sábado, 11 de dezembro de 2021

NAS TEIAS DO POEMA XIV: ENLUARADAS E A POÉTICA DO ESPAÇO



 

NAS TEIAS DO POEMA XIV: ENLUARADAS E A POÉTICA DO ESPAÇO

                    Por Marta Cortezão

As artes e a literatura são importantes e precisam ser incentivadas porque oferecem beleza e, também, espaço de reflexão sobre as desigualdades sociais e as injustiças que nos cerceiam. São ferramentas para sonhar um mundo melhor.

{Regina Dalcastagnè, em entrevista à Revista Tantas-folhas}

 

Durante os dias 03, 04 e 05 de dezembro/2021, o Movimento Literário Feminino Contemporâneo realizou o 1º FLENLUA, o Festival Literário de Lançamento Enluaradas, onde celebramos a Deusa Palavra Viva em estado de alquimia poética: o livro Coletânea Enluaradas II: uma Ciranda de Deusas (Sarasvati Editora, 2021). O 1º FLENLUA fortaleceu a filosofia enluarada de que somos um coletivo, onde nós, escritoras contemporâneas, construímos um “espaço de reflexão” para pensar a palavra, o nosso fazer literário,  a nossa condição feminina, os porquês de nossas inquietações, a arte como um todo e “as desigualdades sociais que nos cerceiam”.

Hoje, o episódio 14º do Nas Teias do Poema quer falar de nosso fazer literário, tendo como pano de fundo várias das reflexões feitas pelas autoras enluaradas no 1º FLENLUA; reflexões que nos fizeram/fazem mergulhar na importância de nós, autoras contemporâneas, nos reconhecermos também pensadoras de nossa arte, vez que tomamos consciência de que o maior poder que temos é saber quem somos; somos mulheres, poetas que comungam da poética do abraço, da utopia de um mundo melhor. Somos a continuidade de todo um Sagrado Feminino que nos precedeu e nosso instrumento de luta é a palavra. Deixo, a seguir, um pequeno recorte do que nos disseram (durante o 1° FLENLUA) as poetas enluaradas sobre este Movimento Literário Feminino Contemporâneo, o Enluaradas:

“trazer cada vez mais mulheres para a escrita, para a publicação, segurar na mão, cirandar [...] é parte bastante importante da militância feminista que, para mim, é uma forma de estar no mundo [...] A nossa situação como mulheres é complexa (digamos assim, para não dizer triste), no mundo inteiro. Todo o espaço que a gente tem é um espaço ganho, é lutado, nada nos é dado e nada continua a não ser pela nossa luta. [...] Este é meu lugar de mulher, é o lugar de todas as mulheres. Quem não for feminista que não use calça comprida, que devolva o passaporte, que devolva a carteira de motorista, que não vote, porque tudo é fruto desta luta.”

{Maria Alice Bragança (RS), Abertura do FLENLUA, 03/12/2021}


“O que eu percebo nesse grande movimento, em que as mulheres, sobretudo nesse processo criativo da literatura, das artes, é essa necessidade de se colocar mesmo como protagonistas. Eu percebo neste projeto essas dimensões muito atadas, muito “dialogizadas”, que é a questão do estético, dessa procura do processo criativo, inovador, constitutivo e também a questão social, ética, moral, no momento de distopias, de isolamento, de pandemia, de refluxos, de bandeiras do social.”

{Isa Corgosinho (PB), Abertura do FLENLUA, 03/12/2021}

 

“Estou aqui para falar com que força surgiu esse movimento, porque ele já nasceu empoderado e empoderando [...] E de poetas, num estalar de dedos, nós viramos deusas, as deusas da poesia. E isso mostra o quanto o Projeto Enluaradas veio para nos fortalecer nesse meio literário, para fortalecer a nossa escrita e a nossa poética.”

{Marina Marino (SP), Abertura do FLENLUA, 03/12/2021}

 

“Talvez a gente nem tenha noção do que é que nós estamos fazendo dentro desse coletivo, agora uma coisa eu tenho certeza, ele veio para fazer a diferença, eu não estou falando de vaidade, eu estou falando de necessidade da gente buscar sim o arquétipo dessas deusas que há muito tempo adormeceu [...] (O Projeto Enluaradas) vem com afetos, as inclusões, os acolhimentos e traz à tona a poética que nos habita. É um trabalho bem socrático, a maiêutica que reconhece que você tem dentro de você o conhecimento, só precisa de alguém para ajudar nesse parto de luz.”

