terça-feira, 20 de dezembro de 2022

PROCESSOS DE ESCRITA: VARIADOS POEMAS, POR CAROLLINA COSTA

 

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PROCESSOS DE ESCRITA: VARIADOS POEMAS DE CAROLLINA COSTA


POR CAROLLINA COSTA


Gestar e parir não é tarefa fácil, quer sejam filhos, projetos ou... Livros. Diferente dos meus outros dois livros — O Singular do Dual, que foi um livro mais montado do que propositalmente escrito, e 30 Dias 30 Poemas, que foi um desafio poético que criei para mim mesma —, Variados Poemas foi um livro que me surgiu através das músicas “Carcará”, na voz de Maria Bethânia, e “Compasso”, de Angela Ro Ro, cada uma com sua marcação e em seu momento particular. É um livro dividido, porém não separado, em três partes, que apesar de temáticas são como três artérias que irrigam as páginas de um único livro com versos pulsantes em uma mesma harmonia.

Capa de Variados Poemas

Meio Bethânia, meio Ro Ro, Variados tem seu embrião no meu poema “Memórias”, que compõe a primeira parte do livro. Escrevi esse poema de sobressalto, ao me deparar com um vídeo no Instagram da música “Carcará”, cantada por Maria Bethânia ainda jovem. Até então eu só conhecia a música na voz de Nara Leão, mas a profundidade da voz de Bethânia logo no início da música me transportou diretamente para os caminhos da minha ancestralidade paterna, sendo meu pai nascido no interior da Bahia, porém criado no Rio de Janeiro. Não sei muitas histórias porque, como digo em um dos meus poemas dessa primeira parte, “sofrimento a gente só quer esquecer” e ficam as histórias deduzidas pelas cicatrizes que vez ou outra dão o ar da graça.

Apesar de ter sido trazido por “Carcará”, o poema “Memórias” também fala da minha ancestralidade materna, vinda do interior de Portugal. Essa conexão entre minhas duas ancestralidades no poema não surgiu à toa, visto que foram dois “interiores”, cada um com sua penúria, buscando uma nova vida em uma nova cidade ou país que me trouxeram até aqui. Quando terminei o poema junto com a música eu sabia que ainda faria algo com ele, só não sabia o quê. Então o guardei.

Algum tempo depois, ouvindo a rádio JB FM, tocou a música “Compasso”, de Angela Ro Ro, enquanto eu fazia alguma coisa no computador. Lembro que larguei o que estava fazendo e, já com alguns poemas soltos que escrevi desde o “Memórias”, escolhi o título do que seria meu novo livro de poemas, Variados Poemas. Estreei um novo caderninho de poemas e, a partir dali comecei a escrever intencionalmente para o livro. De início pensei apenas no que eu queria levar para esse livro: ancestralidade e processos de escrita. Eram dois temas que estavam me transpassando com frequência e de forma intensa na época, há uns três anos atrás.

Foram dois anos de escrita. Nem tudo que eu escrevia era pensando no livro — até porque também escrevia crônicas, microcontos, e os trabalhos da faculdade —, mas boa parte dos poemas eu escrevia intencionalmente para ele. Se eu gostasse, guardava, se não, deixava esquecido ou colocava na internet se achasse mais ou menos. Enquanto “Carcará” deu o pontapé para a primeira parte do meu livro sem que eu soubesse, “Compasso” me apresentou de cara a visualização de um livro completo, um livro que não era apenas feito de memórias, mas que unia os vários passados que não vivi com o presente que está constantemente em criação e o devir da potência criativa que é o motor de todo escritor, criador, artista. “Compasso” trouxe a linha que faltava na costura da obra para que eu também me visse representada no que escrevia, sem ser apenas uma narradora de memórias.

Ao buscar espelhar meus processos criativos na minha escrita, senti a necessidade de uma terceira parte no livro, e foi quando comecei a pensar na estrutura que se tornou a forma final: dividido em três partes, com poemas em inglês e português. Sou formada em Letras: Português-Inglês e professora de língua inglesa, o que faz com que eu tenha um grande contato com o idioma e muitas vezes crie textos em inglês por conta disso. Por um tempo estive imersa nos poemas de Emily Dickinson e no livro Walden, de Henry David Thoreau e deles tirei a terceira parte do livro — que, ao organizar as partes, ficou sendo a segunda — e a maioria dos meus poemas em inglês estão nela.

Ancestralidade, natureza e angústia criativa. Essa é a ordem na qual dividi o livro. Nem todos os poemas têm título, então coloquei uma pequena marcação em espiral no fim da página correspondente ao fim de cada poema para marcá-los, mas nada impede que o leitor as ignore e monte poemas novos. Espirais são círculos que voltam a um mesmo ponto por caminhos diferentes, talvez esse movimento possa inspirar leituras.

A capa também foi um processo criativo meu, mas pensada só depois do livro já montado. A lótus, uma flor que cria suas raízes na lama e floresce em água limpa, na cor vermelha é entendida como símbolo da compaixão por algumas culturas orientais. Pintei de forma simples em uma tela com tinta a óleo porque não sou nenhuma profissional de artes plásticas, mas também quis trazer certa simplicidade e autenticidade criando uma ilustração com minhas próprias mãos para o meu livro, como já tinha feito com O Singular do Dual. Penso na compaixão que a natureza tem com seus ciclos e na compaixão que precisamos ter tanto com nossas memórias quanto com nosso presente. De alguma forma a compaixão também transpassa esses versos.

