao tecer fragmentos de suas vivências e utopias que, por sua vez, comparecem nesse espaço repletos de existências. No sentido de que mesmo tratando-se, muitas vezes, de um espaço particular, há a presença inegável do espaço coletivo, humano, que se imbrica aos liames existenciais, como se pode conferir nas produções selecionadas, iniciando por Pastoreio, de Marta Cortezão.


PASTOREIO - Marta Cortezão (p.73)

vinde, ó pastoras!

pastoreemos estes prados

que outrora nos foram negados

 

de pés descalços

dancemos sobre Gaia

que nutre vida viva palavra

 

abracemos nossa dororidade

vigiemos nosso rebanho

cantemos à liberdade

 

substância

              verbo

                    amanho

 

A convocação no verbo que abre o poema nos remete a um tempo presente, ao se juntar ao substantivo pastora que por si, já demanda um compromisso de sororidade, se pensarmos na imagem do pastor messiânico que ao recolher suas ovelhas percebe a falta de uma e volta a procurar a única que se distanciou do rebanho. Por outro lado, remete a insubmissão ao atentar para o fato de que o eu-poemático é feminino e, na primeira estrofe está convidando as demais a unirem-se por meio do imperativo: “vinde, ó pastoras!” para que, juntas possam cuidar de um território que lhes fora negado. É como se fosse um convite a adentrar um espaço interditado e registrar lá a presença da figura feminina (WALKER, 2021).

Na perspectiva bíblica, o vocábulo prado referia-se aos pastos, local em que pastavam as ovelhas, no entanto, prado surge como metáfora do campo artístico-literário, onde precisam atuar as mulheres no século 21. Ao considerarmos os inúmeros estudos sobre a atuação da mulher nas esferas sociais e políticas, ainda é um espaço pouco ocupado por mulheres. Deste modo, precisamos olhar para a substância existente no ser feminino, no percurso das mulheres que fizeram “trieiros” e pavimentaram nossos caminhos, para que hoje, por meio da coletividade pudéssemos reunir para pisar nesse solo tão árduo e romper as bolhas do mercado editorial e da ocupação dos lugares de poder dos quais sempre fomos excluídas, todavia não devemos ocupar  o lugar de vítimas, pelo contrário, é preciso protagonizar o nosso viver, "[...] em um tempo no qual todas as identidades estão em crise, ou são manifestadamente postiças, ser vítima dá lugar a suplemento de si."(GIGLIOLI, 2016, p.07).

Na segunda estrofe, temos o verbo “que nutre viva palavra”, é preciso desbravar os ritmos das linguagens e, nesse sentido, reportamos à simbologia da palavra:


A palavra úmida germinou, como próprio princípio da vida, no ovo cósmico. É a palavra que foi dada aos homens. É o som audível, considerado como uma das expressões da semente masculina, o equivalente do esperma. Ela penetra na orelha, que é outro sexo da mulher, e desce para enrolar-se em torno do útero para fecundar o germe e criar o embrião. Sob a mesma forma de espiral, ela é a luz que desce à terra, trazida pelos raios do sol e que se materializa, no útero terrestre, na forma de cobre vermelho. (CHEVALIER; GHEERBRANT, 2015 p. 679)

 

Ao trazer a palavra como fecundadora, como germe da criação, já podemos chamar a ligação ancestral verbo (palavra) e Gaia (terra), ambas vivendo a promiscuidade da existência. Mulher, terra, palavra; trio perfeito que se fundem e clamam por resistência. “De pés descalços”, deixemos que Gaia nos envie energia e tome conta do nosso corpo. Logo, coadunamos com os pressupostos apontados por Frederico Fernandes (2019, p. 295) ao afirmar que o corpo-memória “[...] por meio da linguagem artística recupera os acontecimentos nos quais formas de opressão e estratégias de resistência que passam a ser evidenciadas”. Pensar essa escrita feminina numa perspectiva de resistência latino-americana, como o faz Fernandes, é demarcar uma construção estética que aborda a forma que cada uma está e age no mundo.

Na terceira estrofe, o eu-poemático clama para que demonstremos afetos a todas as mulheres, tanto ao trazer o termo feminista cunhado em 2017, por Vilma Piedade, dororidade, que compreende a dor de todas as mulheres, focalizando especialmente na mulher preta, haja vista, que segundo a autora o termo sororidade não contempla algumas especificidades que focalizam na dor específica da mulher afrodescendente; quanto ao metaforizar a mulher, no segundo verso. Além disso, convoca para que cantemos para a liberdade. Vejam ao crasear a vogal à liberdade, o eu-poemático deixa entrever que é uma convocação também a esta, já que ela inexiste no presente.

 

É nesse ponto que a Dororidade se instaura e percorre a trajetória vivenciada por Nós, População Negra, e, aqui em especial, Nós – Mulheres – Mulheres Pretas, Brancas, de Axé, Indígenas, Ciganas, Quilombolas, Lésbicas, Trans, Caiçaras, Ribeirinhas, Faveladas ou não, somos Mulheres (PIEDADE, 2017, p.15). 

 

Os três últimos versos são compostos das três palavras chaves que sustentam as estrofes anteriores, a primeira é substância que nos remete a ideia daquilo que é essência, inerente ao ser; a segunda é verbo sugerindo a existência que se metaforiza em palavra e a terceira, a palavra amanho que se trata da arte ou técnica para o manejo da terra. É interessante observarmos os degraus compostos pelas palavras que, também, podem ser vistos em formato de espiral – substância, verbo, amanho.

Nos doze versos que compõem o poema Pastoreio, temos o fazer artístico integrando à escrita, à dança e à música. Linguagem corpórea, que com ritmo e música salienta que não há restrição para ocupação desses espaços, talvez a única regra seja vencer o medo e dançar descalças e juntas em defesa da terra, que para nós, mulheres, é sinônimo da própria existência. Numa linguagem que, também, poetiza o espaço vivenciado pela mulher, apresentamos o poema: Femina, de Verônica Oliveira.

 

FEMINA - Verônica Oliveira (p. 142)

Ah, me fascina essa mulher que se entrega

Que se arrasta, se magoa, se anula

E quando todos a julgam apagada

Emerge das cinzas feito a fênix

Ressuscitando a dignidade e fortaleza

Me fascina vê-la retomar o seu papel real

Brigar pelo direito de ser independente

Defendendo os seus anseios de pessoa capaz

Me fascina a coragem de, mesmo sentindo

O coração esfacelado, deixar ir o seu amado

A fim de preservar o seu eu

Ah, me fascina a malícia das senhoras

Que se transformam em fêmeas cheias de desejo

Enroscando-se em seu amado

E sorvendo dele todo o mel

E quando as vejo assim,

seja nas manchetes, nas filas,

Nas repartições, passeatas,

Nos parlamentos

Nas escritas doídas

Ou em casa por opção

Me fascina ser mulher.

