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segunda-feira, 20 de fevereiro de 2023

PROCESSOS DE ESCRITA: MINOTAURAS, POR LÍGIA SAVIO

[Arquivo pessoal da autora/Facebook]

PROCESSOS DE ESCRITA: MINOTAURAS 

POR LÍGIA SAVIO

Como não podia deixar de ser, a questão feminina vinha me instigando há muito tempo e me levando a escrever poemas sob esta tônica. Fui revisitando minha história e me dando conta do quanto fora oprimida pelo simples fato de ser mulher, mesmo usufruindo dos privilégios que tem uma mulher branca, letrada e que nunca viveu numa periferia, mesmo tendo trabalhado numa delas. Havia uma urgência em escrever sobre a minha trajetória, que era a de tantas mulheres como eu e apresentar, através da escrita, as minhas tentativas de libertação dos padrões patriarcais em que ainda vivemos.

O próprio fato de uma mulher escrever já é um ato de rebelião, considerando que a maioria dos escritores é do sexo masculino. Estudiosa da cultura grega, percebi o quanto ela fora dominada pelos homens. A própria mitologia grega representava um ponto de vista masculino e até misógino em suas histórias. Resolvi, então, ressignificar os mitos que sempre me encantaram. Assim, escrevi alguns poemas neste teor. Como exemplo, cito Re-mitológica: 

[Arquivo pessoal da autora/Facebook]
           É só do sal de Urano

que nasce a força erótica?

Foi esta a história que contaram.

Só os deuses-homens

gestavam o amor.

Mas Afrodite,

na concha

expele jorros

pelas pernas

criando palavras

                                                          de todos os sexos.


[Arquivo pessoal da autora/Facebook]

Assim escrevi Recado a Perseu, Antígona, Viagem ao Hades e outros poemas. Nesta linha, nasceu o livro Minotauras, meu mais recente livro solo de poemas, lançado em dezembro de 2022, em Porto Alegre, pela editora Casa Verde. Imaginei o monstro do labririnto como um ser feminino. Um ente execrado por todos, que deve permanecer escondido, pois oferece perigo e é temido por seu poder: não é isto o retrato das mulheres?

Há um poema no livro cujo título (Minha deia) faz um trocadilho com o nome da poderosa personagem Medeia e que finaliza assim, fazendo alusão à história desta mulher:


No ágon da vida

quero ser

a principal

a que imola

a que mata

a que foge 

no carro dos deuses.

não me peçam pra não latejar.

 

É o que pretendo para todas as mulheres com este livro. 

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Para aquisição do livro entre em contato com Lígia Savio através de seu perfil do Facebook, clicando AQUI.

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Lígia Savio é gaúcha de Porto Alegre, participou de várias antologias do Mulherio das Letras. Em 2015, publicou seu primeiro livro solo de poemas, No Dorso da Palavra, em 2019, Fios de Aço e, em 2022, Minotauras.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2023

PROCESSOS DE ESCRITA: CONSTRUINDO VERSOS, POR RILNETE MELO

PROCESSOS DE ESCRITA: CONSTRUINDO VERSOS 

POR RILNETE MELO


Movida pelas pernas da sensibilidade poética e caindo no abraço provocador da nossa querida Marta Cortezão, eu trago o entrelaçamento do meu processo criativo, o qual tomado pela estesia das minhas inquietações, revelou-me “Construindo Versos”: O meu primeiro livro solo.

O título talvez não seja impactante, mas surgiu do ofício da criança que costurava sentidos com as cores do perceber. 

Desde a minha tenra idade eu carregava um olhar sensível e pujante sobre as coisas e as pessoas, e foi pelas rimas dos cordéis, lidos por minha avó paterna, à luz de lamparina, e pedalando a sua velha máquina de costura Singer, que nasceu a minha paixão pela poesia e a construção dos meus primeiros versos.

Tive uma infância feliz, subi em árvores, tomei banho de igarapé, corri atrás do tesouro no arco íris, brinquei com as bonecas do milho plantado pelas mãos do meu avô Tonho, tomei leite no curral, comi doce de pitanga e recitei versinhos para os meus pais, ainda não alfabetizada, subindo em uma cadeira e recebendo os seus aplausos.