Capa de Variados Poemas

Mesmo depois do livro escrito, ainda fiquei um ano pensando se publicaria ou não e como publicaria. Decidi publicar na primavera desse ano de forma independente pela plataforma da Amazon e da UICLAP, já disponível para todos que quiserem adquirir seu exemplar. Do tanto que todo esse processo me trouxe, desejo que o devir desses versos, desde a capa até a última folha, possa incentivar à busca de possibilidades nos (com)passos de cada leitor. Abaixo, deixo o meu poema “Memórias”, que foi como tudo começou:

Memórias

É o sangue do sertão que corre nas veias

O solo quente e infértil

A memória da fuga pelo sol

Da trajetória errônea que só quem não tem destino sabe viver

 

Aquela memória juntou com a vinha fria da segunda guerra

A benção de comer o que se planta

Mas também não saber como vai ser na próxima estação

 

A memória da roupa rasgada

Da fuga pela promessa de uma nova terra

A junção do imigrante de país com o estrangeiro de cidade

 

Dois interiores que se encontraram

E juntos formaram

O arcabouço de memórias

E as centenas de histórias

Que passaram de parto em parto

Até parirem

A mim

 

Link para o livro na Amazon

Link para o livro na UICLAP

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Carollina Costa é licenciada de Letras: Português-Inglês pela UFRJ e atua como professora de língua inglesa e escritora. É autora dos livros de poemas O Singular do Dual e 30 Dias 30 Poemas. Faz parte do coletivo de escritores Ecos Poéticos.


quinta-feira, 15 de dezembro de 2022

SUSTÂNCIA - SOBRE ENCERRAMENTOS DE TEMPO, POR ROSANGELA MARQUEZI



Foto: arquivo pessoal da autora / 2022.


SUSTÂNCIA/03


 SOBRE ENCERRAMENTOS DE TEMPO


POR ROSANGELA MARQUEZI


Presa em um calendário que não condiz com meu tempo de ser. Eis a sensação que tenho em períodos que antecedem o fim e o nascer de tempos estipulados em folhinhas de almanaque. Em muitos momentos da vida, tudo que eu queria era não ver o tempo passar, nessa marcação arbitrária que inventaram sem nos consultar. Sinto, às vezes, que inícios e finais de tempo são apenas imposições de um sujeito ou de vários sujeitos que, não satisfeitos em simplesmente deixarem a vida fluir, resolveram inventar um calendário e nele nos prenderam.

O calendário não entende (e não aceita) que tem momentos na vida que tudo o que queremos ser é a Carolina, do Chico Buarque, aquela moça que não viu o tempo passar na janela, mesmo que, lá fora, uma rosa tenha morrido, uma festa tenha acabado, um barco tenha partido... Simples assim, como se pudéssemos cruzar o espaço-tempo ao ritmo da canção de Maria Bethânia e Zeca Pagodinho: “Deixa a vida me levar / Vida leva eu / Deixa a vida me levar / Vida leva eu”;

(Mas não! A vida urge urgente e cortante, cheia de rimas engraçadinhas para nos desviar a atenção do incerto mundo aberto!)

E corremos. Como formigas que perderam a direção do formigueiro. E voamos. Como mariposas seduzidas pela brilhante luz que as distraem do seu destino. E isso tudo para que, no dia primeiro de janeiro, novamente nos encontremos na linha de partida da corrida da vida.

Felizes os que conseguem cruzar a linha do tempo e não se quedam ao fim anual da jornada. Felizes os que entendem que calendários são arbitrários e vivem o tempo perfeito do momento presente. Para esses, há esperança. Para os desencantados, não sei...

O que sei é que esta minha rabugice logo passa, pois sei que nada melhor do que um tempo – sim, tempo – atrás do outro, com uma folguinha para respirar, para que tudo volte ao seu (in)devido lugar. E porque sei disso é que lhes digo que esta reflexão não é sobre desesperança, mas esperança-certeza de que, como tão bem ilustrou Heráclito de Éfeso, se ninguém se banha duas vezes no mesmo rio, seremos novas mulheres e novos homens a cada segundo desta vida!!

E isso é transcender a existência! É também acreditar que todos as estações se fazem e refazem dentro de cada um de nós, passageiros efêmeros desse breve espaço-tempo de um bater de asas de uma borboleta que é a nossa história.

Seja feliz!



DICAS DA SUSTÂNCIA


1. Ouça Carolina, de Chico Buarque, e entenda que nem sempre precisamos estar atentos ao passar do tempo! A canção ficou em terceiro lugar no II Festival Internacional da Canção Popular (FIC), em 1967. Ouça AQUI!

2. Leia Como parar o tempo, do escritor inglês Matt Haig. É uma leitura bem instigante sobre a jornada de um homem, Tom Hazard, que, por causa de uma alteração genética, não envelhece da mesma forma que os seres humanos normais. Dessa forma, ele perpassa séculos da nossa história... O livro discute questões como imortalidade e como tudo vai se repetindo neste mundo... Paixões, medos, angústias, guerras. O livro foi publicado aqui no Brasil em 2017, pela Harper Collins. 