{Janete Manacá (MT), Abertura do FLENLUA, 03/12/2021}

 

“Estou muito feliz por fazer parte deste movimento [...] (que) tem levado o trabalho de todas nós, conhecidas, desconhecidas, sem distinção. Isto é realmente o que eu chamo Literatura, que é dar oportunidade a todas, não só a uma parte, como se considera a elite,”

{Ana Mendes (Suíça), Abertura do FLENLUA, 03/12/2021}

 

“Lembrei da menina mulher que fui e quanto faria a diferença se eu tivesse encontrado mãos acolhedoras e agregadoras como nós temos agora e, para mim, não foi só um livro a mais, eu recebi a certeza de que é possível um mundo novo onde cada mulher, assumidamente poeta, entende o que é entrar numa ciranda, dar as mãos [...] dividindo a força, e todas sem medo de expor sua fragilidade e grandeza nesse universo de poesia”

{Vania Clares (SP), Abertura do FLENLUA, 03/12/2021}

 

“Eu sinto que eu pertenço à essa família, que eu encontrei o meu lugar, poeticamente falando, e isso é tão raro hoje em dia [...] não sei se elas (Marta e Cacau) têm a dimensão da história que elas estão fazendo na arte contemporânea, mas elas estão deixando um legado pós-moderno, reunindo o que há de melhor das escritoras que compõem esta coletânea.”

{Aline Galvão (AM), Mesa 1 do FLENLUA, 03/12/2021}


“A luta só começou; a gente já consegue votar, já consegue dirigir, já consegue escrever com nosso próprio nome, mas ainda tem muito que se lutar, e os nossos espaços vão ser ocupados por nós e pela próxima geração porque uma hora nós também seremos legado da próxima geração.”

“Não quero a literatura só para mim, eu preciso de um coletivo, eu preciso de mulheres que girem comigo, eu preciso de mulheres que tenham esse sentimento de não querer a literatura só para si, as oportunidades só para si.”

{Patrícia Cacau, Mesa 2 do FLENLUA, 04/12/2021}

 

“Esse projeto [...] me diz muito, me diz demais. Eu também me confesso não feminista, no sentido mais ativo dessa palavra, mas porque eu acho que não me foi dada essa oportunidade que eu vim a ter quando conheci esse projeto. Isso para mim representa muito”

{Dalva Lobo, Mesa 2 do FLENLUA, 04/12/2021}

 

“A palavra Ciranda tem tantos significados, assim como passagem do tempo, aquilo que vai passando, o transcurso dos dias, na ciranda dos dias. E a primeira acepção da palavra, se você vai para o dicionário [...] ciranda é uma peneira grossa que serve para joeirar, separar os materiais, as impurezas [...] Eu acho que nesta Ciranda com tantos significados, nos faz tirar as impurezas da vida, aquilo que não serve mais [...] que caia por terra”

{Rosangela Marquezi (PR), Mesa 2 do FLENLUA, 04/12/2021}

 

“Nós sabemos que exclusão é uma questão de patriarcado, segregação é uma questão de patriarcado, concentração de riqueza é uma questão de patriarcado e nós precisamos, mulheres, todas nós somos maioria, ter consciência do nosso papel. É muito importante essa consciência começar a explodir dentro de nós e nos fazer realmente participativas e transformadoras [...] Que as mulheres pensem muito, repensem, estudem, participem de lives, penetrem mesmo na discussão política tão em voga e que veio à tona com uma força muito grande depois do golpe que vivemos, para que vocês votem certo, conheçam seus candidatos, se aprofundem na política. Tudo é também uma questão política [...] A poesia é uma ferramenta de transformação [...] é uma ferramenta política.”

{Teresa Bendini (SP), Mesa 4 do FLENLUA, 04/12/2021}

 

“Eu trabalho com a temática das mulheres há mais de 20 anos [...] e me encontrar com esse projeto (Enluaradas), para mim foi assim uma luz mesmo no meu caminhar, porque essas produções coletivas de mulheres, elas oportunizam um conjunto de vozes silenciadas. Nós somos tantas mulheres que, individualmente, não conseguiríamos publicar [...] essas escritas que são revolucionárias e aqui eu quero retomar, na minha fala, a fala de nosso amigo Sidnei que acho que foi muito propícia mesmo, toda vez que uma de nós constrói um verso, compõe um verso, grita esse verso para a humanidade, uma algema do patriarcado se quebra porque nós, mulheres, trazemos a revolução na nossa poesia, nas nossas vozes, somos nós com os nossos poemas, com a nossa sensibilidade que vamos construir um mundo mais humano.”

{Heliene Rosa (MG), Fechamento do FLENLUA, 05/12/2021}


           E para o Nas Teias do Poema de hoje, teremos a alegre e poética companhia das poetas enluaradas:

NELI GERMANO reside em Porto Alegre/RS/Brasil. Arquivista aposentada. Curso Superior (Incompleto) em Letras e Serviço Social pela ULBRA Canoas/RS. Participação em oito antologias, poemas publicados em jornais e revistas alternativos de cultura (Gente de Palavra, Entreverbo e Todas Escrevemos) e tem um livro solo, Casa de Infância. Integra o Coletivo Mulherio das Letras.