 

          Se a escrita de Marta Cortezão é uma convocação às pastoras que estão em diferentes lugares e espaço no mundo, nos versos, de Verônica Oliveira, apresentam-se nuances das artimanhas de sobrevivência dessas mulheres, que não sem dor se atreveram, na “hora gris”, a ocupar o seu papel. A fascinação apontada nos versos (1, 6, 9, 12 e 22), tem muito mais que o ato de admirar, mas carrega o empoderamento de também assumir o lugar de mulher. Além disso, observamos como o termo dororidade também está presente no poema de Oliveira implicitamente e, mais abertamente “nas escritas doídas”. Há na escrita da mulher esse fazer afetivo que carrega as várias mulheres que a compõem.

Nos dois primeiros versos temos uma gradação com o uso dos termos (entrega, arrasta, magoa, anula) que apontam as dores que as mulheres vivenciam diariamente na luta pela sobrevivência. Ao refletirmos sobre a construção desses versos nos chama atenção o uso da partícula “se”, que a priori pode relegá-la à passividade. É importante visualizarmos como o eu-poemático aciona a fragilidade e o poder feminino em ocupar espaços, enfatizando as inúmeras situações que, muitas vezes, as condicionam a um lugar predeterminado, pois a ruptura dos condicionamentos históricos e sociais é dolorida, está para além do exposto em palavras porque se encontra intrínseco no corpo feminino, quer seja pela falta de reconhecimento e ou por situações de ordem sociocultural, econômica e/ou política.

No verso /E quando todos as julgam apagadas/, temos a evidência de como a sociedade está a todo tempo, colocando-a em situação de julgamento pelo fato de ser mulher. A resistência feminina metaforizada na fênix desfaz essa ideia de passividade e nos remete as estratégias que, ao longo da história, foram necessárias para demarcar o ser feminino no mundo; no poema, essas marcas apresentam-se, sequencialmente, com os verbos “retomar”, “brigar” e “defender”, para apontar as estratégias de ruptura com luta e determinação pela conquista de um espaço de atuação.

Na história de emancipação e de resistência da mulher, a dor e o apagamento tornam-se antídotos para combater a maldade do mundo que as relegou aos lugares subalternos, negando-lhes o acesso aos estudos, de modo a subjugá-las aos afazeres domésticos. Quando em meio às estratégias e, quase sempre, em parcerias com outras mulheres tinham acesso ao domínio da escrita, não podiam assinar seus escritos, suas descobertas científicas e, nem mesmo, reger seus próprios corpos, por isso a fascinação pode ser entendida como a palavra-chave que norteia o eu-poemático de Verônica Oliveira.

Na perspectiva acima, ressaltamos que: “[...] o poder, mesmo herético, teme a palavra das mulheres. Ele tratou rapidamente de fechar-lhes a boca. [...] restaurar a ordem é impor o silêncio a esta desordem: a palavra das mulheres” (PERROULT, 2005, p. 320). Por séculos, esse silenciamento imposto, muitas vezes, de forma a violar o direito de SER mulher, fortalecido pela hegemonia do patriarcado e da própria historiografia literária que demonstra o apagamento das mulheres na literatura, como destaca Marli Walker (2021).

 

[...] a condição da mulher escritora em Mato Grosso não diverge da realidade observada em outras esferas, sejam nacionais ou civilizacionais. A literatura produzida por mulheres em Mato Gross, em conformidade com o que ocorreu no país, apresenta uma produção ainda marcada pelo protagonismo masculino no âmbito da literatura, da cultura, da sociedade e da política. Dentre outros espaços, este é um dos fatores que caracteriza as autoras mulheres como um grupo de escritoras colocado à margem da historiografia literária do estado de Mato Grosso em determinados períodos. (WALKER, 2021, p. 27)

 

Nos versos (9,10,11), o eu-poemático nos apresenta uma mulher que se prioriza e, ainda que seus sentimentos sejam importantes com relação ao seu parceiro, é a autonomia do seu corpo que prevalece. Ainda assim, o índice de feminicídio é elevadíssimo e cada hora temos mulheres sendo violentadas e assassinadas no mundo. Todavia, a fascinação pela coragem dessa mulher, que não aceita a violação de seu corpo, encoraja a outras mulheres a se movimentar no seu próprio existir.

Ainda sobre a autonomia dos corpos femininos afloram a libido da mulher nos versos 12,13, 14, 15, de forma autoral e sensualizada, algo proibido às mulheres do século XIX, pois: “[...] historicamente situada na esfera dominada, foi duplamente submetida à lei; pois, além de enquadrar-se às normas gerais, devia, ainda e sobremaneira, subjugar-se à ordem masculina na relação conjugal” (WALKER, 2021, p. 95), ainda de acordo com a autora é somente no século XX, que esse cenário começa a ruir com a revolução feminista.

          Justificamos a escolha da palavra-chave fascinação, aliada ao conjunto desse tomo, principalmente no sentido de poder de encantamento que a palavra causa, esse corrobora com o uso do gerúndio nos versos (5, 8, 14 e 15), que denotam um estado de permanência. A panorâmica de ocupação dos diferentes espaços citados por Oliveira podem ser os prados a se pastorear de Cortezão.

Nos últimos versos, a poeta Marta Cortezão, aponta para lugares, que com muitas lutas foram conquistados e respalda a ideia de que a mulher necessita estar atenta aos espaços que são de todos por direito. Por outro lado, ou talvez do mesmo lado, Verônica Oliveira, no último verso: “me fascina ser mulher”, deixa subentendido a fascinação do eu-poemático surge pela conquista dos espaços. A seguir, descrevemos o poema de Sandra Santos que surge, também, como um convite à conquista desse espaço, mas com especificidades permitidas pelo campo semântico das palavras por ela selecionadas.

 

BORBOLETAS - Sandra Santos (p.177)

Me deem borboletas de presente

Quero deixá-las ir

Escolher do caminho, o rumo

Do voo, a altura

Do espaço, o momento

Certezas... Abolir.

Bater asas

Beijar flores

Saborear amores

Deixem-me ser,

Eu mesma, uma borboleta

Desvairada, colorida

Passageira, reluzente

Tatuagem minimalista

Estampada em preto, pele

E argumento

 

O poema Borboletas nos convida a despir das coisas funcionais e voltar a olhar às experiências e às coisas destituídas do poder visto pela ótica do capitalismo. E, ao mesmo tempo, se juntar ao eu-poemático. Os elementos sensoriais se apresentam leve na linguagem adotada por Sandra Santos, para sugerir que, às vezes, é preciso romper com as engrenagens que focalizam a sociedade mercantilista e vislumbrar outros saberes que, muitas vezes, são efêmeros e passam despercebidos.