Eu fui pessoas que odiei e pessoas que admirei. Fui divertido e chato e feliz e infinitamente triste. Já estive do lado certo e do errado da história. 

3. Ouça a música Sobre o tempo, do Pato Fu, lançada no álbum Foi gol de quem?, de 1995. É uma música que, mesmo não tendo uma letra que nos faça profundamente refletir, nos faz dançar ao sabor do tempo... Uma delícia. Ouça AQUI!

4. Veja o quadro Persistência da memória (1931), do pintor surrealista Salvador Dalí. Se for possível, visite o Museu de Arte Moderna da Nova York (MoMA) e veja-a ao vivo! Se não puder realizar este passeio, a conheça a partir do site do MoMA (https://www.moma.org/collection/works/79018! Com seus tradicionais relógios “derretendo”, a pintura de Dalí traz um cenário onírico, que faz um diálogo, talvez, com a Teoria da Relatividade, de Einstein, além de trazer a ideia de que o tempo passa sem que possamos controlá-lo. É uma pintura que merece ser vista e pensada!

Foto: reprodução da Internet


5. Deguste o poema Seiscentos e sessenta e seis, do poeta alegretense Mario Quintana, publicado originalmente no livro Esconderijos do tempo (1980), no qual o autor traz a ciência da inexorabilidade do tempo...

A vida é uns deveres que nós trouxemos para fazer em casa.
Quando se vê, já são 6 horas: há tempo…
Quando se vê, já é 6ª feira…
Quando se vê, passaram 60 anos!
Agora, é tarde demais para ser reprovado…
E se me dessem – um dia – uma outra oportunidade,
eu nem olhava o relógio
seguia sempre em frente…

E iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas.

6. Leia Em busca do tempo perdido (1913-1927), um clássico da literatura mundial, escrita por Marcel Proust. São sete livros nos quais o autor, a partir de um momento em que degusta uma Madeleine, mergulhada no chá, começa a lembrar da infância e vai nos trazendo uma gama imensa de personagens, que acabam se encadeando em diferentes histórias na França da Belle Époque. No último volume, O tempo redescoberto, o narrador por fim percebe que só poderá trazer o passado de volta a partir de sua escrita, entendendo então sua vocação: escrever um grande romance. Uma das traduções aqui para o Brasil foi feita por diferentes tradutores, entre eles os famosos poetas Mario Quintana (volume 1 a 4); Manuel Bandeira (volume 5), junto com Lourdes Sousa de Alencar; e Carlos Drummond de Andrade (volume 6); O volume 7 foi traduzido pela importante crítica literária Lúcia Miguel Pereira.

7. Corra a uma boa panificadora e coma uma deliciosa Madeleine, famoso biscoito em forma de concha, originário da região de Lorraine, na França.

Foto: reprodução da Internet


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Rosangela Marquezi
[foto arquivo pessoal da autora]
Rosangela Marquezi é professora de formação e atuação, mas aprendente de novos olhares por opção... Nas horas vagas, escreve poemas, crônicas e contos e já participou de coletâneas e antologias no Brasil e também em Portugal.


quarta-feira, 30 de novembro de 2022

ENLUARADAS: A POÉTICA DO ABRAÇO, POR JOCINEIDE MACIEL

Clique na imagem e baixe o I Tomo das Bruxas gratuitamente
 

ENLUARADAS: A POÉTICA DO ABRAÇO NO I TOMO DAS BRUXAS


POR JOCINEIDE MACIEL


O livro I Tomo das Bruxas: do Ventre à Vida, organizado por Marta Cortezão & Patrícia Cacau, é composto por três partes que relacionam às três condições necessárias para a liberdade: meu Corpo, minhas normas, meu Templo Sagrado; Dos Silêncios que ardem no fogo das injustiças e dos Prodígios da Palavra; Da chama Poética que abrasa o ventre Divino das Bruxas.

Ao percorrer a primeira parte da obra, o leitor poderá encontrar diversos eus poemáticos que se embrenham na perspectiva histórica sobre o lugar que a mulher ocupou/ocupa ao longo da história da humanidade, principalmente as mulheres que ousaram sonhar, pensar, e acima de tudo assumiram a autonomia dos seus corpos e de suas vozes “negra índia branca amarela/ sou mulher!/ [...] não me julgue pelo que vê/ ou pelo que tenho na bolsa/ respeite minha identidade biológica ou social/ esse lugar é meu e dele não abro mão!” (CACAU; CORTEZÃO, 2022, p.43).

O encadeamento dos poemas que compõem a segunda parte da obra permitirá o vislumbre da escrita feminina num olhar que transcende: “as obrigações imposta socialmente a mulher” e alcança a magnitude da alma humana, em um envolvente jogo de palavras em que o fazer poético e o existir se metaforiza “[...] Quando eu começar a escrever,/ a mulher que, até um dia,/ pelas janelas olhava,/ abrirá as portas que nunca/ lhes deveriam ter sido fechadas,/ E será, na vida, tudo aquilo/ que um dia havia desejado.” (CACAU; CORTEZÃO, 2022, p. 105).