CARLA GOSSUIN-AZEVEDO é Luso-Suíça, nasceu em Angola, passou por Portugal, mas é a Suiça há mais de 25 anos o seu país de adoção. Embora escreva desde a adolescência, é somente a partir de 2015 que entra no universo literário nacional e internacional, tendo participado em mais de 50 antologias. Foi premiada várias vezes pelos seus trabalhos. É Diretora-adjunta da Helvetia Edições. Assina os seus trabalhos com o pseudónimo de: CARLA DE SÀ MORAIS. 

PATRÍCIA CACAU, atualmente vive em Fortaleza/ CE, é empreendedora e ativista social, incentivadora do Mulherio das Letras Ceará, Áustria e União Europa. Escreve desde a adolescência, sua escrita nasceu no coletivo Mulherio das Letras Europa. Idealizadora do Projeto Enluaradas. Participou de coletâneas/antologias no Brasil e Europa. Livro individual Quintais (In-finita/PT, 2020). 

MARTA CORTEZÃO nasceu em Tefé/AM, mas mora em Segóvia/ES desde 2012. É escritora, poeta, tradutora, trovadora, ativista cultural, idealizadora dos projetos Enluaradas e Tertúlias Virtuais. Tem obras publicadas em antologias, tanto nacionais como internacionais; Livros de poesia Banzeiro manso e Amazonidades: gesta das águas (Penalux, 2021).

Aguardamos você lá! E não esqueça de que pode baixar nossas coletâneas clicando nos links abaixo:

 

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sexta-feira, 10 de dezembro de 2021

MULHERES & TRAJETÓRIAS: Anna Liz Ribeiro recebe Prêmio UBE (RJ)/2021

 



ESCRITORA LUZIENSE, ANNA LIZ RIBEIRO, É PREMIADA EM CONCURSO INTERNACIONAL DE LITERATURA

 

A escritora e professora da Rede Estadual e Municipal de Ensino, Ana Elizandra Ribeiro (Anna Liz), foi premiada no Concurso Internacional de Literatura 2021, promovido pela União Brasileira de Escritores – UBE, Rio de Janeiro. A primeira solenidade de premiação acontecerá dia 09 de dezembro, as 16h, em formato on-line, logo será marcada a cerimônia presencial que ocorrerá no Rio de Janeiro.


Ella: repertório amoroso / Anna Liz. – Guaratinguetá, SP: Penalux, 2020.


Anna Liz, como é conhecida no meio literário, ficou em terceiro lugar no Prêmio Alejandro Cabassa, na categoria crônica, com o livro “Ella – repertório do cotidiano”. O Prêmio é considerado um dos mais importantes do segmento no Brasil. No Maranhão, já foram premiados nesse concurso, escritores como Ferreira Gullar, Nauro Machado, Salgado Maranhão, Paulo Rodrigues, Luiza Cantanhêde.

Sobre a obra

Ella – repertório do cotidiano é um livro de crônicas curtas sobre o universo da mulher, sobre as estradas, igarapés e rios de Santa Luzia também. Histórias ora engraçadas, ora reflexivas. Tratam-se de textos leves e agradáveis mas também fala de dores e superações. Como diz Luiza Cantanhêde; “Anna explora o universo feminino, sendo ela protagonista de sua história ou dando voz a outras mulheres”.

 

Sobre a escritora 

Anna Liz é de Santa Luzia, Maranhão. Poeta, cronista e professora. Tem participação em quase 100 antologias lançadas no Brasil e em diversos outros países, além de já ter publicado oito livros solo. Organizou duas antologias com obras de 25 escritoras maranhenses. Ao longo de sua trajetória recebeu vários prêmios de Literatura de entidades relevantes no campo literário no Brasil e em outros países.  Faz parte de algumas Academias e Núcleos Acadêmicos de Letras e Artes no Brasil, Chile, Argentina e Portugal e, atualmente, é presidente/coordenadora da Associação de Jornalistas e Escritoras Brasileiras, coordenadoria Maranhão/AJEB-MA

 

Tudo começou com a avó

A escritora diz: Minha infância foi embalada por músicas folclóricas, brincadeiras na rua, como roda, cair no poço, dizer quadrinhas,  convivência com outras crianças e principalmente  com a minha avó materna, dona Neném, que me contava histórias fantásticas, que me faziam tremer e emocionar. Minha avó vendia café no mercado e sempre depois da feira, ela comprava um “romanço”. À noite, depois do jantar, nós nos sentávamos na calçada para eu ler o cordel. Minha avó era analfabeta, mas foi ela que despertou em mim o prazer e a descoberta da leitura. Eu era pobre, a casa da minha avó era rica, não havia muitos livros, mas havia muita prosa e poesia.




quinta-feira, 9 de dezembro de 2021

ELES LEEM ELAS: A LANTERNA NO LABIRINTO, POR ROGEL SAMUEL



 ELES LEEM ELAS|09

Mapa das Narrativas nos Romances de Milton Hatoumde Francisca de Lourdes Souza Louro

A LANTERNA DO LABIRINTO


Em “Mapa das narrativas nos romances de Milton Hatoum de Francisca de Lourdes Souza Louro. -- Manaus, 2021” há uma cartografia, um passeio pelo mundo das ruas, das portas da linguagem, do som da crítica e da imaginação, as algaravias, as falas, as cartas, as identidades.