Os sentidos que eu costurava faltou tecido aos 9 anos de idade e os versos ficaram incompletos, tortos, xoxos e engavetados na escuridão, pois as mãos que me ofereceram hóstias,  tocaram meu corpo infantil sem meu consentimento  ,deixando marcas indeléveis.

Foram anos de silenciamento, dor  e interrupção criativa, mas no desvelamento do não -dito , aos 15 anos resolvi escrever textos poéticos no meu diário. 

Como se não bastasse o abrupto corte criativo, causado  pelo luto invisível da alma, perdi o meu querido diário em uma  viagem de ônibus do Maranhão para Natal-RN.

Pois bem, nunca tive o hábito de decorar meus escritos, então lá se foram meus segredos inconfessáveis e os versos que eu havia construído desde a infância. Em 1994, já casada e com um filho, adentrei o mundo virtual e compartilhei no site Recanto das letras alguns dos meus escritos, onde tive um bom feedback. Foi o início de uma batalha travada entre o desejo de cuspir palavras e a dor de engolir os ciúmes e o machismo (regados à traição) do meu marido.

Eu não queria parar, pois fervilhava em minhas veias o sangue poético, aquecendo minha pele feminina de inquietações. Por vezes, entre as trocas de fraldas, as conversas com as panelas, ou mesmo nos intervalos do trabalho, vinham os insights poéticos e eu registrava em um caderno (no meu campo de silêncio), onde a palavra tinha sede de grito.

Em 1996, engravidei do segundo filho e deixei também palavras grávidas, nas crônicas que escrevi na coluna do Jornal “O Potiguar” em Natal-RN, foi aí que percebi algo latente me cobrando audácia e coragem para prosseguir, pois com dois filhos e um casamento fracassado, eu dei minha “cara a tapa” e tirei as correntes das mãos, para representar a voz feminina e fazer valer a minha resistência aos estereótipos, e ao machismo que tentava me calar. 

Em meio a um relacionamento pedindo socorro, veio a separação, e com ela a sensação de liberdade invadindo meu cérebro e levando forças para atingir os meus objetivos. Retorno ao Maranhão, com dois filhos pré-adolescentes e na bagagem a coragem de uma mulher “sem eira nem beira”  e a força de uma mãe plantando sementes  e sonhando com grandes searas.

Para incentivar a formação dos meus filhos, veio a minha graduação no curso de Letras, embora tardia , mas chegou desatando os nós e criando  um vínculo marital com a palavra. Sim! Afiei a língua, cortei as amarras e crenças limitantes, soltei o verbo  e deixei os meus textos  voarem no mundo virtual, abrindo olhares e olheiros.  

Na vida, o que alavanca as realizações são as oportunidades e os recomeços, por isso ativei o modus operandi, e numa onda de “desvencilhamento”, me lancei no mercado editorial, através das antologias e concursos literários.

E veio a aproximação no distanciamento... Paradoxal, né?  Pois é, mas foi na pandemia que a poesia me abraçou com força! 

A pandemia foi um acontecimento planetário, inusitado e catastrófico, evidenciando a fragilidade da humanidade, mas exibindo a força da voz  feminina,  que como antídoto avançou no ambiente  on-line. Os coletivos literários femininos explodiram, exigindo que nós mulheres poetas, não deixasse esse momento sem palavras, então Juntei-me ao coletivo “Enluaradas” entre outros, e lancei-me ao desafio de ressignificar a dor, o medo e a falta do calor humano através da poesia. 

Em meio ao caos pandêmico, os impactos me serviram como dispositivos criativos, e como se quisesse tornar tangível  o confinamento,  deixei gestar    “Construindo Versos”, para oferecer ao meu leitor  as minhas inquietações humanas e femininas.

Um Spoiler do livro:


Combatentes

 

Removendo pedras

do solo endurecido, 

a ranger de dor,

atira no rabecão

pai, mãe, irmão... 

Os olhos tecem,

o rude engasgo

do invisível severo,

que não deixa velar.

Marcha para a rua vazia;

os combatentes,

a esperar a sorte tecer o troféu:

da fome,

do medo,

da dor,

ou do viver!   

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Rilnete Melo é brasileira, maranhense, graduada em letras/espanhol, escritora, cordelista membro das academias ACILBRAS, ABMLP e AIML, participou de várias antologias nacionais e internacionais, autora do livro “Construindo Versos" e autora de cinco cordéis. 

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