A última parte do livro finaliza a grande roda, onde cada uma e todas têm o seu lugar, onde os corpos bailam aquecidos em volta da fogueira que elas acenderam para clarear os caminhos e as noites escuras, nos gritos eufóricos por liberdade de expressão, elas se fortalecem na compreensão de que as bruxas nunca andam sós, mas são povoadas por muitas, com diversas paragens, espaços em que a escrita é a única e necessária poção “[...] é tempo de origens/ e coreográficas travessias/ despojadas da carne/ expõe-se às fibras/ e a nada mais” (CACAU; CORTEZÃO, 2022, p. 192).

Destacamos a escrita da poeta, professora, doutora, crítica literária e pesquisadora Elizabete de Nascimento, que nessa coletânea nos agracia com dois poemas intitulados: Promessas do meu Patoá e Essa miserável, uma dobradinha perfeita, que repercute dois pontos essenciais na produção dessa obra de forma geral. No primeiro poema, compreendemos que a vida e a poesia são metaforizados pelo próprio sangue a correr na veia: “[...] Sangue, música torrencial dessa vida dissoluta, minha essência./ Você! Ah, você!?/ Você é minha melhor poesia,/ é quem sustenta as missivas da minha biografia”. (CACAU; CORTEZÃO, 2022, p. 132) e o segundo reúne a força de todas as escritoras que se lançam à escrita, e que em suas condições de poetas anseiam pelo reencantamento do mundo: “[...] Essa miserável, que dá boca e orelha ao papel, que torna público o impublicável/ Ah! Essa miserável, a poeta, ainda tiro-a do anonimato e entrego-a à forca” (CACAU; CORTEZÃO, 2022, p. 133).

Que esse meu eco de leitura encontre com os ecos de outros leitores e promovam um alarde literário a fim de fortalecer, ainda mais, a escrita feminina contemporânea.

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Referência bibliográfica:

CORTEZÃO, Marta; CACAU, Patrícia (Org.). I Tomo das bruxas: Do Ventre a Vida. Juiz de Fora, MG: Editora Siano, 2022.

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Jocineide Catarina Maciel de Souza é Quilombola Pita Canudos, possui graduação em Letras (2009) e Mestrado em Estudos Literários pela Universidade do Estado de Mato Grosso (2014). Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários PPGEL/UNEMAT (2021). Componente do Grupo de Pesquisa em Poesia Contemporânea de Autoria Feminina do Norte, do Nordeste e do Centro-Oeste do Brasil - GPFENNCO-UNIR/CNPQ. Professora de língua portuguesa, atuando como formadora no DRE/CEFAPRO em Cáceres/MT. Bolsista do Programa de Apoio à Pós-Graduação da Amazônia Legal Edital 013/CAPES. Tem experiência na área de Letras, com ênfase em Literatura Brasileira, atuando principalmente nos seguintes temas: literatura mato-grossense, historiografia literária, Literatura de Autoria Feminina, literatura e ensino, letramento literário, literatura afro-brasileiras e Poéticas orais. É membra fundadora (2017) do Coletivo de Mulheres Negras de Cáceres/MT.

 

segunda-feira, 28 de novembro de 2022

LETRAS ICAMIABAS: TUDO FOI VIVIDO, LIVRO NOVO DE MARINA MARINO

 


LETRAS ICAMIABAS|01

Letras Icamiabas do blog Feminário Conexões é uma seção pensada para a divulgação de lançamentos de livros de autoria feminina. A etimologia da palavra Icamiabas, segundo Luis Caldas Tibiricá, no Dicionário Tupi-Português, vem do tupi kama + îaba que significa "peito partido". E, para mim, trazer à luz um livro é também "partir o peito", é também lutar contra as próprias inseguranças e fragmentar-se em pedaços tantos e oferecer-se à contemplação dos olhos leitores que desejem juntar estas partes a suas outras tantas, contruindo novas perspectivas. 


As Icamiabas são citadas no registro de viagem de 1492 do invasor espanhol Francisco de Orellana, quando sua esquadra passava pelo Espelho da Lua, região atual de Nhamundá, no Amazonas. E no relato, o invasor fez uma analogia com as guerreiras gregas Amazonas, e por isso batizou o velho rio das Icamiabas com o nome de "rio novo", Amazonas. Fico imaginando aquelas mulheres indígenas, guerreiras, lutando, apenas de arco e flecha, pela defesa de seu território. É assim que muitas vezes me sinto quando tento publicar um livro no mercado editorial... Acredito que muitas outras autoras também ja tenham se sentido assim ou se sintam assim: lutando para defender o próprio teritório, o livro. O precioso objeto que carrega os sonhos de um corpo sagrado, em luta; que carrega a força e o desejo verdes da pedra amazonita, a muiraquitã. 


Quem abre esta seção é a escritora Marina Marino, com a boa-nova de seu mais novo rebento-muiraquitã Tudo foi vivido. E se você tem o seu livro para divulgar, entre em contato via e-mail martabartez@gmail.com. E agora vamos ler o que Marina tem preparado!


MARINA MARINO anuncia novo livro, TUDO FOI VIVIDO (Scortecci Editora)**


Marina Marino

O lançamento da obra está agendado para 3 de dezembro, das 19h30 às 21h no Espaço Scortecci, em São Paulo / SP

Marina Marino é brasileira, nascida em São Paulo. É pedagoga, escritora e poeta. Também é editora da Voo Livre Revista Literária. Com 11 anos, ganhou o primeiro concurso de poesia, o que a incentivou a trilhar o caminho das letras.