            O livro vai tecendo um tapete de significações, explicitações, com a vantagem de que vai ficando cada vez mais interessante à medida que avança, de forma que em vez de ser cansativo, acadêmico,  árido, repetitivo para o leitor mais alarga mais aumenta os interesses hermenêuticos, aquelas confissões, murmúrios, fofocas, recados, sintomas, cartas, como disse alguém: “Conta logo, mas devagar...”, que o prazer está nos cantos escuros do texto, e detalhes, n“as mocinhas do viúvo Talib, não as filhas: as outras, que ele fisgava perto dos armazéns. Na casa dos Reinoso era muito pior, Zana ficava sem fôlego, me pedia para contar tudinho. Quando a confusão começava, os empregados ligavam o gerador para abafar os guinchos dos macacos e os gritos de Abelardo Reinoso”.

            “Em que consiste a unidade de A la recherche du temps perdu?

            Sabemos ao menos que ela não consiste na memória, nem tampouco na lembrança, ainda que involuntária. O essencial da Recherche não está na madeleine nem no calçamento. Por um lado, a Recherche, a busca, não é simplesmente um esforço de recordação, uma exploração da memória: a palavra deve ser tomada em sentido preciso, como na expressão "busca da verdade". Por outro lado, o tempo perdido não é simplesmente o tempo passado; é também o tempo que se perde, como na expressão "perder tempo". É certo que a memória intervém como um meio da busca, mas não é o meio mais profundo; e o tempo passado intervém como uma estrutura do tempo, mas não é a estrutura mais profunda. Os campanários de Martinville e a pequena frase musical de Vinteuil, que não trazem à memória nenhuma lembrança, nenhuma ressurreição do passado, têm, para Proust, muito mais importância do que a madeleine e o calçamento de Veneza, que dependem da memória, e, por isso, remetem ainda a uma "explicação material".  A obra de Proust é baseada não na exposição da memória, mas no aprendizado dos signos. (Deleuse: “Proust e os signos”).

            Esse aprendizado o faz a leitura que a Lourdes Louro faz (por exemplo) das mulheres que emergem dos romances, principalmente daquelas invisíveis, as “escravas”, crias, prostitutas. É na teia dos igarapés, da cidade flutuante, das falas, dos esquecidos, da algaravia. O aprendizado da vida amazônica. Sua tristeza, seu capitalismo periférico. Como em Proust, “é baseada não na exposição da memória, mas no aprendizado dos signos”.

        Pode-se dizer que Lourdes Louro construiu um romance fragmentado sobre os três romances do Milton através de “pistas sobre sua produção, cartas, fotos, conversas com os mais velhos, especialmente os avós, o pai, muitos artifícios para dar os nós nos fios que amarram o texto”.

            Escreveu Hatoum:

        “Decidi, então, perambular pela cidade, dialogar com a ausência de tanto tempo, e retornar ao sobrado à hora do almoço (p. 122). Atravessei a ponte metálica sobre o igarapé, e penetrei nas ruelas de um bairro desconhecido. Crescemos ouvindo histórias macabras e sórdidas daquele bairro infanticida, povoado de seres do outro mundo, o triste hospício que abriga monstros. Foi preciso distanciar-me de tudo e de todos para exorcizar essas quimeras, atravessar a ponte e alcançar o espaço que nos era vedado: lodo e água parada, paredes de madeira, tingidas com as cores do arco-íris e recortadas por rasgos verticais...”

            De acordo com Ricoeur e Gadamer, a hermenêutica vê os textos como expressões da vida social fixadas na escrita, através de fatos psíquicos, de encadeamentos históricos. Sua interpretação consiste, então, em decifrar o sentido oculto no aparente, e desdobrar os diversos graus de interpretação ali implicados. Na realidade a hermenêutica é compreensão de si, mediante a compreensão do outro: o máximo de interpretação se dá quando o leitor se compreende a si mesmo, interpretando o texto.

            A tática da interpretação aparece sempre que há ambigüidade, mas compreender não significa a repetição do conhecer. A hermenêutica postula uma superação: Ela se quer uma teoria e uma arte, fazendo da leitura uma nova criação, e dela se exige uma reflexão que leve à ação.

            A hermenêutica questiona a evidência, recusando-se a explicar completamente o fato interpretado. Uma interpretação definitiva deve ser uma contradição em si mesma, diz Gadamer. Pois, mais importante do que interpretar o claro conteúdo de um enunciado, é perguntar pelos interesses que o guia.

         “Vemos nas cores da grande tela amazônica, os quadros narrativos que o autor imprime e apresenta aos leitores, como se observa nos três romances”, diz a Lourdes Louro.