 

O conhecimento de sua linguagem permite o acesso à intimidade de uma pessoa e de um grupo. Atacar uma linguagem equivale a atacar um ser; respeitar uma linguagem é respeitar o ser que a fala. Porque ela detém uma carga de energia, que provém de todo o ser e visa ao ser por inteiro. A força do símbolo impregna dessa energia os signos e os suscita. A linguagem permite que se participe de uma vida. (CHEVALIER; GHEERBRANT, 2015, p. 552)

 

Ainda segundo os autores (p.138), devido à “graça e ligeireza, a borboleta é, no Japão, um emblema da mulher”, destacam que a ela está arraigado o símbolo de ligeireza e inconstância. Nos primeiros versos o eu-poemático conclama, também, o coletivo para o movimento, tal qual Cortezão, e poetiza: “deem-me borboletas de presente”. Um mesmo chamamento, com roupagem diferente, substância e verbo tecendo danças diversas nas escritas femininas, mas num mesmo ritmo. Vejam que o eu-poemático, aqui, também canta à liberdade: “Quero deixá-las ir/Escolher do caminho, o rumo/Do voo, a altura/Do espaço, o momento/Certezas... Abolir”.

Em tempo, destacamos que não somos alheias às fragilidades desses corpos femininos que ora regam as páginas da antologia, muito pelo contrário, como pesquisadoras e estudiosas das linguagens, refletimos também sobre os fatores contextuais e os intratextuais que, não em raras exceções e, de acordo com os mais conservadores, ferem as normas e convenções da linguagem e, não menos, também incomodariam àqueles que buscam descobrir os métodos por trás dos signos. Mas, a nós que compreendemos todo percurso com seus desvios e aprendências, sabemos que a coragem dessas mulheres em adentrar esse espaço instituído e instituinte reafirma seus protagonismos no curso dessa história, outrora, escrita apenas por homens.

Os três substantivos que fecham o poema de Marta Cortezão, também, bailam aqui nos versos da segunda parte do poema de Sandra Santos, pois a substância e o verbo estão contemplados nos versos “Tatuagem minimalista/estampada em preto, pele/e argumento”, e o amanho, a arte de cuidar da terra, está implicitamente bordado nos versos: “Bater asas/Beijar flores/Saborear amores” porque cuidar da terra é, também, cuidar de nós mesmos. Nessa conjectura, somos convocadas pela memória à música de Geraldo Vandré: “para não dizer que não falei das flores”, que nos remete ao poder da coletividade empunhando a arma do sensível.

A ocupação de espaços evidenciados no poema de Verônica Oliveira, de certo modo, também, se presentifica em Sandra Santos, que pelo voo da borboleta sugere abolir as certezas e promove o voo livre em outros caminhos e rumos. Ademais, quando o eu-poemático revela: “Tatuagem minimalista/Estampada em preto, pele/E argumento”. Podemos inferir sua fascinação pelas coisas simples que corroboram com o verbo, com a linguagem do corpo, no entanto, com uma linguagem adocicada pelas imagens que reverberam de seus versos. Nesse ínterim, vale destacar que:

 

[...] dadas às diferenças históricas estabelecidas entre o homem e a mulher, advindas do patriarcado, cabe à mulher assumir a tarefa de construir seu lugar no universo da ficção e, portanto, da linguagem a partir de uma postura feminina que implica, necessariamente, entender-se e se manifestar como mulher, sem ressentimentos em relação ao sexo oposto. (WALKER, 2021, p. 27)

Há nos três poemas, a presença forte e sensível da mulher que se reinventa, se coloca no protagonismo e na ocupação dos seus espaços, no domínio dos seus corpos e em defesa dos seus ideais. Como, diria Nelly Novaes Coelho (1993), para além de poética, as viscerais experiências de vidas que exalam dos poemas, aqui trabalhados, estão encharcados de profundas e específicas experiências de mulheres. Acreditamos que os poemas trazem questões que em essência se metaforizam em sementes, pois anunciam a aurora de outros tempos à produção de autoria feminina e/ou à produção de mulheres-poetas que assumem espaços aparentemente comuns, mas que em sua essência trazem sentidos diversos e eloquentes. Para além do espaço de resistência política, sociocultural é, sobretudo, na linha existencial, ontológica que os poemas podem alçar voo numa mesma direção, uma linha tênue e, muitas vezes, invisível porque coexiste a sensibilidade de corpos de mulher, sua identidade poética, ora deusa, ora demônio; mas sempre carregada de vivências, transformadoras e capazes de rastejar, mas também, de levantar voos numa mesma proporção de leveza, simplicidade e retidão. São poemas que trazem linguagens de corpos específicos, que se conjugam e se encontram em memórias e sonhos, se unem para celebrar o espaço feminino em suas dimensões mais íntimas e profundas. Portanto, de espada em punho, bradamos todas com a lâmina afiada: poesia!

 

REFERÊNCIAS

CACAU, Patrícia; CORTEZÃO, Marta. I Tomo das bruxas: do ventre à vida. Juiz de fora, MG: editora Siano, 2022.

CHEVALIER, Jean; GHEERBRANT, Alain. Dicionário de símbolos (mitos, sonhos, costumes, gestos, formas, figuras, cores, números). Rio de Janeiro: José Olympio, 2015.

COELHO, Nelly Novaes. A literatura feminina no Brasil contemporâneo. São Paulo: Siciliano, 1993.

FERNANDES, Frederico Garcia. Corpo-memória e a poética da resistência: apontamentos sobre literatura e performance na América Latina. In: BARBOSA, Sidney; SILVA-REIS, Dennys. (Org.). Literatura e outras artes na América Latina. Campinas: Pontes, 2019. p. 295-322.

GIGLIOLI, Daniele. Crítica da Vítima. Tradução Pedro Fonseca. Editora Âyiné. Belo Horizonte/Veneza, 2016.

WALKER, Marli. Mulheres silenciadas e vozes esquecidas: três séculos de poesia feminina em Mato Grosso. Cuiabá: MT: Carlini & Caniato Editorial, 2021.

PIEDADE, Vilma. Dororidade. São Paulo: Editora Nós, 2017.



[1] Doutora em Estudos Literários/PPGEL-UNEMAT e, também, autora de poemas publicados na coletânea I Tomo das Bruxas: do Ventre à Vida, 2022.

[2] Doutoranda em Estudos Literários/PPGEL-UNEMAT - bolsista CAPES/Edital 013 -Amazônia Legal.

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Elizabete Nascimento: Doutora em Estudos Literários, poeta, professora e mulher que sonha com equidade. Livros: Educação Ambiental e Manoel de Barros: diálogos poéticos. São Paulo: Paulinas (2012); Asas do inaudível em luzes de vaga-lume. Cuiabá/MT: Carlini & Caniato (2019), Sinfonia de Letras: acordes literários com Dunga Rodrigues. Paraná: Appris/2021. Professora, DRE-Cáceres/Mato Grosso-Brasil.





