ENTREVISTA COM LOURENÇA LOU
Quando eu disse para a poeta Lourença Lou, que queria ter um bate papo com ela e falar sobre literatura, Lou me disse: "ih, sou meio bicho do mato, sei não"... Depois que esclareci que a conversa não seria uma live nem algo do tipo, mas sim uma prévia para que eu pudesse escrever sobre ela, Lou aceitou e tivemos mais de uma hora de boa prosa, naquele mesmo momento. Uma conversa informal, despretensiosa, assim como é essa poeta mineira que adora escrever, mas tem muita dificuldade em propagandear a si própria. Mal ela sabe, mas nesse espaço, faremos isso por ela. Porque Lou merece, escreve imensamente bem e adora quebrar regras, assim como nós! Cedo começou a escrever e aos treze anos de idade, enviava suas crônicas para uma rádio de Belo Horizonte, a rádio Tiradentes. Era um programa voltado para o público jovem e quase todo dia suas crônicas eram lidas por lá. Os assuntos giravam em torno da adolescência e suas dúvidas: as primeiras paixões, o despertar da sexualidade e algo do erotismo que, anos depois, estaria presente em muitas de suas crônicas e poemas. Perguntada a respeito do que o erotismo significa em sua vida, Lou nem soube me responder, talvez porque o erotismo lhe seja um aspecto tão natural e um componente tão presente quanto respirar. Afinal de contas, faz sentido perguntar a alguém o que a respiração representa em sua vida?
Antes de escrever poemas, Lou escrevia crônicas em um blog, algumas de cunho erótico, o que acabou gerando retaliações por parte de algumas poetas e culminou em seu bloqueio do grupo. "É uma pena que algumas mulheres não entendam que eu escrevo para brigar pelo direito de termos uma vida sexual com a mesma liberdade dos homens."
Se isso não se dá, ainda, na prática, Lou quer exercitá-la, e muito, em seus escritos. A escritora recusa o título de "poeta erótica", até porque sua obra não se resume a isso. Em sua literatura cabe, com folga, temas políticos, sociais e também, metafísicos. Ao escrever sobre o que quer que seja, Lou quer provocar, pois sabe que só através de uma boa provocação saímos de nosso estado de inércia e comodismo.
Em seu primeiro emprego, aos catorze anos de idade, Lou sofreu assédio sexual de seu patrão. Escreveu sobre isso sem meias palavras e, para essas questões urgentes, ela faz questão de ser bastante clara e não usar metáforas. Lou sempre coloca a mulher no protagonismo da ação, inclusive na esfera sexual. Além disso, sabe que, para se ter prazer no sexo, antes de tudo, há que se ter espaço, inclusive, para falar sobre ele. E se é um campo em que Lou faz questão de exercer sua liberdade, é através da literatura. Quem se beneficia com isso somos nós, as leitoras e leitores dessa maravilhosa escritora, que tem a coragem de escrever sobre um tema, ainda, tão tabu: o prazer das mulheres.
abissais
nosso corpo de fêmea
em redondilha
abre-se boca
no corpo do macho
lambuza pelos
de onde os mamilos
olham em timidez
nossos dentes em riste
em cordéis de epítases
as carnes das coxas
chamam nosso vértice
para o enterrar
de fogo da espada
em recônditos desejosos
de explodir em festa
nossas fomes abissais
no corpo do homem
despudoramos
cento e tantas virtudes
e nossas intenções
gulosas de eternizar
o frêmito secular
de mulheres que gozam
insolentemente.
***
asperezas
há uma poeta
aprisionada
na mulher
a escarpelar
suas paredes
ambas escorrem
ranhuras
de seda
e sedução
às estranhezas
elas sustentam
suas amnésias
há uma mulher
aprisionada
nos versos
uma poeta
de asperezas
viscerais
ambas se moldam
nas simbioses da língua
e entrelaçam-se
nas reinvenções
da palavra.
***
primícias
estas meninas-mães
mal arrancadas da infância
nasceram em ninhos de medo
mordem culpas lábios línguas
engolem gritos de estupros
tristes meninas
em busca de ir além
da resistência dor desamor
as meninas de amanhã
árvore de raízes entranhosas
terão útero selvagem livre
voz a desafogar suas escolhas
dentes a sugerir felinidade
mulheres-terra
estas meninas de amanhã
primícias de voo pouso vida.
***
ESTA SOU EU, por Lourença Lou:
Loba foi sempre como me senti. Desde quando, ainda menina, adotei meus três irmãos. Depois afiei as garras para sobreviver no mundo dos homens. Cresci por minha conta e risco. Me formei estudando à noite, fui pra sala de aula e aprendi que linguagens são vivas. A sala ficou pequena, fui administrar outras linguagens. Passei por todos os cargos administrativos de uma escola, sempre aprendendo. Fui e sou leitora compulsiva, escrevo quando a palavra não cabe em mim. E às vezes grito – mesmo que o grito seja mudo. Tenho publicados três livros de poemas e um livro de contos. Outros virão, porque a palavra em mim não fica presa.
O mundo está assim agora: mostrando mais pessoas que derramam a alma e nos dão de seu belo sangue poético para bebermos... Se não fosses maldita, Pandemia... Se não fosses maldita...
ResponderExcluirAh Ronaldo, que lindo isso! Obrigada por gostar do sangue e pela sensibilidade de ver a alma. Um beijo da Lou.
ExcluirAh Ronaldo, que lindo isso! Obrigada por gostar do sangue e pela sensibilidade de ver a alma. Um beijo da Lou.
ExcluirObrigada, Ronaldo, você sempre nos encantado com suas palavras... Parabéns, Lourença Lou, pela trajetória literária de lutas e poesia e felicito Roberta Gasparotto que fez uma abordagem textual adorável. E assim o Feminário Conexões vai conquistando leitor@s.🥰😍🤜❤🤛
ResponderExcluirFeliz e grata a vc e à Roberta por ter feito parte do nascimento de mais um espaço de conexões feministas. Que sejam muitos e longos os voos do Feminário Conexões. Um beijo, Marta.
ResponderExcluirQue prazer saber mais da Lourença Lou pela Roberta! Que espaço maravilhoso Marta! Parabéns meninas!
ResponderExcluirVânia, é mesmo um prazer estar aqui, com estas meninas enluaradas.Obrigada pela sua leitura. As palavras da Roberta são sempre as mais belas molduras. Um beijo, flor.
ExcluirQue prazer saber mais da Lourença Lou pela Roberta! Que espaço maravilhoso Marta! Parabéns meninas!
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