            Ele conclui que “neste texto, mas por acharmos ser a mais exata para fechar a análise pode-se constatar que estudar os três romances nessa “perquirição” foi uma aprendizagem abalroada (em que) eu ia vislumbrando, talvez intuitivamente, o halo do “alifebata”, até desvendar a espinha dorsal do novo idioma: as letras lunares e solares, as sutilezas da gramática e da fonética que luziam em cada objeto exposto nas vitrinas ou visgado na penumbra dos quartos (RcO: p. 51) onde percebi e tive o prazer de (re)ver nas histórias hatounianas o (re)viver da vida amazônica.”

        O termo hermenêutica, num sentido mais radical, não quer dizer arte da interpretação, mas a tentativa de determinar a própria interpretação, a própria compreensão. E assim, a hermenêutica torna-se interpretação da compreensão ou “círculo hermenêutico”, pois toda compreensão apresenta uma estrutura circular: “Toda interpretação, para produzir compreensão, deve já ter compreendido o que vai interpretar.” O mundo, portanto, é o que se encontra no horizonte da compreensão. Nosso mundo é o que se encontra no horizonte de nossa compreensão, mas podemos alargá-lo, mediante a compreensão do outro, realizando então uma fusão de horizontes.

       O que deve ter norteado a dra. Lourdes Louro é compreender a nossa cidade de Manaus, estabelecendo e abrindo um mapa de sentidos, um roteiro no labirinto, do entrecruzamento de vidas, de relatos, de sofrimentos, um quadro que se amplia no espaço, no tempo, na profundidade dos sentimentos – os nichos e escondidos, as gavetas – as tensões, amizades, e tudo que constitui a vida, esse mistério. As estórias daqueles personagens naquela cidade única, cercada de floresta, rios e lagos. Através dos textos do Milton procurou o valor de sua própria vida, de sua humanidade, que é o que faz a hermenêutica. Toda pergunta busca essa impossível resposta nos fragmentos das recordações (e assim o livro é fragmentado).

        O livro de análise e leitura é propositalmente costurado em temas e lemas, em fatos e motes, em fantasmas, medos, vultos, sombras, pois em certa época (que eu conheci) não se podia andar à noite sem levar uma lanterna.

           Essa lanterna é o que busca o rumo do nosso destino.


Sobre Francisca de Lourdes Louro:

        De Manaus/ AM. Possui Pós-Doutorado em Sociedade e Cultura da Amazônia pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Mestrado e Doutorado em Poética e Hermenêutica pela Universidade de Coimbra-Portugal. Especialista em Literatura Moderna e Pós-Moderna pela UFAM, Graduação em Letras – Língua e Literatura Portuguesa pela UFAM. Professora de Língua e Literatura Portuguesa da Secretaria de Educação do Estado do Amazonas (SEDUC/AM). A autora escreveu mais de uma dezena de artigos sobre a produção literária de autores amazonenses  que estão disponíveis em versão eletrônica pela internet. Em 2019, publicou o livro Manaus de dois rios, gentes e matas: literatura e geografia dos sentimentos, em parceria com José Aldemir de Oliveira. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Literaturas de Língua Portuguesa – GEPELIP e do Projeto Poesia, Prosa e Cinema no Amazonas: 1996-2016, ambos desenvolvidos na Universidade Federal do Amazonas (UFAM), sob a coordenação da professora Dra. Rita Barbosa de Oliveira. É Membro do Grupo de Pesquisa – Estudos Semióticos: Literatura, Cultura e outras Artes (GES), do curso de Letras da Universidade do Estado do Amazonas – UEA, Coordenado pela Dra. Socorro Viana de Almeida. Publicou em parceria: com a Dra. Socorro Viana de Almeida :IMAGENS AMAZÔNICAS - Estudos de Semiótica, Poética e Hermenêutica.


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quarta-feira, 8 de dezembro de 2021

MOMENTO COM GAIA: Poesia em tempos de pandemia|76



Momento com Gaia/76


Esse projeto, de autoria da poeta Janete Manacá, nasceu em 16 de março de 2020, com a chegada da Pandemia causada pelo novo Covid-19. Por se tratar de algo até então desconhecido, muitas pessoas passaram a desenvolver ansiedade, depressão e síndrome de pânico. Com o desejo de propiciar a essas um “momento poético” no conforto dos seus lares, toda a noite é enviado, via WhatsApp, um áudio com poesias de sua autoria para centenas de pessoas do Brasil e de outros países. E estas são replicadas pelos receptores. Acompanhe o poema abaixo:


Por Janete Manacá




Para ouvir o PODCAST clique AQUI.