Jocineide Maciel é Quilombola Pita Canudos, graduada em Letras, Mestre em Estudos Literários e Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários PPGEL/UNEMAT (2021). Experiência na área de Letras, ênfase em Literatura Brasileira; atua principalmente nos seguintes temas: literatura mato-grossense, historiografia literária, Literatura de Autoria Feminina, literatura e ensino, letramento literário, literatura afro-brasileiras e Poéticas orais. Membra fundadora (2017) do Coletivo de Mulheres Negras de Cáceres/MT.


Marta Cortezão é escritora e poeta. Possui publicações em antologias nacionais e internacionais. Livros de poesia publicados: “Banzeiro manso” (Porto de Lenha Editora, 2017), “Amazonidades; gesta das águas” (Penalux, 2021), Zine “Aljavas para Cupido” (2022) e, no prelo, “meu silêncio lambe tua orelha” (Toma Aí Um Poema Editora, (2023). Colunista da Revista Literária Voo Livre. Idealizadora das Tertúlias Virtuais (Prêmio APPERJ/2021), do blog Feminário Conexões e, em parceria com Patrícia Cacau, do Projeto Enluaradas.




Verônica Oliveira é educadora com formação em Letras pela Universidade Estadual do Ceará. Participou da coletânea Palavra Russas (2011) e lançou seu primeiro livro de poesia Entre a Bruxa e o Dragão, em 2014. Participou durante a pandemia das coletâneas Conexões AtlânticasEcos do Nordeste e da antologia Mulheres, Afetos e Liberdade.




Sandra A. Santos é pedagoga com especialização em Educação Ambiental, ambientalista apaixonada pela natureza e pela vida em todas as suas formas. Hoje aposentada, dedica-se à literatura, escrevendo contos, romances e poesias que giram em torno do universo feminino. Com trabalhos publicados em antologias no Brasil e na Argentina.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2023

LETRAS ICAMIABAS: LANÇAMENTO DO LIVRO "REALIDADE E SONHO", DE EUNICE TOMÉ

LETRAS ICAMIABAS|02

Letras Icamiabas do blog Feminário Conexões é uma seção pensada para a divulgação de lançamentos de livros de autoria feminina. A etimologia da palavra Icamiabas, segundo Luis Caldas Tibiricá, no Dicionário Tupi-Português, vem do tupi kama + îaba que significa "peito partido". E, para mim, trazer à luz um livro é também "partir o peito", é também lutar contra as próprias inseguranças e fragmentar-se em pedaços tantos e oferecer-se à contemplação dos olhos leitores que desejem juntar estas partes a suas outras tantas, contruindo novas perspectivas. 

As Icamiabas são citadas no registro de viagem de 1492 do invasor espanhol Francisco de Orellana, quando sua esquadra passava pelo Espelho da Lua, região atual de Nhamundá, no Amazonas. E no relato, o invasor fez uma analogia com as guerreiras gregas Amazonas, e por isso batizou o velho rio das Icamiabas com o nome de "rio novo", Amazonas. Fico imaginando aquelas mulheres indígenas, guerreiras, lutando, apenas de arco e flecha, pela defesa de seu território. É assim que muitas vezes me sinto quando tento publicar um livro no mercado editorial... Acredito que muitas outras autoras também já tenham se sentido assim ou se sintam assim: lutando para defender o próprio teritório, o livro. O precioso objeto que carrega os sonhos de um corpo sagrado, em luta; que carrega a força e o desejo verdes da pedra amazonita, a muiraquitã. 

Falamos hoje da escritora Eunice Tomé*, que nos conta de seu mais novo rebento-muiraquitã Realidade e Sonho. E se você deseja divulgar o lançamento de seu livro, entre em contato via e-mail martabartez@gmail.com. E agora vamos ler o CONVITE que Eunice tem a nos fazer!


       EUNICE TOMÉ anuncia seu novo livro REALIDADE E SONHO (Costelas Felinas)
             

Enquanto escritores, vamos fazendo poesias, crônicas e contos ao longo da nossa trajetória, para publicar nas mídias sociais e em revistas e sites literários, além de produzir para concursos.

Em meu caso, o processo de criação se dá de várias formas: às vezes surge de maneira espontânea e até com algumas inspirações matinais, logo ao despertar. Por outro lado, atendendo a um tema específico, quando se trata de um pedido de editora ou entidade promotora de concursos literários, acontece outra esquema. Nesse particular, há uma demanda maior, exigindo uma pesquisa do assunto a ser tratado, visto por vários ângulos. A partir daí, vão surgindo as ideias amadurecidas e colocadas em texto - artigos, crônicas, contos, poesias e haicais, ou o que for estabelecido nos certames temáticos.

Reunir alguns desses trabalhos, elaborados durante o ano de 2022, foi a ideia de reproduzi-los em um livro, com o título de “Realidade e Sonho”. Na apresentação da obra, a autora Eunice Tomé explica:

“Somos uma mistura de vivências concretas e de irrealidades. O escritor trabalha com a ficção e com a poesia, mas também traça suas linhas em planos do seu dia a dia. Com essa dualidade de posições, ela revela fatos de relevância ocorridos na sua trajetória presente, com o lirismo que foge ao controle do perceptível, caminhando pelos seus sonhos e devaneios. E faz um misto de prosa e poesia, às vezes, prosa poética”.

Esse é o 10º livro da escritora Eunice Tomé, da Editora Costelas Felinas. A obra será lançada no dia 21 de janeiro, no Espaço Cultural da Pinacoteca Benedicto Calixto, na cidade de Santos, a partir das 16 horas. O evento conta com a presença da pianista Edna Moura.


*Eunice Tomé é santista, jornalista, mestre em Comunicação pela USP, escritora, poeta, haicaísta e promotora cultural. Possui oito livros publicados, incluindo contos, artigos, crônicas, poesias e haicais. No ano de 2020, apesar e até devido à pandemia, desenvolveu um projeto denominado Sarau em Casa com Pratas da Casa, onde divulgou 80 poetas locais da Baixada Santista, declamando suas poesias e resumindo um histórico. 