Depois de se tornar professora, passou a escrever mais, escrevia para os alunos. E uma dessas histórias se transformou em seu primeiro livro, mas só foi publicado em 2014, com o título O Mágico que veio de longe.

Ela entende que histórias podem demorar para virar livro, mas a verdade é que depois de publicar o primeiro, não parou mais de escrever. Para o público infantil fez também A menina que sonhava e Uma viagem pelas copas do mundo, além do Almanaque de Parlendas e Trava-Línguas, um livro de colorir.

Mas Marina não escreve só para crianças. Desde que começou a participar de coletâneas, publicou poemas, contos e crônicas voltados para a temática feminina, posicionando-se neste lugar de fala, afinal é mulher, mãe, avó, professora, escritora e tem muito o que dizer em nome desses grupos. Foi por essa razão que, em 2019, juntamente com mais duas autoras, publicou o livro Divas, Mulheres que se Superaram, onde contou algumas experiências transformadoras que teve na vida.

Hoje Marina faz parte de dois coletivos que promovem a literatura contemporânea do feminino, o Projeto Enluaradas e o Elas & as Letras, contribuindo com sua poética de desconstrução de crenças na busca da própria essência.

Agora Marina apresenta o seu novo livro, Tudo foi Vivido - O Feminino Sobre a Terra de contos e crônicas do universo feminino, com lançamento marcado para o próximo dia 3 de dezembro, das 19h30 às 21h, com noite de autógrafos na sede da Scortecci Editora (Rua Deputado Lacerda Franco, 96 – Pinheiros – São Paulo / SP).


A autora espera encontrar você durante o evento para um abraço, além de uma dedicatória no seu exemplar!

Conheça agora o livro TUDO FOI VIVIDO - O Feminino Sobre a Terra, de MARINA MARINO:

Tantas histórias permaneceram escondidas da humanidade, como as deste livro. Histórias que, mesmo tristes e revoltantes, precisam ser contadas.

Com essa leitura, você vai saber que houve um tempo em que as mulheres tinham liberdade, autonomia e viviam em harmonia consigo mesmas, com os outros e com o mundo natural. Porém, um acontecimento inesperado mudou essa condição para sempre. Desde então, as histórias protagonizadas por mulheres passaram a ser cheias de dor, tristeza, violência e preconceito até os dias de hoje...

Nossas protagonistas vivenciaram juntas aquele momento terrível e, após éons de separação, têm agora a oportunidade, através dos laços invisíveis da existência, de se reencontrarem e de se reconhecerem.

Tudo o que foi vivido por elas, no correr do tempo, será revelado neste livro, que conduz o leitor à trilha da ancestralidade feminina, esta que ecoa pelas linhas e entrelinhas costuradas pela autora.

Para falar com a Marina, e ela adora receber feedbacks de seus escritos, você pode encontrá-la nas mídias sociais ou por e-mail:

marina@livrariavoolivre.com.br

Facebook: Marina Marino

Instagram: @marina_revistavoolivre

 

**Texto postado no Blog Vida de Escritor

sexta-feira, 25 de novembro de 2022

AVE, CRÔNICA: VIBRA BRASIL, POR EUNICE TOMÉ

 


AVE, CRÔNICA|06

V I B R A   B R A S I L

POR EUNICE TOMÉ

Hoje estarei indo para a cidade de João Pessoa, na Paraíba, para o V Encontro Nacional do Mulherio de Letras, um movimento de escritoras, editoras, ilustradoras e promotoras da literatura, e que foi gestado em tempos atrás lá e aqui em Santos também. 


A Capital da Paraíba é o ponto mais oriental das Américas, por estar situada na Ponta do Seixas, no extremo do Nordeste, conhecida também como “porta do sol”, por ser onde o sol nasce primeiro no continente americano, além de ser a segunda capital mais verde do mundo.

Praia do Jacaré - Foto do Jornal da Paraíba-11/2022

De 25 a 27 de novembro, a presença feminina estará recebendo essas energias e, ao mesmo tempo, resplandecendo o calor do sol entre tantas mulheres de todo o nosso país, na busca de engrandecer os feitos da escrita nas falas de brancas, indígenas, pretas, em total miscigenação. Para celebrar, uma Coletânea será lançada, com textos em prosa e versos de suas participantes. 



Assistirei ao jogo do Brasil, em sua estreia na Copa, direto de lá. Será uma experiência nova, mas acredito que interessante por mesclar as torcidas de diferentes lugares, em torno da mesma paixão. E isso me faz ampliar a ideia de que uma disputa mundial, como essa, onde estão presentes tantas nações, de várias raças, cores e costumes, pode dar a dimensão de que devemos estar unidos em torno de buscar resultados e na defesa do país.

Em tempos muito ruins de polaridade política, estivemos lutando contra princípios e valores nefastos. O pavilhão nacional sendo apropriado como uma sigla partidária, e agora, fazendo parte de janelas e tremulando nos prédios como símbolo de todos, na torcida pelo melhor desemprenho no futebol.