Arte em retalhos

 

costurava até altas horas da noite

tinha muitos filhos para alimentar

seu sustendo vinha da máquina de costura

 

casa de tábua coberta com sapé

fogão de lenha e chão batido

vista cansada, sombria luz da lamparina

 

em seus cestos de palhas guardava os retalhos

rigorosa separava por cores que combinavam

e colocava nos cestos com o nome dos filhos

 

nas raras horas de folga 

ia montando as suas colchas

como quem tece os fios da vida

 

tudo era minuciosamente pensado

cortado com a delicadeza das suas mãos

simetricamente costurado, com amor

 

triângulos, quadrados, retângulos 

formatos geométricos perfeitos

tom sobre tom, beleza e bom gosto

 

hoje os filhos repousam sobre obras de arte

feitas com a simplicidade daquela mulher de sorriso fácil

que nas madrugadas desafiava a rigorosidade do tempo




A PALAVRA, A POESIA E O FEMININO DE TUDO: ASSIM SOMOS

 


A PALAVRA, A POESIA E O FEMININO DE TUDO: ASSIM SOMOS


 Por Margarida Montejano


Mar.. mar.. maravilhoso artigo da divina Elizabete Nascimento, publicado neste Feminário, que brota após a experiência das belas mesas enluaradas!

Um mar de palavras, sentidos e conexões! Um mar que guarda as águas calmas,  bravias e serenas das mulheres do nosso tempo, revestidas de tantos outros tempos.

Pensei no femino-masculino que Bete descreve!

Pensei na força da Deusa Selene! Nos movimentos que provoca no mar. Na palavra mar.

Ilustração Deusa Selene de Daniel Firmino - danielbrafir@gmail.com - para a Coletânea II: uma Ciranda de Deusas (Sarasvati Editora, 2021)

Pensei no mar de Neruda e na sua mãe Rosa Basoalto! Pensei na peneira que carregava água, de Manoel de Barros e, em Alice Pompeu, sua mãe. Voltei a  ler o artigo “O abismo sublime das enluaradas: a poética do abraço” no Feminário Conexões, e  novamente pensei em Neruda. Mergulhei no seu mar. No mar de palavras  e nas ondas da escrita reordenei as ideias e refleti sobre  as mulheres e homens que se arvoram a escrever. Pensei nas mães, avós e nas tantas antepassadas que nos constituíram e nos constituem. Pensei no que somos.

Lembrei-me, madrugada adentro, de Carlos Drummond de Andrade, de Gabriel Garcia Marques, Chico Buarque, Paulo Freire, de Adelias, Cecílias, Rutes, Martas, Patrícias e as tantas Marias que somos.  Pensei em suas mães, em nossas mães, avós, irmãs,  filhas,  tias, primas e amigas!

Que constatação me bateu, poetas?

Que neste mar de linguagens e poesia que culmina no universo femino-masculino, há sempre uma mulher. Uma grande mulher! Ah! Não fosse essa inspiração…! Essa parte feminina tão presente neles e em nós!

Eis aí a experiência da vida em Gaia nos provando que a mãe é mulher. Que a palavra é mulher! Que a vida e a gestação de tudo  é mulher.

Ilustração Deusa Gaia de Daniel Firmino - danielbrafir@gmail.com - para a Coletânea II: uma Ciranda de Deusas (Sarasvati Editora, 2021)

Meio dormindo-acordada, pensei no infinito amor, que faz germinar, nascer, crescer  e que, constitui a beleza de tudo o que há debaixo do céu, no fundo das águas e acima da terra. No  feminino em canção!

Daí a beleza das coisas. Daí a poesia da vida, me provam as Enluaradas!

Somos, pois, reflexos da Grande Senhora que passeia nas Brumas… Somos, na festa da natureza, a fertilidade do solo, as mulheres que correm com lobos. Que uivam e se transformam em defesa da cria e da criação de si. A feitiçaria da poesia que brota de nosso ser!

Somos a natureza divina e, em essência, somos a nossa ancestralidade.

Nas coletâneas Enluaradas e no mar de poesias desse coletivo feminino me vi no 1º FLENLUA… Me encontrei nua, banhando nestas águas que me mostram, como diz Elizabete em seu artigo recheado de beleza, que sou una e múltipla.  Assim, as águas deste mar de escritas e de vida  fazem com que eu me sinta mulher valorosa, empoderada da palavra e da possibilidade de senti-la, de escrevê-la e de dizê-la. Livre! Fazem com que eu assim,  “seja”!

Mas… só “sou” com vocês. Assim somos neste coletivo constituído de outras mulheres Enluaradas de hoje, de ontem e do amanhã.

*_*    *_*    *_*

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Conheça o projeto N'outras Palavras, de Margarida Montejano. 



 


terça-feira, 7 de dezembro de 2021

PROTAGONISMO FEMININO EM FOCO: TAIASMIN OHNMACHT

       

 
PROTAGONISMO|02


MEMÓRIA E ANCESTRALIDADE EM "VOZES DE RETRATOS ÍNTIMOS, 
DE TAIASMIN OHNMACHT

     POR HELIENE ROSA

    

            Natural de Porto Alegre, a escritora e poeta Taiasmin Ohnmacht tem se dedicado à atividade literária como forma de produzir rupturas em um sistema editorial, cuja tendência predominante vem sendo adotar e promover narrativas únicas. Sua escrita incisiva desestabiliza esse tipo de estratégia de legitimação e de sacralização dos privilégios da branquitude no cenário da literatura contemporânea brasileira.