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quarta-feira, 18 de janeiro de 2023

PROCESSOS DE ESCRITA: ASAS DO INAUDÍVEL EM LUZES DE VAGA-LUME, POR ELIZABETE NASCIMENTO

 



O PROCESSO CRIATIVO DE ASAS DO INAUDÍVEL EM LUZES DE VAGA-LUME 

 POR MARIA ELIZABETE NASCIMENTO DE OLIVEIRA


Bem disse a enluaradíssima Marta Cortezão (2023) ao nos provocar à escrita do processo de criação poética, é uma proposta simples, mas profunda e instigante. Sim! Profunda e instigante porque provoca a revirar o baú da memória e, esse baú, é composto de singularidades recheadas de sinestesia e profundidades. Gosto de pensar que as águas que percorrem as páginas do meu primeiro livro de poemas escorrem pelo meu corpo desde sempre porque trata-se de memórias que foram incorporadas em mim e residiram/residem no meu imaginário.

Desde a infância, embora de família pobre, sempre estive rodeada de livros escritos em diferentes gêneros discursivos, fator que contribuiu satisfatoriamente na minha trajetória porque amo estar entre a multidão contida nos livros; mas que podem ir aos passeios mais badalados pelas asas incontroláveis da imaginação criadora. Filha de um baiano que, mesmo semianalfabeto, adorava contar histórias de cordéis e de uma japonesa que, embora tenha feito apenas os anos iniciais, gostava de ler as revistas de fotonovelas, me vi desde muito cedo envolta em meio às personagens de ficção.

Fui uma criança um pouco solitária, mas feliz porque tive a oportunidade de correr no campo, subir em árvores, buscar laranja no pomar, tomar banho de cachoeira, brincar de amarelinha, chupar mangas, amoras e seriguelas no pé, jogar queimada, enfim, de vivenciar a infância com o que ela tem de banquete para ser degustado. Amava brincar com as cigarras e entre os vaga-lumes, pois morei por muito tempo na zona rural. Sou a filha mais nova de três, com diferença de nove anos de idade da minha irmã e dez anos do meu irmão; minha irmã se casou com dezesseis anos e meu irmão saiu de casa para trabalhar, ainda muito novo. Esse fator me aproximou ainda mais dos livros, pois era uma forma de me ver acompanhada. Quando adolescente, tive a oportunidade de ler muito romance, como: Sabrina e Julia. A solidão nos ajuda a observar com maior amorosidade a natureza e as belezas contidas no cosmo. Por muitas vezes, vi inúmeras constelações nas flores de um pé de flamboyant que havia no quintal da casa, lembro-me como se fosse hoje do banco de madeira e da rede de balanço, também, vermelha pendurada naquela árvore.

Os fragmentos da minha vida são importantes para fundamentar a afirmativa que o esboço de grande parte dos poemas que compõem a obra já estava guardado há algum tempo no meu imaginário, mas tomou formato escrito apenas no ano de 2015, após a aprovação no curso de doutoramento em estudos literários, em Tangará da Serra. A construção de uma casa se assemelha à produção de um livro, pois desde o alicerce ao acabamento final é preciso dispensar atenção e cuidado. Embora, às vezes, tenhamos a sensação de que tudo tenha surgido repentinamente, quando paramos para refletir o processo, percebemos que os tijolos foram construídos em nós desde sempre. Com isto, ressalto que quando me perguntam sobre o processo criativo, digo: aconteceu naturalmente! Porém, quando paro para uma ponderação mais profunda, vejo que sim e não, é um processo natural; mas resultado de uma maturação realizada dentro de mim, desde sempre.

O processo criativo de uma obra poética, na minha percepção torpe, nasce no corpo feito hera, rumina em nós até tomar proporções insustentáveis porque afeta nossos desejos e segredos recônditos, nos convocam a andarilhar pelo nosso mundo, também, na companhia de nossos avessos, ou seja, acionam o nosso lado dúbio, interno e externo. Não penso que se trata apenas de um desenvolvimento da mente e/ou da imaginação, mas, sobretudo, de um envolvimento, de uma constituição ímpar do ser no mundo. Eu cato aqui e acolá os badulaques que me constituem e, de certo modo, me construo com essas engrenagens. São elas que movimentam o meu mundo e, por isso, que tudo que sou, não pode ser igual, é singular; aciona uma essência que é só minha, que só pode correr, desse jeito, no meu corpo; mas pelas nuances do meu ser dialoga com o outro porque também sou constituída pelos outros e/outras coisas que partilham comigo do mundo.

Os textos nunca estão bons a ponto de serem publicados, mas se trata de uma análise que aos poucos cai por terra, porque a escrita, também, passa por um processo de amadurecimento, necessita brotar em algum momento, para se inaugurar. Quando falo em poesia, proponho de um jeito simples todo meu dialogar com o mundo e com as pessoas, de modo a formar uma constelação de vozes que reverberam em nós e quem sabe anunciam outra sociedade. Acho lindíssimas as diferentes formas com as quais as mesmas palavras cantam/escorrem em cada corpo.

Observei que a maioria das pessoas que adentra aos cursos de pós-graduação nas universidades fica muito solitária e tende a ter problemas emocionais devido à profunda carga de leitura teórica e produção de textos científicos. Assim, pensei que necessitava criar uma válvula de escape porque a maior promessa é direcionar a minha vida por um campo onde eu possa viver com responsabilidade e comprometimento todas as minhas dores e alegrias; pensando nisso criei um grupo de WhatsApp com algumas amigas, denominado Clube do Café e, posteriormente criamos o Facebook Aromas de Mulher com esse nome para nos encontrarmos, o objetivo era sair do espaço da academia para compartilhar outras coisas que fazem parte do cotidiano da mulher. Estes grupos ainda estão em vigor e contribuem significativamente para tornar a minha vida um pouco mais leve. Para além desses canais, destaco ainda que mantenho a página no Facebook Asas do Inaudível, criada por um leitor/amigo, onde publico outras produções autorais e recebo alguns feedbacks de leitores(as).

A cidade onde moro, Cáceres/Mato Grosso, fica a aproximadamente 220 km de distância de Tangará da serra, também no MT, onde faria o doutoramento e na época grande parte da estrada não era pavimentada. Então, praticamente uma vez por mês, ficava uma semana em Tangará da Serra e, como as disciplinas do curso eram ministradas durante o dia, à noite aproveitava para ler textos poéticos e escrever com liberdade. A arte sempre esteve muito presente nas minhas ações, pois ela é quem me ajuda a observar as flores existentes no caminho, assim após a defesa da tese de doutoramento organizei na minha cidade um evento com a presença da poeta Luciene Carvalho. Nesse encontro, ela teve acessos a alguns dos meus rabiscos e me incentivou à publicação, minha primeira reação foi categórica, disse não; mas numa bela manhã de segunda-feira, recebi um telefonema da autora dizendo que o prefácio do livro estava pronto e começou a lê-lo. Minha reação foi chorar compulsivamente porque era um olhar repleto de sensibilidade e de carinho que não tinha como não ser encorajada à publicação. Encaminhei o esboço para a editora Carlini e Caniato, que fica localizada na capital do nosso estado – Mato Grosso - e essa se encarregou pela produção da capa e revisão geral. Assim, surgiu à obra impressa.