Bem a calhar essa Copa, e já temos visto aqui na região bairros inteiros sendo coloridos e enfeitados para o grito de gol de todas as gargantas, não importa de onde venha. Na minha memória de adolescente, a Copa do México, em 1970, foi comemorada com muito entusiasmo e a influência foi tamanha, que a partir daí foi criada a comunidade na periferia de São Vicente, como o nome de México 70.

Vamos fazer o mesmo coro e torcer que consigamos nessa edição de 2022, a mesma vitória e sejamos campeões, mas além do melhor desempenho nas quatro linhas do campo, o que mais desejamos é ver unificado o país e todos buscando o melhor resultado na economia, nas áreas sociais, na educação, saúde, meio ambiente e nos esportes.

Esse será o melhor gol e com mais uma estrela brilhando a nosso favor.

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Eunice Tomé é santista, jornalista, mestre em Comunicação pela USP, escritora, poeta, haicaísta e promotora cultural. Possui oito livros publicados, incluindo contos, artigos, crônicas, poesias e haicais. No ano de 2020, apesar e até devido à pandemia, desenvolveu um projeto denominado Sarau em Casa com Pratas da Casa, onde divulgou 80 poetas locais da Baixada Santista, declamando suas poesias e resumindo um histórico. 

quarta-feira, 23 de novembro de 2022

UMA CARTOGRAFIA DA ESCRITA DE MULHERES: ENTREVISTA COM MILENA MARTINS MOURA, POR GABRIELA LAGES VELOSO

  


UMA CARTOGRAFIA DA ESCRITA DE MULHERES |04

ENTREVISTA COM MILENA MARTINS MOURA

Por Gabriela Lages Veloso

Segundo a escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie, “A cultura não faz as pessoas. As pessoas fazem a cultura. Se uma humanidade inteira de mulheres não faz parte da cultura, então temos que mudar nossa cultura”. Diante disso, a literatura manifesta-se como uma importante arma de combate contra as desigualdades de gênero, ao dar voz e poder às mulheres. Na intenção de mapear as margens e abrir espaço para as novas vozes sociais, nossa coluna intitulada Uma Cartografia da Escrita de Mulheres tem como principal objetivo promover a valorização de escritoras contemporâneas, através de entrevistas. Hoje, temos a honra de receber a escritora Milena Martins Moura, uma importante voz para a cultura feminista atual, que ao promover a literatura escrita por mulheres, faz um convite à reflexão e à luta por igualdade.

ENTREVISTA COM MILENA MARTINS MOURA:

Arquivo pessoal da autora

Milena Martins Moura nasceu no subúrbio do Rio de Janeiro em 1986. É poeta, editora, tradutora, além de bacharel, licenciada e mestre em Literatura Brasileira pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Publicou os livros Promessa Vazia (Multifoco, 2011), Os Oráculos dos meus Óculos (Multifoco, 2014) e A Orquestra dos Inocentes Condenados (Primata, 2021), além do plaquete de poesias Banquete dos Séculos (edição da autora, 2021). É editora da revista feminista cassandra e seu selo erótico Héstia e integra as equipes de colunistas da revista Tamarina e de poetas do portal Fazia Poesia. Como integrante da Rede AFETIVA de culturas, iniciativa que reúne revistas e editoras em prol da circulação de arte e conhecimento, organiza eventos on-line e presenciais, principalmente sobre a escrita de mulheres. Tem poemas e contos em portais e revistas como Jornal RelevO, Uso, Subversa, Torquato, Mallarmargens, Ruído Manifesto, Lavoura, Zine Marítimas, Zine Felisberta, Laudelinas, La Loba, Mormaço, Caliban, Desvario, toró, Arara, Alcateia, Kuruma’tá, Aboio, Arribação, Totem Pagu, Granuja (México) e Kametsa (Peru).

Você estuda, escreve e trabalha com Literatura. Como foi o seu encontro com o mundo das Letras?

Acho que sempre conto que meu primeiro grande sonho na vida foi ser astrônoma. Entrar no mundo dos livros foi um grande acaso impensado e nada planejado. Cresci com um avô leitor, o que me fez querer aprender a ler muito cedo. E, por ter uma tia alfabetizadora de crianças, eu realmente aprendi. Antes de ler os muitos livros que tinha, eu brincava com eles, fazia cabana, subia neles e fingia me exercitar. O objeto livro ganhou bem cedo essa ideia de prazer e diversão para mim, Eu sou simplesmente obcecada por livros. E assim da leitura eu cheguei à escrita, também sem querer, incentivada (por livre e espontânea pressão) na escola. Eu sempre fui uma pessoa bastante artística, estudava música, gostava de pintura e desenho, e a escrita então se tornou mais um meio de expressão. Crianças são artistas potenciais com as quais devemos aprender (elas simplesmente fazem a arte, sem especialismos, sem cara de conteúdo, sem nariz em pé) e eu ainda era uma criança neurodivergente não diagnosticada, que não entendia (e muito ainda não entendo) dos ditames de socialização. Muito sozinha, eu me escondia na arte, na pintura, na música, na poesia. Vejo como um caminho quase automático ter trazido tudo isso para minha vida profissional e acadêmica.

Além de escritora, você também é tradutora. A literatura perpassa toda sua escrita ou são linguagens diferentes?