        Além de sua inserção na literatura, Ohnmacht é psicóloga e psicanalista, possui mestrado em Psicanálise, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Eu a conheci exercitando os seus amplos conhecimentos acerca da teoria literária, durante a realização de um curso de curta duração sobre poesia negra. O diálogo estabelecido com a psicanálise foi o chamariz para esse estudo, oferecido por ela, com desenvoltura e maestria, no site da Com verso: Psicanálise e Poesia.

             Determinada a trabalhar pelo resgate da capacidade de conviver com a diferença e a contradição, a escritora atua também na área clínica e, embora reconheça que a psicanálise possa inspirar a atividade escrita, ela afirma manter, de forma deliberada, uma distância considerável entre sua prática clínica e a produção de narrativas literárias.

             No contexto de sua poética questionadora, a voz lírica interpela: “Quem tem medo da folha branca? Da face branca, dos olhos claros que procuram selar destinos?” Diante dessa interrogação, ela mesma responde, provocativa:


Eu tenho medo da folha branca da História

 Lavada em sangue de tantos povos

O alvejante é corrosivo e faz mal à pele

 Foi inventado na Europa.


        Nessa perspectiva, em seu primeiro romance, Vozes de Retratos Íntimos (2021), recentemente lançado pela Editora Taverna, a autora enriquece a história amefricana com alguns relatos familiares. Ao resgatar a memória de sua ancestralidade, Ohnmacht celebra suas origens afro-indígenas e europeias, promovendo reflexões essenciais a respeito das identidades, no contexto da pós-colonialidade.

            Diante disso, a própria autora afirma: “Escrevi Vozes de Retratos Íntimos inspirada em histórias contadas na minha família, mas nem todos os personagens são históricos, contudo, o personagem João realmente existiu”. E o romance corrobora: “Mas por décadas o que sobrou da memória de João para a família foi a figura de um homem idealista e irresponsável, [...] Daqui de onde olho, quase um século depois, parece que todos pagaram um preço muito alto por suas escolhas...” (p. 45, 46). Não sem razão, despertara admiração: “Sim, inteligente, bonito, idealista. Um herói! Assim que o conheceu, Benedita só viu qualidades.” (p.45). Inspiração e criatividade para tecer entremeando uma colcha de poucos retalhos.

        A figura enigmática do avô levou Taiasmin Ohnmacht a desejar conhecer melhor o passado de sua família. O resultado dessas buscas foi determinante para a concretização do projeto literário da autora, que relatou a mim:


A semente do livro foi plantada quando eu redescobri a existência dele para além das esparsas falas familiares. A curiosidade em saber mais sobre ele veio por uma necessidade de resgate de meus antepassados negros e embora temporalmente ele não seja um parente tão distante de mim, eu não o conheci; tampouco a narrativa familiar me ajudou nessa busca. Meu avô era aquariano e talvez fosse preciso esperar a existência de uma tecnologia que resgatasse o passado para reencontrar alguns traços dele. Foi através de pesquisas na internet que tive contato com textos que registram uma época de sua passagem pelo mundo, fase de muitas lutas políticas, de entrega da própria vida a uma causa justa. Não sem consequências: a pobreza e a prisão.

 

            Ao tatear as marcas deixadas pelo avô, a autora construiu esse conjunto de narrativas que remetem ao passado familiar e se conjugam não apenas entre si, mas também a outras histórias de pessoas e fatos e lugares, todas, de alguma forma, conectadas em tempos e espaços que compõem uma história maior. Em primeira mão, a autora nos revela:


Em um dos desvios de minha trajetória trabalhei no sistema penitenciário, sabe-se lá se algo em mim pensou em encontrar alguma pista do vô João naquelas grades. Trabalhar no cárcere é doloroso para quem espera por Justiça e acredita nos Direitos Humanos. Bem melhor foi encontrar João Adderley nas páginas da história.


        Consciente da grande responsabilidade herdada dos griôs, Taiasmin Ohnmacht reconhece: “Assim, a narrativa foi se transformando da história de um homem para a história de muitos. Muitos mais do que somente os meus e isso me autorizou a contá-la”. Sua obra se contrapõe à uma tendência massiva, contra a qual nos alerta a escritora nigeriana Chimamanda Adichie: o perigo de uma história única.

            Assim, são essas vozes plurais que encontram guarida em narrativas como o romance e os contos da escritora porto-alegrense que se somam para fazer frente a essa importante missão de contar as histórias secularmente silenciadas. Por outro lado, revelar ao leitor essa multiplicidade de olhares, de visões e de experiências que permite ampliar a compreensão dos fatos sobre nós mesmos e sobre o nosso país.

            Recebemos o primeiro romance de Taiasmin com a certeza de que a literatura é também o lugar da desconstrução de estereótipos limitantes a respeito do nosso povo brasileiro. A constituição múltipla e plural de nossa sociedade faz com que a diversidade deva ser celebrada como valor e isso pode contribuir com a minimização dos preconceitos que interferem de forma negativa nas interações sociais, não apenas no âmbito familiar. Compreender as trajetórias das famílias, nesse cenário, torna-se fundamental para a compreensão dos fenômenos que permeiam a nossa história de nação. Como já disse, na linda canção Tocando em frente, o poeta violeiro Almir Sater: “Cada um de nós compõe a sua história”.

