MOSAICO DE IDEIAS - SEMEANDO PALAVRAS E COLHENDO BORBOLETAS
I N D I G E S T Ã O (CRÔNICA)
POR SANDRA SA'NTOS
[Imagem do Pinterest] |
Sim,
em 2023 acontece mais uma guerra absurda, se é que algum dia, houve de fato,
uma razão lógica para qualquer que tenha sido o conflito. Do outro lado do
mundo, tantas pessoas separadas de mim pelo conceito abstrato dos fusos horários,
nem sabem se terão o que comer. Não
termino de colocar a comida na boca, pois em meus ouvidos ecoa o som de mais um
míssil, ou de incontáveis projéteis em um novo confronto. Só de imaginar a
cena, emudeço e o estômago trava.
Cada grão de feijão ganha o nome de uma pessoa abatida em nome de uma causa, e isso me enoja. O choro das crianças inunda minhas noites. Mesmo assim durmo... Ainda bem que meus pais não estão aqui para ver isso. Mais culpa.
[Imagem do Pinterest] |
Não
sou suficientemente sábia para explanar sobre “motivos”. Sou uma ignorante
movida por um pensamento simplista em que a vida é um presente, e assim, precisa
ser sorvida com delicadeza e gratidão. Para mim, nada justifica a barbárie e
eu, no auge dos meus sessenta e um anos, não consigo entender, muito menos aceitar
o que os move. Nem de um lado, nem do outro. Como posso engolir meu feijão se pais,
mães, avôs, avós e crianças, provavelmente vão engolir terra? Mastigo a
derradeira garfada.
Minha despensa está cheia, enquanto pessoas em bunkers, não possuem perspectiva alguma. Mais cedo fui ao mercado e vasculhei as prateleiras, em busca de cupom de desconto para quem tem um cadastro. Já me pequei comprando coisas das quais não precisava, só pra aproveitar a oferta. Novamente esbarro na culpa, e encaro no espelho a impotência por não ser nada além de mim mesma. Espero que a guerra acabe antes do natal.
[Imagem do Pinterest] |
Procuro
um motivo que faça algum sentido para dar início a uma guerra e não encontro. As
empresas armamentistas as financiam, e a mídia se alimenta delas... Talvez seja
isso. Cresci, em meio a conflitos de toda natureza: Vietnã, Afeganistão,
Golfo, guerra fria. Uma vez vi uma foto de uma criança nua, correndo em prantos.
Me falaram que era vietnamita. Nunca me esqueci o choque ao perceber que
crianças podiam passar por algo semelhante. O ano era 1972, eu e ela tínhamos idades
próximas, então, o que a fazia tão diferente de mim? Apavorada, fechei a revista.
Do
alto da minha ingenuidade, pensei: bom que no Brasil não temos guerra. - Doce
ilusão, temos sim, uma silenciosa. Atualmente, nem tanto. Naquele tempo se
ouvia à boca miúda, sobre pessoas que sumiam sem deixar qualquer rastro, ouvia-se sobre
a tortura e sobre a censura. Essa última, forte e onipresente com poderes para
fazer uma palavra morrer na garganta, antes de ser proferida. Só a ela era dado
o direito de decidir sobre a pertinência ou a periculosidade das palavras, das
músicas, e das reportagens. Mas, artistas e jornalistas, (nem todos), constituíram
a resistência, e espalharam por meio de metáforas a ideia de que calar-se, não era
uma opção. Eu os amo por isso.
O
tempo passou e a censura mostrou-se sábia. Parou de proibir palavras, e soube
esperar pacientemente. - Deixe que falem bobagens, incentivem a baderna. Não há
a menor necessidade de calá-los. - Infelizmente, deu certo. Surgiu um arsenal
de ideias caóticas revestidas de contemporaneidade. Um sem número de subcelebridades
que perdeu o nariz, a barriga e a vergonha em alguma cirurgia plástica. Um mar
de futilidade se instalou de tal forma que o pensamento crítico se escondeu em
alguma toca. Hoje palavras fúteis jorram
de bocas cada dia mais desfiguradas, (quanto mais grossas e carnudas melhor). E
eu, culpada por não aguentar assistir TV?
[Imagem do Pinterest] |
Para
além dessa burrice crônica, facções crescem e se organizam, a Cracolândia povoa
a cidade e prolifera seus zumbis, (pobres coitados que já perderam sua guerra
pessoal). Acredito que em cada guerra, seja ela solitária ou não, existem dois
lados, e de cada lado uma versão. A verdade, talvez, não more em nenhum deles.
Para
a minha criança interior, digo: sim, a menina vietnamita poderia ter sido sua amiguinha.
Por ela, até hoje perco o sono, e a fome. Como permitimos que crianças passem
por tanto medo e por tanta dor?
Sem
resposta, afago a criança que fui.
☆_____________________☆_____________________☆
Sandra querida! Que texto! Um prato de sensibilidade servido em meio a esse planeta faminto de amor! Amei! Parabéns!👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻
ResponderExcluirMuito obrigada pela leitura e por suas palavras!
ExcluirNão imagina o quanto é importante ouvir sua opinião! Muitíssimo obrigada!
ResponderExcluirParabéns, Sandra! Sua escrita é potência, é força, é esperança!
ResponderExcluirMuito obrigada pela leitura e por suas palavras! Me incentivam a continuar.
ExcluirSandra que texto maravilhoso! Senti exatamente o que acontece neste mundo tão enlouquecido com pessoas tão necessitadas de amor, vivendo o absurdo das guerras! Beijo querida!
ResponderExcluirMuito obrigada pela leitura e pelas palavras! O mundo precisa de paz
ResponderExcluir