Eu fui uma criança/jovem pobre, de uma família que fez de tudo que pôde pela minha educação, mas que não pôde muito. Nunca tive dinheiro para fazer um curso de inglês, mas sempre amei a língua e quis aprender. Eu pegava músicas e ficava indo e voltando tentando entender a letra, com um dicionário do lado. Na época eu nem sonhava em ter um computador com internet que me proporcionasse pesquisar. Via filmes repetidos com legendas em inglês, séries com closed captions. Tive que correr atrás de métodos para aprender o idioma por mim mesma e acabei criando hábitos que me levaram de cabeça à tradução. E dela à criação no próprio idioma, principalmente nos idos de juventude, com minhas bandas de metal. Sempre compus muito mais em inglês, quase absolutamente. Mais uma vez, não rolou um grande plano de vida: vou ser tradutora, então preciso fazer isso e aquilo. Essa é mais uma parte da minha carreira profissional para onde fui arrastada pelos acontecimentos. E gosto bastante de trabalhar nisso também.

Por que você escreve?

Essa é uma pergunta recorrente e a resposta é: não sei. Só sei que existe algo inquieto que só se acalma assim. Algo faminto, que se debate, que grita. Que implora por nascer. A gente tenta, a gente cansa o queixo, a gente dói o dente, mas não consegue mastigar esse pedaço endurecido de nervo e soluço. Uma hora é preciso cuspir. E esse parágrafo é meio poético demais. Mas o fato é que eu não tenho nenhuma tecnicalidade quando o assunto é escrita. Não vou falar em termos acadêmicos, psicanalíticos, sociológicos sobre por que escrever. Tampouco acredito em musas mágicas e elementos sobrenaturais inspiradores, em ser o canal para a expressão de uma divindade ou do cosmos. Nem oito nem oitenta e oito. Poesia sai da gente, inexplicável porém indubitavelmente. Poesia é tão natural quando uma bola de comida velha embrulhada em saliva cuspida no canto do prato. Isso também é poético.

Quais escritoras(es) te inspiram?

Tantas que, por medo de esquecer alguma, melhor não citar. Só posso dizer com certeza que estou cercada de grandes artistas e me sinto muito honrada de dividir um século e um planeta com eles (desculpe o plágio, Sagan!). Ter como amigas tanta gente foda é de deixar qualquer um feliz.

Conte-nos sobre o seu primeiro livro, Promessa Vazia (2011). Como foi o processo de escrita? Quais temáticas você aborda? Onde podemos adquiri-lo?

Promessa é até então meu único livro de contos. Ele é uma reunião de histórias que versam basicamente sobre solidão, loucura, o que é ou não real, tudo isso resvalando num singelo fantástico que não foi intencional, como tudo na minha vida. Escrevi e reescrevi essas histórias ainda na adolescência, início da vida adulta, bem novinha, numa época que tanto foi de descoberta e abertura de horizontes quanto de sofrimento. O Promessa é um livro esquisito, confesso, mas ainda gosto muito dele. Tem uma parcela grande da minha insanidade naquelas páginas e ainda acho que esse é justamente o seu melhor. Ele está à venda no site da editora Multifoco.

Comente sobre Os Oráculos dos meus Óculos (2014). Qual é o mote desse livro? Onde podemos adquiri-lo?

Os Oráculos foi lançado em 2014, mas contém poemas que datam desde 2009. Ele está completamente tomado do meu período de luto pelo meu avô. Sua caminhada até a morte foi um dos momentos mais tristes que já vivi e Os Oráculos foram meu mecanismo de coping. Ali está a minha saudade, ali está o meu luto. Quase não releio os poemas dessa época, luto arrefece mas não cura. Por isso, é um livro que fica guardadinho no seu canto, que prefiro manter fechado, guardando essas dores antigas. Ele também pode ser encontrado no site da Multifoco.

E quanto ao seu livro mais recente, A Orquestra dos Inocentes Condenados (2021)? Explique o título e suas implicações no sentido/proposta da obra, e onde podemos adquiri-la.

A Orquestra é uma obra bastante diferente das demais. Em primeiro lugar, o poema homônimo foi tirado no corte final, mas o título continuou. É um título que marca duas características claras: a atual situação do país (no caso, no contexto pandêmico da época); e a minha completa capacidade de misturar todo tipo de referência. Isso porque eu gosto de MUITAS coisas diferentes, não faço a mínima questão de ser aquele tipo de escritor hiper-intelectualizado que tem que transcender em tudo. Gosto de sci-fi tanto quanto de ópera e me acabo ao som de Chandelier tanto quanto com um filme de arte escocês. A Orquestra dos Inocentes Condenados, esse título enorme e não muito explicativo, nasceu de uma mistura de referência de Beirut e X Files, uma das minhas bandas preferidas, uma das minhas séries preferidas, cuja ligação entre si é em suma nenhuma. E de fato esse título teve muito a ver com o período pandêmico, em que a falta de gestão e de empatia condenaram tantos inocentes à morte. O livro inteiro é uma grande cusparada de desespero pelos momentos atípicos trazidos pelo isolamento social, em especial na população neurodivergente da qual faço parte. Dentro dessas páginas, tem toda uma sorte de sofrimentos diversos, escritos sem critério, jogados às pressas sobre o papel numa tentativa de cura. Foi um livro escrito completamente diferente do que eu costumo, mais apressado, mais desesperado. Ele pode ser comprado no site da editora Primata ou comigo, ainda tenho alguns.

