PROCESSOS DE ESCRITA: CONSTRUINDO VERSOS
POR RILNETE MELO
O título talvez não seja impactante, mas surgiu
do ofício da criança que costurava sentidos com as cores do perceber.
Desde
a minha tenra idade eu carregava um olhar sensível e pujante sobre as coisas e
as pessoas, e foi pelas rimas dos cordéis, lidos por minha avó paterna, à luz de
lamparina, e pedalando a sua velha máquina de costura Singer, que
nasceu a minha paixão pela poesia e a construção dos meus primeiros versos.
Tive uma infância feliz, subi em árvores, tomei banho de igarapé, corri atrás do tesouro no arco-íris, brinquei com as bonecas do milho plantado pelas mãos do meu avô Tonho, tomei leite no curral, comi doce de pitanga e recitei versinhos para os meus pais, ainda não alfabetizada, subindo em uma cadeira e recebendo os seus aplausos.
Os
sentidos que eu costurava faltou tecido aos 9 anos de idade e os versos ficaram
incompletos, tortos, xoxos e engavetados na escuridão, pois as mãos que me
ofereceram hóstias, tocaram meu corpo infantil sem meu consentimento, deixando
marcas indeléveis.
Foram anos de silenciamento, dor e
interrupção criativa, mas no desvelamento do não-dito, aos 15 anos resolvi
escrever textos poéticos no meu diário.
Como se não bastasse o abrupto corte criativo, causado pelo luto invisível da alma, perdi o meu querido diário em uma viagem de ônibus do Maranhão para Natal-RN.
Pois bem, nunca tive o hábito de decorar meus escritos, então lá se foram meus segredos inconfessáveis e os versos que eu havia construído desde a infância.
Eu
não queria parar, pois fervilhava em minhas veias o sangue poético, aquecendo
minha pele feminina de inquietações. Por vezes, entre as trocas de fraldas, as
conversas com as panelas, ou mesmo nos intervalos do trabalho, vinham os insights poéticos
e eu registrava em um caderno (no meu campo de silêncio), onde a palavra tinha
sede de grito.
Em 1996, engravidei do segundo filho e deixei também palavras grávidas, nas crônicas que escrevi na coluna do Jornal “O Potiguar” em Natal-RN, foi aí que percebi algo latente me cobrando audácia e coragem para prosseguir, pois com dois filhos e um casamento fracassado, eu dei minha “cara a tapa” e tirei as correntes das mãos, para representar a voz feminina e fazer valer a minha resistência aos estereótipos, e ao machismo que tentava me calar.
Em meio a um relacionamento pedindo socorro, veio a separação, e com ela a sensação de liberdade invadindo meu cérebro e levando forças para atingir os meus objetivos. Retorno ao Maranhão, com dois filhos pré-adolescentes e na bagagem a coragem de uma mulher “sem eira nem beira” e a força de uma mãe plantando sementes e sonhando com grandes searas.
Para
incentivar a formação dos meus filhos, veio a minha graduação no curso de Letras,
embora tardia, mas chegou desatando os nós e criando um vínculo
marital com a palavra. Sim! Afiei a língua, cortei as amarras e crenças limitantes,
soltei o verbo e deixei os meus textos voarem no mundo
virtual, abrindo olhares e olheiros.
Na
vida, o que alavanca as realizações são as oportunidades e os recomeços, por
isso ativei o modus operandi, e numa onda de “desvencilhamento”, me
lancei no mercado editorial, através das antologias e concursos literários.
E veio a aproximação no distanciamento... Paradoxal, né? Pois é, mas foi na pandemia que a poesia me abraçou com força!
A pandemia foi um acontecimento planetário, inusitado e catastrófico, evidenciando a fragilidade da humanidade, mas exibindo a força da voz feminina, que como antídoto avançou no ambiente on-line. Os coletivos literários femininos explodiram, exigindo que nós mulheres poetas, não deixasse esse momento sem palavras, então Juntei-me ao coletivo “Enluaradas” entre outros, e lancei-me ao desafio de ressignificar a dor, o medo e a falta do calor humano através da poesia.
Em meio ao caos pandêmico, os impactos
me serviram como dispositivos criativos, e como se quisesse tornar
tangível o confinamento, deixei
gestar “Construindo Versos”, para oferecer ao meu
leitor as minhas inquietações humanas e femininas.
Um Spoiler do
livro:
Combatentes
Removendo pedras
do solo endurecido,
a ranger de dor,
atira no rabecão
pai, mãe, irmão...
Os olhos tecem,
o rude engasgo
do invisível severo,
que não deixa velar.
Marcha para a rua vazia;
os combatentes,
a esperar a sorte tecer o
troféu:
da fome,
do medo,
da dor,
ou do viver!
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