           Nesse sentido, percebemos que as vozes ancestrais ecoam fortemente nessa narrativa intrigante e complexa, em que o deslugar já era determinante de subjetividades, desde antes da travessia do Atlântico. Há também relatos que refazem a trajetória do bisavô para o Brasil, sugerem esse sentimento de inadequação por parte do bisavô que vivia na Suíça: “Alvo das chacotas de crianças e de jovens de sua idade, pela estatura baixa e por seu sobrenome, Carlos Ohnmacht precisou se impor pela força desde muito novo...” (p.25), e a narradora reitera: “Veio para o Brasil sozinho, fugindo de sua própria ira, uma história que para a família não existe, mas que meu pai não deixou de me contar”. (p. 24). Não vou dar o “spoiler”, no que diz respeito à vinda de Carlos Onhmacht para o Brasil, antes recomendo a leitura do livro.

                No cenário desse romance, desenrolam-se as cenas revisitadas e ficcionalizadas, em que escritora completa os quadros escuros da memória e supre lacunas dos poucos retratos dos quais ela extrai cativantes narrativas. Na obra, lemos: “... não se conta uma história sem algum grau de profanação...” (Ohnmacht, 2021, p.13), mirando-se no espelho de Oxum. Nesse universo de resgate histórico e de ficção criativa desfilam figuras que bem poderiam povoar os livros de uma verdadeira História do Brasil. Uma História que tivesse sido contada originalmente por quem vivenciou os acontecimentos e fatos.

            Em seu trabalho de mineração para a construção narrativa, as variadas tramas se erguem majestosas refazendo o caminho histórico da família que, em alguma medida, se confunde e se mescla à história da sociedade brasileira. Essa mesma história que vem sendo sistematicamente negada e silenciada, ao longo dos séculos, pelos discursos da branquitude. Esse encontro permite aos leitores e leitoras compreender que há uma multiplicidade de vozes no tecido social, cultural e histórico e que todas merecem ser conhecidas.

            Em meio às lutas ferrenhas pela sobrevivência nos espaços urbanos hostis, a avó Benedita é apresentada:


 Minha avó também construiu a própria casa, sozinha, estilo fugindo da favela. Era muito econômica e seu maior orgulho era ter conseguido comprar um terreno regularizado e abandonar o quarto de despejo. Entre comprar o terreno e construir sua casa, levou um tempo de idas e vindas entre a favela e o bairro na zona leste de São Paulo, carregando material como podia. Seus vizinhos a chamavam de preta metida (OHNMACHT, 2021, p.31).


            A autora ressalta a figura altiva da avó com a qual manteve pouco contato e reitera; “A morte insiste em pontuar sua vida, zombando de seu nome de batismo – Benedita. (2021, p.31). A luta e a vitória de uma mulher negra e pobre para garantir moradia na selva de concreto não é reconhecida como conquista pelos vizinhos. Do contrário, o racismo fez com que ela fosse vista e tratada como intrusa, naquele espaço.

        A avó Benedita não pode conhecer a mãe, que morreu no parto. Mulher indígena raptada de sua aldeia durante um ataque:


Então Sebastião a viu. Estava assustada e se escondendo ao lado de uma construção de pau a pique, já nas imediações da mata. Mas um pouco e teria conseguido fugir, mas para onde? Era bastante jovem e linda. Sem pensar muito, Sebastião a pegou pelo braço e a levou consigo. Ninguém questionou, não era algo incomum. Quando faziam expedições ao interior, costumava acontecer de alguém voltar com uma índia na garupa. (OHNMACHT, 2021, p.41)


            E assim, a narrativa vai confirmando o suplício das mulheres ao longo dos processos de formação do que se concebe hoje como a sociedade brasileira. Mulheres negras, indígenas e pobres massacradas, estigmatizadas e silenciadas, mas que não se abalam, não desistem e não se calam diante das injustiças.

            A escrita das mulheres tem esse poder revolucionário de reposicionar os fatos e os lugares sociais. São escritos que apresentam a vantagem de trazer para a cena literária vozes e tramas silenciadas pelo discurso oficial que elegeu o cânone como referência de valor e de prestígio na literatura.

            Que o protagonismo dessas mulheres intelectuais negras brasileiras seja inspiração para muitas outras mulheres e que possamos usar a palavra escrita como instrumento de superação do silenciamento dessas vozes e das injustiças cristalizadas em nossa sociedade. Só assim, a hipocrisia, o machismo e o preconceito serão combatidos com veemência. Eu parabenizo a escritora Taiasmin Ohnmacht e espero que seu protagonismo seja contagiante para as leitoras do nosso blog Feminário Conexões.



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