Fale sobre os seus demais projetos na área de literatura e cultura, como, por exemplo, a revista cassandra.

A cassandra foi criada com o intuito maior de abrir espaço para as artes de autoria feminina. Muitas mulheres têm receio de se assumirem, se dizerem artistas. Muitas não se acreditam ou se aceitam como tal. Mas eu insisto em que toda mulher que deseje seguir a arte e a literatura mereça um espaço que lhe diga: acreditamos em você, gostamos do que você faz e te apoiamos, por isso te publicaremos. Tem muita mina por aí desistindo da arte por falta de apoio, porque precisa colocar o pão na mesa e alimentar a cria às vezes sozinha e isso tira as forças de sonhar. Então, quando a gente diz: sua arte vale a pena, também estamos dizendo um belo você merece. Claro que abrir um espaço de publicação é apenas o mínimo. Apoiar a arte de uma mulher (ou de qualquer artista) é também comprar seus produtos, porque ninguém paga as contas com publicação. Mas se podemos ser um tijolinho a mais na parede da não desistência, se podemos dar esse gás para que escritoras continuem escrevendo, artistas continuem produzindo, então já vale o mundo. Quando criei a cassandra, a primeira coisa que pensei foi que era uma ideia insana, por motivos de saiu da minha cabeça deve ser ruim. Hoje percebo como crescemos, tanto e tão rápido, e o quanto ganhamos a confiança dos nossos leitores e das autoras que nos confiam seus materiais todo semestre. Então acho que esse era um espaço necessário, acho que fiz a coisa certa não desistindo antes de começar. Tem sido puxado, não ganhamos nada, pelo contrário, gastamos, toma tempo, dá trabalho. Mas quando vejo a felicidade das autoras selecionadas, a dedicação das colunistas, quantas nos procuram todos os meses para divulgações, parcerias, resenhas..., eu percebo que foi a coisa certa sim. E me sinto muito feliz por tudo isso.

Mais do que escrever, é necessário fazer ecoar nossas vozes. Aí entram as publicações. Qual é a importância da publicação, para você?

Ao longo da história, e vou novamente tocar no assunto mulheres embora saiba que muitos outros grupos passaram e passam por fenômeno semelhante, escritoras mulheres sofreram com as oportunidades de publicação, sem que isso se devesse à qualidade de sua obra. Quando publicadas, porém, temos relato de muitas que foram laureadas, reconhecidas e aclamadas em vida, porém não passaram para a história, um processo que os estudos atuais vêm chamando “memoricídio”. Esse padrão memoricida mata em morte, é como morrer novamente, porque não ser lembrado é quase não ter vivido. Assim, vão se construindo histórias literárias e panteões canônicos que mais excluem do que englobam, nos quais as vozes femininas raramente estão presentes e que, preguiçosamente, reduplicam os silenciamentos históricos enquanto se atualizam seguindo os mesmos padrões. Tão sabido é que as histórias da literatura que vão surgindo não corrigem os apagamentos das suas antecessoras senão apenas as copiam e inserem novos nomes, quase sempre elencados de acordo com os mesmos embotamentos das anteriores. Com isso, muitas autoras vão ficando desarquivadas, ou seja, não se gera arquivo sobre elas e, por não estarem nas publicações especializadas tampouco serem canonizadas, torna-se impossível conhecer sua trajetória. A publicação é uma forma de gerar arquivo sobre as autoras que estão produzindo e arquivo é memória. Por isso antologias são tão importantes, em especial impressas, pois isso gera um mapeamento da escrita de mulheres produzida na atualidade. Não podemos cometer o erro de deixar nossas autoras desarquivadas, como fizeram os que vieram antes de nós, tornando o processo de dessilenciamento tão penoso e por vezes impossível. Devemos publicar o maior número de mulheres que pudermos, em livros, em antologias, em revistas digitais ou impressas, com sua bio e sua foto, para que no futuro se saiba quem foram, que existiram, que escreveram e o que. Memória é direito inalienável e é nosso dever, como mulheres escrevendo, editando, publicando hoje, preservá-la para o futuro e tirar da sombra as que abriram caminho para que pudéssemos estar aqui.

Como convidada da nossa coluna Uma Cartografia da Escrita de Mulheres, qual mensagem você deixa para a nova geração de escritoras?

Vocês são escritoras e essa palavra não deve ser um peso. Não é arrogância, não é um erro e não é se achar demais. Vocês são escritoras. Escrevam. Vão dizer que é só um hobby, não é. Vão dizer que é só uma fase, não é. Vão dizer que não dá dinheiro..., não dá. rs Ainda assim, escrevam.


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Gabriela Lages Veloso é escritora, poeta e mestranda em Letras pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA). É colunista da Revista Sucuru e do Feminário Conexões, editora do núcleo poético de divulgação feminina Sociedade Carolina e membro do projeto Entre Vasos y Versos, que conta com a participação de escritores de diversas nacionalidades. Além disso, colabora com coletâneas e revistas nacionais e internacionais. Em 2023, organizou a Antologia Poéticas Contemporâneas: uma cartografia da escrita de mulheres, juntamente com a Editora Brecci Books.

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