segunda-feira, 22 de dezembro de 2025

62 ANOS ! (SOBRE)VIVER É UM ATO POLÍTICO

 "Escrevo porque a palavra sempre foi minha ferramenta de sobrevivência."

Hoje completo 62 anos. Entrego minha idade com velas mágicas e com o corpo inteiro aceso. Celebrar a minha vida como mulher, neste país onde mulheres são interrompidas diariamente, é um gesto que carrega peso histórico, ético e político.

Arquivo da autora

Enquanto escrevo esse texto, penso nas Tainaras, Isabelas e milhares de outras que não chegaram até aqui. Penso nas mulheres cujos aniversários foram silenciados pelo feminicídio, essa chaga social que o sistema não consegue encontrar a cura, e que lobos disfarçados de cordeiros romantizam dizendo ser adquirida do amor e do ciúme, mas que na verdade ela existe simplesmente pelo fato de sermos mulheres, pelo ódio,  pelo controle exercido pelo patriarcado e pela certeza  de que nossos corpos são territórios de posse. Na verdade, a culpa é do machismo estrutural que disfarça de homicídio os crimes misóginos.

Simone de Beauvoir já nos alertava que não se nasce mulher, torna-se, isto é, aprende -se a ser mulher dentro de um sistema patriarcal que impõe normas, papéis  e silenciamentos. Muitas mulheres são brutalmente interrompidas não por não alcancarem esse "tornar-se ", mas por desafiarem ou não se ajustarem às expectativas  que lhes são  impostas.

Para uma mulher que chega aos 62 anos, num país que ocupa a quinta maior taxa de feminicídio do mundo, é atravessar um campo minado com passos insistentes. É ter sido menina afetiva e tímida, adolescente intensa e romântica, sem imaginar que ser mulher é ser subjugada, objetificada e coagida. É ter acreditado no amor, lutado em meio a um casamento abusivo e ainda ter se reinventado como mãe solo, leoa, colo, sustento e abrigo.

Minha história pessoal não está dissociada da história coletiva das mulheres. Como escreveu Bell hooks, o amor, para nós, nunca foi neutro, ele sempre precisou ser reaprendido fora da lógica da dominação.

Arquivo da autora

E hoje eu celebro meu aniversário escrevendo com prazer, como mulher e como escritora, porque escrevo com o corpo que amou, viveu, perdeu e resistiu. Escrevo porque a palavra sempre foi minha ferramenta de sobrevivência. Audre Lorde dizia que transformar o silêncio em linguagem e ação é um ato de coragem. E eu escrevo para fazer barulho, porque sei que o silêncio mata  e não apenas metaforicamente.

O feminicídio não é um desvio de conduta individual. É o ponto extremo de uma cultura que naturaliza a violência contra mulheres, que relativiza agressões, que pergunta “o que ela fez?” em vez de perguntar “por que ele matou?”. Djamila Ribeiro nos lembra que não existe neutralidade quando a estrutura é desigual. Celebrar minha vida hoje, aos 62, é também denunciar essa estrutura.

Minha existência é prova, minha maturidade é prova e minha escrita é o carimbo.

Cada ruga que carrego não é sinal de desgaste, mas de permanência, de permanecer viva, lúcida e criativa, escrevendo sobre o feminino num mundo que insiste em nos apagar.

Isso para mim é uma forma de insurgência.

Hoje não celebro apenas mais um ano de vida, celebro o direito de continuar, celebro as mulheres que vieram antes de mim e abriram caminhos, celebro as que caminham comigo. E como ser humano sinto os rasgos na minha pele com indignação e compromisso por todas as que não (se)ssentaram e sim ficaram com os corpos estendidos ao chão.

Que minha voz aos 62,  ecoe como denúncia e manifesto. Porque enquanto uma mulher for morta por ser mulher, nenhuma de nós estará inteira. E ainda assim estamos aqui:

Escrevendo, vivendo e resistindo.

FEMINICÍDIO

Matam em casa todo dia uma mulher!

A voz sufocada

Pincelada de sangue

Reside nas paredes

Ecoa na sala o noticiário

 Agredindo os tímpanos

Na surdez da lei

Tudo é corriqueiro

Mas a dor velada das Marias

Rasga a minha pele

E do meu verso perplexo

Arranco o silêncio

Enterrado no sexo

E eu grito na poesia :

Basta! O machismo já fede!

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Arquivo da autora

Rilnete Melo é maranhense, poeta, escritora, cronista e cordelista, membro das academias de letras ACILBRAS e ABMLP, colunista no blog Feminário Conexões e colaborada da Revista internacional The Bard, coautora de várias antologias nacionais e internacionais, vencedora de seis concursos literários, autora dos livros Construindo Versos, O máximo de mim e outros mínimos poemas, Pérolas do meu silêncio, zine Dezcontos micros e autora de cinco cordéis.

4 comentários:

  1. Parabéns pela importante reflexão e feliz aniversário, querida! Saúde e muita força para continuar resistindo e se posicionando. Escrever é um ato político!👏🏽🥳👏🏽🥳👏🏽

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    1. Obrigada Marta querida. Quero noventar escrevendo! 🙏🏻😆❤️

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  2. Rilnete querida, feliz aniversário! ...estou sem fôlego com a leitura desse seu recente texto!! Senti cada palavra e emoção, de certo que estamos juntas nessa jornada literária, pra escrever nossa dor e insubordinação! Bravo!!

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  3. Obrigada Rita querida. Estar de mãos dadas com vocês é me fortalecer para continuar resistindo e (sobre)vivendo com bravura. Sejamos voz sempre !💪🏻❤️

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