O livro impresso ficou pronto no início do período pandêmico – a terrível onda do vírus COVID-19  tirando a oportunidade do lançamento presencial. Confesso! Fiquei bastante triste, pois estava eufórica para partilhar com minhas amigas esse momento de alegria; mas logo pensei em uma alternativa, lancei o livro em formato on-line pelo canal Asas do inaudível em luzes de vaga-lume no youtube, creio que se trata do primeiro livro, em nosso estado, lançado virtualmente, ainda na aprendência para vencer a timidez em aparecer na tela do computador; mas foi uma experiência enriquecedora, para não dizer engraçada, inovadora e, dado o momento, necessária. Segue abaixo, dois poemas que compõem o livro:

O silêncio


Silêncio nunca é ausência.

É plenitude, criação fetal.

Às vezes, meigo,

embala o sono,

perfuma o sonho.

Outras, selvagem,

chega galopante,

tortura a mente,

espreme o cérebro,

arrasta-nos

do/para

o cativeiro,

companheiro de redenção.

 

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Manifesto


Onde estão as mulheres escritas

pela goiana Cora Coralina,

pela mineira Conceição Evaristo,

pela ucraniana-brasileira Clarice Lispector

e tantas outras que

escrevem e escreveram

com o sangue que jorrou de si?

Apagadas,

invisíveis,

sem valor...

Gritos sufocados no universo de papel,

mulher-esposa,

mulher-amante,

mulher-mãe,

mulher-sonhadora,

mulher-profissional,

mulher-sedutora,

mulher-mulheres.

Vivendo todas em uma.

Este ser múltiplo, original.

Avante! Abra as portas e as janelas,

respire o ar que, também, sai de suas entranhas.

Únicas,

desiguais.

Hoje, ao olhar o livro Asas do inaudível em luzes de vaga-lume (2019), com a identidade de pesquisadora em estudos literários, analiso que muitas questões poderiam ser repensadas se consideradas as convenções linguísticas e/ou a formatação estrutural dos textos. Mas, com o olho adoecido de poeta, sinto que não. Era exatamente assim que este livro saiu de dentro de mim e, com um vocabulário tão restrito, mas tão meu, ganhou asas com palavras que se metamorfosearam em poemas. Já com a visão heterogênea de professora, creio serem pássaros que voam livres à procura de porto e/ou de leitores sensíveis, capazes de olhar pela janela ao encontro dos mistérios do mundo. Como mulher, desejo que cada leitora sinta-se instigada a criar outros pássaros que se juntam em revoada ao meu e, com asas em movimento, redesenham na imensidão desse céu azul, a luz e a harmonia do voo coletivo, sempre a vislumbrar um horizonte possível. Atitude que poderá livrá-la das diversas formas de exílio existentes na alma feminina.

 


NASCIMENTO, Elizabete. Asas do inaudível em luzes de vaga-lume. Cuiabá: Carlini e Caniato editorial, 2019.

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Doutora em Estudos Literários, poeta, professora e mulher que sonha com equidade. Livros: Educação Ambiental e Manoel de Barros: diálogos poéticos. São Paulo: Paulinas (2012); Asas do inaudível em luzes de vaga-lume. Cuiabá/MT: Carlini & Caniato (2019), Sinfonia de Letras: acordes literários com Dunga Rodrigues. Paraná: Appris/2021. Professora, DRE-Cáceres/Mato Grosso-Brasil.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2023

VIVÊNCIAS POÉTICAS: ATIVISMO LITERÁRIO FEMININO, POR MARIA DO CARMO SILVA

 


VIVÊNCIAS POÉTICAS|02


REFLEXÕES SOBRE O ATIVISMO LITERÁRIO FEMININO NA CONTEMPORANEIDADE



Somos parte de uma sociedade contemporânea permeada por um grande contingente de mulheres escritoras de diferentes etnias e classes sociais, que se lançam no universo da escrita, e por meio desta, descrevem seus sonhos e anseios pessoais e sociais revestidos de prosa e/ou de poesia, com o intuito de sensibilizar o coração humano, provocar reflexões e a partir desta sensibilização e deste refletir, suscitar um despertar para um novo ciclo literário, buscando a superação de todo tipo de preconceito e censura historicamente construídos em relação às produções literárias de autoria feminina.

Neste expansivo e atual universo literário, edificado por mulheres escritoras contemporâneas, há inúmeros desafios cotidianos, entre eles alguns como: difundir e promover a própria produção literária, conquistar um expressivo público leitor, prosseguir produzindo textos dos mais variados gêneros, e ainda, apesar de todos os entraves, despertar e encorajar novas escritoras para fortalecer a caminhada coletiva. Nesta perspectiva é essencial unir forças, construir um elo literário onde nós, mulheres escritoras, possamos sentirmo-nos fortalecidas e motivadas. É com este intuito que nos reinventamos e inovamos o universo literário, construindo pontes entre autoras e leitoras através de coletivos, antologias, blogs e canais virtuais a fim de que o nosso “fazer literário feminino” encontre um lugar de destaque na cena literário-contemporânea.

Estas mulheres escritoras, verdadeiras “Ativistas Literárias”, possuem um carisma “fraterno-literário”, nos segurando pelas mãos, formando uma ciranda e nos tornando deusas do universo literário, universo que ultrapassa as fronteiras geográficas, fazendo com que nos reconheçamos como “Deusas literárias da contemporaneidade” e levando-nos a assimilar que este mérito não se deve apenas a publicação de livros, mas sobretudo ao reconhecimento e à valorização do SER ESCRITORA — que independentemente do gênero literário com o qual nos identificamos, da nossa trajetória literária e da importância das nossas produções para as gerações do presente e do futuro — ultrapassam as páginas de um livro e toca o mais profundo do ser.

A produção deste texto surgiu da observação da vivência literária de uma escritora contemporânea, MARTA CORTEZÃO[1] que com maestria encanta o universo literário, nos acolhendo, valorizando e difundindo as nossas produções que constituem o universo literário feminino.



[1] Marta Cortezão é escritora e poeta. Possui publicações em antologias nacionais e internacionais. Livros de poesia publicados: “Banzeiro manso” (Porto de Lenha Editora, 2017), “Amazonidades; gesta das águas” (Penalux, 2021), Zine “Aljavas para Cupido” (2022) e, no prelo, “meu silêncio lambe tua orelha” (Toma Aí Um Poema Editora, 2023). Colunista da Revista Literária Voo Livre. Idealizadora das Tertúlias Virtuais (Prêmio APPERJ/2021), do blog Feminário Conexões e, em parceria com Patrícia Cacau, do Projeto Enluaradas.

