NAS TEIAS DO POEMA XI: INDOMÁVEL E EFÊMERA CRIAÇÃO DO BICHO-POEMA
Por Marta Cortezão
Poeta não é somente o que escreve. É aquele que sente a poesia, se extasia
sensível ao achado de uma rima à autenticidade de um verso.
{Cora
Coralina}
No episódio anterior, Não somos as mesmas de ontem, falávamos de como os momentos de crise, a duras penas e com as devidas exceções à parte, têm favorecido a criatividade poética, de forma revolucionária e solitária. É evidente o comprometimento vital destas expressões artísticas com a realidade que nos cerca. Nas palavras de Octávio Paz:
Em tempos de crise rompem-se ou afrouxam-se os laços que fazem da sociedade um todo orgânico. Em épocas de cansaço, imobilizam-se. No primeiro caso, a sociedade se desespera; no segundo, se petrifica sob a tirania de uma máscara imperial e nasce a arte oficial. (1982, p.54).
Buscamos mudança e somos parte essencial dela e a linguagem é nossa maior aliada. E o poema é este intenso formigamento de dinamicidade vívida e movente (desejo a ambiguidade mesmo!) de seus inúmeros significados linguísticos. Entretanto, a poesia não é uma arte útil, não é verdade? É uma arte que se serve de farta e predominante Beleza, onde a palavra deambula, insubmissa, pelos vãos da não-existência buscando o afã de um poema. Sua utilidade está nos mundos de dentro, na expressão fundamental da arte que os ávidos olhares contempladores captam do mundo, ou seja, a poesia não tem finalidade alguma, porque sua finalidade é a própria poesia em si, por isso também, única. Mas não leve sua frustação para a vida afora, que ela fique apenas naquele último e suado poema, pois o próprio Paul Valéry já afirmava que “uma obra nunca é concluída, mas abandonada” e que “o poema – (é) essa hesitação prolongada entre o som e o sentido”. Relaxe!
A concepção poética não passa apenas pelo ato da escrita porque é anterior. Há um antes flutuando em uma massa caótica, uma espécie de in illo tempore da criação poética que é inalcançável e imensurável aos olhos da razão... Ela, esta força cosmogônica, está latente nos labirintos interiores conduzidos, à moda de F. Pessoa, por “esse comboio de corda/ que se chama coração”, onde o fazer poético nos reserva laboriosa e efêmera destreza que fenece nada mais nascer a obra, resultando apenas o bicho-poema que “é uma máscara que oculta o vazio, bela prova da supérflua grandeza de toda obra humana” (PAZ, 1982, p. 16). O bicho-poema, tão disforme, volátil e fluido, são os olhos da alma sem pretender sê-lo!
Acredito que não nos basta apenas o ato de construção da escrita. É necessário pensarmos e discutirmos sobre todo o processo que nos acompanha desde que somente a fala já não nos satisfaz como seres no mundo, especialmente o nosso processo “poiético” de criação. O que não se denomina não existe, portanto falemos de literatura de autoria feminina! E, nesse contexto, inúmeras perguntas não cansam de procurar respostas e vice-versa. Ou ainda dúvidas que geram outras tantas dúvidas... Que revolução é essa que tem invadido, diariamente, nossas janelas virtuais nos convidando ao encantamento pelo labor da palavra? O que nos fez remexer nossos “bordados poéticos” e nos vestir de coragem para tecer nosso sudário de palavras mundo afora, seja em obras de coautoria ou obras solo? Como escrevemos? Que liberdade e que sede de palavras fortalecem nosso discurso? É possível relacioná-las com a força que emana das/nas vozes do coletivo? Como a literatura de autoria feminina se apresenta dentro do Projeto Enluaradas? É importante tomar as rédeas de nossa literatura e edificá-la sob bases sólidas, pois há uma “pós-modernidade” demasiadamente líquida para nos despreocuparmos de nosso fazer literário. Lá fora, o mundo é Cérbero, cão de sete cabeças! Mas quem desce ao Averno por gosto, acredita na força da Poesia! Avante!
Neste episódio, com a mediação de Marta Cortezão, estaremos na companhia das poetas:
ANA MENDES é luso-angolana, autora de dois livros (infantojuvenil
e rom. policial) em francês e português; Coautora em 50 Antologias e Coletâneas
na França, Bélgica, Itália, Suíça, Portugal e Brasil. Premiada em concursos,
poesia e contos/2020 & Menções Honrosas 2020 e 2021/ poesia. Acadêmica em
seis Instituições: Brasil/Suíça/Portugal/Itália.
CRIS ARANTES, poeta escritora, compositora, musicista. Tem um
Canal no YouTube: CRIS ARANTES VARAL DE POESIAS.
HELOISA HELENA GARCIA é paulistana apaixonada por pessoas e palavras desde menina, se tornou psicóloga e professora. Seus escritos revelam um tom pessoal, intenso e sensível. Acredita que escrever é mergulhar na experiência de si e de ser no mundo, emergindo sempre mais viva, presente e inteira.
MARTA CORTEZÃO – amazonense
radicada em Segóvia/ ES, é escritora, poeta, ativista cultural, professora,
tradutora. Mantém o blog https://feminarioconexoes.blogspot.com. Participou de
diversas antologias/revistas nacionais e internacionais. Livros de poesia
“Banzeiro manso” e “Amazonidades Poéticas – Cultura e Identidade” (no prelo).
Aguardamos por VOCÊ! Até mais.
REFERÊNCIAS:
PAZ,
Octavio. O Arco e a Lira. Trad. Olga Savary. Rio de Janeiro. Editora
Nova Fronteira (Coleção Logos), 1982.