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Maria do Carmo Silva é professora, poeta e escritora. Autora dos livros de poesias: "Retalhos de Vivências" e "Recomendações Poéticas". Tem participação em diversas Antologias Poéticas. Colunista no site de notícias Tribuna do Recôncavo. Integrante do Coletivo Mulherio das Letras.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2023

ATENÇAO, VEM AÍ O II FLENLUA – FESTIVAL LITERÁRIO ENLUARADAS/2023!

 


II FLENLUA – FESTIVAL LITERÁRIO ENLUARADAS/2023

 POR MARTA CORTEZÃO


Nos dias 13, 14 e 15 de janeiro acontece o 2º Festival Literário Enluaradas (II FLENLUA/2023) para celebrar o lançamento coletivo da Coletânea Enluaradas III: I Tomo das Bruxas: do Ventre à Vida, coletânea que encerra a Trilogia Enluaradas. A transmissão será realizada pelo canal Youtube Banzeiro Conexões. Acompanhe nossa programação nos links abaixo:

13/Jan/SEXTA-FEIRA - Abertura - 14h (Brasília) - 18h (Madri): https://youtu.be/4S0CetPIBng

13/Jan/SEXTA-FEIRA - Mesa 1 - 17h (Brasília) - 21h (Madri): https://youtu.be/m7dad6Xs1Yc

14/Jan/SÁBADO - Mesa 2 - 10h (Brasília) - 14h (Madri): https://youtu.be/zXX0OfTHSsc 

14/Jan/SÁBADO - Mesa 3 - 13h (Brasília) - 17h (Madri): https://youtu.be/yuiOjXYzO38 

14/Jan/SÁBADO - Mesa 4 - 15h (Brasília) - 19h (Madri): https://youtu.be/H0eA2hFHXUg 

14/Jan/SÁBADO - Mesa 5 - 18h (Brasília) - 22h (Madri): https://youtu.be/qVnSnseWhKQ 

15/Jan/DOMINGO - Mesa 6 - 13h (Brasília) - 17h (Madri): https://youtu.be/mIl-PBAphCo 

15/Jan/DOMINGO - Mesa 7 -15h (Brasília) - 19h (Madri): https://youtu.be/p3MNiVOmQJw 

15/Jan/DOMINGO - Desfecho - 18h (Brasília) - 22h (Madri): https://youtu.be/yQr0F3X5Z9U 

Para ver as postagens dos cards, clique AQUI.

O Projeto Enluaradas iniciou suas atividades literárias quando publicou seu primeiro edital em janeiro de 2021, convocando escritoras e poetas para divulgar e promover a escrita de autoria feminina contemporânea. Este primeiro momento suscitou uma série de encontros virtuais entre autoras e o surgimento de inúmeros projetos individuais que foram se entrelaçando nesses encontros virtuais para logo resultarem em outros novos projetos.

Durante a primeira coletânea Se Essa Lua Fosse Nossa, fomos nos dando conta da importância do projeto que cada vez mais assumia características de um movimento literário em crescente atuação. Na segunda coletânea Uma Ciranda de Deusas, o movimento continuou suas ações literárias virtuais voltadas para pensar e repensar o “fazer poético” como tantas vezes nomeamos nas discussões abordadas nos encontros virtuais do Nas Teias do Poema. No texto escrito para o Nas Teias Do Poema II: das escrevivências que nos habitam, eu trazia para discussão alguns questionamentos:

Pensar as teias do “fazer poético” é também refletir sobre os abismos que habitam nossas escrevivências (termo criado por Conceição Evaristo para referir-se à sua literatura) que aqui tomamos de empréstimo, a suas devidas proporções, a fim de falar de como nós, autoras contemporâneas do coletivo Enluaradas, vivenciamos o duplo processo de nossa escritura: a vida que cada uma escreve com base em suas vivências, e a forma como o mundo se abre/apresenta a cada uma de nós através de outros olhares e suas particularidades. Que escrevivências se manifestam nestas teias? Que versos conectarão estas teias de cada “fazer poético”? Há um novelo interno que alimenta estes teares? (Marta Cortezão, 23/07/2021)

Foram encontros muito produtivos que nos fizeram pensar sobre que lugar, nós mulheres, pretendíamos seguir ocupando: se a daquela que escreve e esconde tudo na gaveta por vergonha do que “fiscais da crítica literária” venham a dizer, ou se daquela que se assume escritora e se responsabiliza por pensar sobre a própria escrita literária, sem esperar suposta “aprovação” de quem se diga ou se assuma capacitado para tal função.

E, por fim, nossa terceira coletânea que integra esta Trilogia Enluaradas, o I Tomo das Bruxas: do Ventre à Vida. Nesta produção, avançamos ainda mais no que já vínhamos realizando, no que diz respeito ao movimento literário. É notório que nossa escrita tornou-se mais robusta, pois nossa autoestima se fortaleceu durante o processo de dialética da caminhada literária, apesar dos tropeços e das muitas dificuldades do trajeto. “Eis nossa poção mágica: outrar-se para poetizar a vida”, afinal “já não somos aquele ser de tanta estranheza, aquele ‘gato sem rabo’ de outrora, porque a poética metamorfose nos permitiu ser a loba que corre desejosa de juntar-se às outras lobas”[1]. Saímos da nossa zona de conforto, mergulhamos na nossa História, abraçamos nossa ancestralidade e toda a força sagrada que nos faz sujeitos ativos, a fim de contribuir para a crescente visibilidade da escrita de autoria feminina contemporânea do século XXI. O I Tomo das Bruxas: do Ventre à Vida, em seu primeiro capítulo, destaca as “três condições necessárias para a Liberdade: meu Corpo, minhas Normas, meu Templo Sagrado”; é o corpo a matéria fundamental de compreensão dos espaços público e privado e de seus inúmeros papéis que assume dentro de uma determinada sociedade. Nesse apartado da coletânea, erguemos as vozes, em coro, para deixar claro que somos conscientes da historicidade contida em nossos corpos, uma historicidade “física, estética, política, ideal e material”, capaz de desconstruir “as idades da vida, as aparências (com destaque para os cabelos, evidências nítidas dos códigos sociais envolvidos nas construções do feminino), o sexo, a maternidade e a submissão (repressões, estupros coletivos e “institucionalizados”, prostituição, assédio sexual, violência doméstica).” (PERROT, 2007;10).

Gerda Lerder, em seu livro A criação do Patriarcado[2], nos alerta sobre a importância de conhecer sobre a História de Mulheres, e observa o seguinte:

o sistema patriarcal só funciona com a cooperação das mulheres, adquirida por intermédio da doutrinação, privação da educação, da negação das mulheres sobre sua história, da divisão das mulheres entre respeitáveis e não respeitáveis, da coerção, da discriminação no acesso a recursos econômicos e poder político, e da recompensa de privilégios de classe dada às mulheres que se conformam. As mulheres participam no processo de sua subordinação porque internalizam a ideia de sua inferioridade. Como apontou Simone de Beauvoir: “o opressor não seria tão forte se não tivesse cúmplices entre os próprios oprimidos.

A afirmação de Gerda Lerder vem dialogar com o que diz bell hooks, no livro O feminismo é para todo mundo[3], quando esta, no capítulo A sororidade ainda é poderosa, afirma que

A sororidade feminista está fundamentada no comprometimento compartilhado de lutar contra a injustiça patriarcal, não importa a forma que a injustiça toma. Solidariedade política entre mulheres sempre enfraquece o sexismo e prepara o caminho para derrubar o patriarcado. É importante destacar que a sororidade jamais teria sido possível para além dos limites de raça e classe se mulheres individuais não estivessem dispostas a abrir mão de seu poder de dominação e exploração de grupos subordinados de mulheres. Enquanto mulheres usarem poder de classe e de raça para dominar outras mulheres, a sororidade feminista não poderá existir por completo.

É evidente que a saída é a solidariedade política entre mulheres, é o que o Enluaradas tem perseguido sempre em todas as suas ações literárias. Somos conscientes também que é preciso dialogar sobre as teorias feministas sem os velhos estereótipos criados pelo patriarcado, os quais achincalham e inferiorizam a luta das mulheres. É urgente entender como reproduzimos o sistema patriarcal, e como reforçamos sua doutrina. Estamos em desconstrução, e precisamos manter todos os sentidos à flor da pele. Avante, poetas!

TODOS OS E-BOOKS DAS COLETÂNEAS PODEM SER ENCONTRADOS AQUI



[1] Prefácio. Coletânea Enluaradas I: Se Essa Lua Fosse Nossa. Marta Cortezão, Patrícia Cacau (Org.). Duisburg (NRW-Alemanha): Ser MUlherArte Editorial, 2021, 381 p.

[2] LERNER, Gerda. A criação do patriarcado: história da opressão das mulheres pelos homens; tradução Luiza Sellera. Versão digitalizada. São Paulo: Cultrix, 2019, p.18.

[3] HOOKS, bell. O feminismo é para todo mundo: políticas arrebatadoras. Rio de Janeiro: Rosa dos Tentos, 2018, p. 16.

sábado, 7 de janeiro de 2023

MULHERES INDÍGENAS EM DESTAQUE, POR EUNICE TOMÉ

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POR EUNICE TOMÉ

Começamos o ano ganhando um Ministério no novo governo, o dos Povos Indígenas, sendo empossada Sônia Guajajara, líder e ativista indígena, reconhecida por sua influência no movimento pelos direitos de seu povo no Brasil. Ela é do Maranhão, que habita as matas da Terra Arariboia. Com voz muito influente, faz parte do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas e já levou denúncias às Conferências Mundiais do Clima (COP) e ao Parlamento Europeu. Membro do PSOL, em 03 de outubro passado, ela se torna a primeira indígena a ser eleita deputada federal pelo estado de São Paulo, com 156.966 votos, agora deixando essa função para presidir o ministério.

Além de seu ativismo político, Sônia Guajajara tem formação acadêmica - estudou Letras e Enfermagem e pós-graduação em Educação Especial.

Sônia é uma das referências para os povos indígenas, em especial para as mulheres, e a sua ascendência já vem de longe. No ano passado, 2022, ela foi convidada a compor o Álbum Biográfico “Guerreiras da Ancestralidade”, do Mulherio das Letras Indígenas, como uma das inspiradoras às 63 escritoras indígenas, que fazem parte dessa antologia. Uma obra de 200 páginas, onde cada qual apresenta sua vivência e um texto poético de suas autorias. A apresentação do Álbum foi feita pela premiada escritora santista Maria Valéria Rezende, uma das fundadoras do coletivo Mulherio das Letras.

Sônia Guajajara

O lançamento da obra foi no mês de novembro/22, na cidade João Pessoa, durante o V Encontro Nacional do Mulherio das Letras, com a presença de muitas representantes. Para mim, além de ter tido contato pessoal com essa nova safra de escritoras, foi surpreendente conhecer suas histórias de vida, antes mesmo do lançamento, uma vez que tive o privilégio de fazer a revisão geral do livro.

Esse mesmo Álbum será lançado aqui em Santos, em fevereiro, com a presença de algumas autoras, provavelmente na Estação Cidadania. Quem sabe, a ministra Guajajara possa vir prestigiar, mais uma vez, as guerreiras combatentes da sua ancestralidade e nos brindar com o brilho de seus ideais e de sua trajetória em prol do seu povo e do meio ambiente.

Lançamento no V Encontro Mulherio Nacional/Nov/2022


Eva Potiguara é indígena do contexto urbano, Doutora em Educação, professora de Artes do curso de Pedagogia, escritora e poeta, contadora de histórias, artista visual e audiovisual (clips), ilustradora, produtora cultural da EP PRODUÇÕES. É membro de várias academias de Letras no Brasil e na Europa. Articuladora do Mulherio das Letras Indígenas e do coletivo indígenas do contexto urbano no RN / INDURN. Livros publicados: “Do casulo à borboleta”, “Gatos diversos” e Abyayala Membyra Nenhe'gara,"Cânticos de uma filha da Terra" (2022).



Vanessa Ratton é jornalista, poeta, autora infanto juvenil, professora de teatro, Especialista em Teatro Brasileiro e Psicopedagogia e Mestre em Comunicação e Semiótica. Integra o Movimento Mulherio das Letras, tendo organizado a I e II Coletâneas poéticas Mulherio das Letras e a Coletânea internacional Mulherio pela Paz, em parceria com Alexandra Magalhães Zeiner, da Associação de Mulheres pela Paz Fraun für Frieden. Com o pseudônimo Tatá Bloom, é autora de Um ratinho que não gostava de queijo (Editora Multifoco), Um vizinho muito especial (e-book Kindle), Uma menina detetive e a máfia italiana (Editora Trejuli). Fonte: Ruído Manifesto.

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Eunice Tomé é santista, jornalista, mestre em Comunicação pela USP, escritora, poeta, haicaísta e promotora cultural. Possui oito livros publicados, incluindo contos, artigos, crônicas, poesias e haicais. No ano de 2020, apesar e até devido à pandemia, desenvolveu um projeto denominado Sarau em Casa com Pratas da Casa, onde divulgou 80 poetas locais da Baixada Santista, declamando suas poesias e resumindo um histórico. 



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EDITAL ENLUARADAS II TOMO DAS BRUXAS

  Clique na imagem e acesse o Edital II Tomo-2024 CHAMADA PARA O EDITAL ENLUARADAS II TOMO DAS BRUXAS: CORPO & MEMÓRIA O Coletivo Enluar...