UMA CARTOGRAFIA DA ESCRITA DE MULHERES |03
ENTREVISTA COM MARGARIDA MONTEJANO
De acordo com a escritora chilena Isabel Allende, “as mulheres foram silenciadas por séculos e só agora, com as conquistas do feminismo e as inevitáveis mudanças na sociedade, elas começam a receber alguma consideração. Custa a uma mulher três vezes mais do que a um homem obter metade do reconhecimento. No meu caso, isso ficou evidente, especialmente no Chile. Ninguém é profeta em sua terra, pior se for mulher”. Diante disso, a literatura manifesta-se como uma importante arma de combate contra as desigualdades de gênero, ao dar voz e poder às mulheres. Na intenção de mapear as margens e abrir espaço para as novas vozes sociais, nossa coluna intitulada Uma Cartografia da Escrita de Mulheres tem como principal objetivo promover a valorização de escritoras contemporâneas, através de entrevistas. Hoje, temos a honra de receber a escritora Margarida Montejano, cujos versos e narrativas são repletos de sensibilidade, reflexão e sororidade.
ENTREVISTA COM MARGARIDA MONTEJANO:
Arquivo pessoal da autora |
Margarida Montejano é natural de Mogi Guaçu (SP), mas reside em Paulínia (SP). Atualmente a escritora e poeta é Supervisora Educacional na Rede Municipal de Campinas. Cursou a graduação em Pedagogia e o Mestrado em Educação, na PUC Campinas, e, o Doutorado em Educação, na Unicamp. Além disso, é Pesquisadora do Loed/Unicamp, e, Produtora do Canal Literário N’outras Palavras – histórias que inspiram, no Youtube. Em 2021, foi Co-Organizadora do livro Cotidiano, Poesia e Resistência, publicado pela Editora Siano. Em 2022, publicou o seu primeiro livro, intitulado Fio de Prata, pela Scenarium Livros Artesanais (SP), e, em seguida, o livro Pérolas do Caminho, na Amazon.
Como você adentrou no mundo das letras?
Gabriela, querida. Antes de dialogar com você nesta e nas outras provocações deste maravilhoso espaço literário, quero agradecer o convite e desejar a você e ao Feminário Conexões, muitos êxitos! Que sua coluna atinja o objetivo maior que é o de ser lida, ressignificada e compartilhada com inúmeras mulheres do Brasil e do mundo. Sobre como adentrei no mundo das letras, penso que as letras sempre estiveram em mim, desde a infância, pelos olhos de minha mãe, primeira leitora e contadora de histórias. Eu era uma ouvinte atenta e curiosa, e fazia perguntas que a ela, talvez, por não ter as respostas, me pedia para ouvir até o fim porque lá, no final, eu entenderia. Não funcionava bem assim, mas ela tentava e conseguia prender minha atenção. Contudo, posso dizer que, foi na adolescência, período em que, por influência de um professor de literatura, mergulhei literalmente nos livros. Devorava os clássicos da biblioteca da escola municipal e, não satisfeita, na época, me inscrevi num clube do livro e recebia livros de bolso, com grandes títulos, pelo correio. Foi uma época mágica, pois tive contato com obras nacionais e internacionais, dentre elas algumas de Machado de Assis, Jorge Amado, Lygia Fagundes Telles, Cecília Meireles, Agatha Christie, Julio Verne, Gabriel Garcia Marques. Dele, faço questão de citar Cem Anos de Solidão, lido em cinco dias. Um livro que me marcou muito, pois trago comigo os detalhes de Macondo, cidade fictícia e a riqueza do real e do imaginário, retratada pelo autor na existência e especificidades humanas, presentes nas várias gerações da família Buendia.
A sua formação acadêmica, na área de educação, tem alguma influência na sua escrita literária?
Sim, com toda certeza. Minha formação acadêmica sempre esteve vinculada à educação pública. Tive o privilégio de receber uma bolsa de estudos no Mestrado e realizar meu doutorado numa universidade pública. Penso que a base político-educacional, que recebi em minha formação, possibilitou-me estar mais atenta à leitura crítica da realidade e, por conta disso, escrever com os pés fincados nos contextos político e social. E, ao mesmo tempo, considerando a licença poética e criativa que a literatura me permite, criar, sonhar e esperançar por tempos melhores, como nos ensinou Paulo Freire. Não consigo escrever descolada da realidade sócio-político-econômica que produz e se alimenta das desigualdades, miséria, violência e opressão. Neste sentido, acredito que, pela educação, com bases numa formação humana que promova o gosto pela leitura e, com isso, a leitura crítica da realidade, será possível construirmos um mundo mais fraterno, mais humanizado e sensível no enfrentamento dos problemas sociais.
Por que você escreve?
Eu diria que escrevo para me libertar de todas as amarras culturais que carrego comigo. A escrita feminina e a esperança são temas que permeiam minhas produções, sejam na poesia ou nos contos. Penso que minha escrita retrata as violências praticadas contra os oprimidos, de um modo geral. Contudo, mais especificamente, contra as centenas de milhares de mulheres que sofreram e sofrem com a violência e o preconceito causados pelo machismo estrutural, presente nas sociedades e que precisam ser enfrentados e combatidos. A escrita é uma ferramenta extremamente necessária e importante para melhorar a elaboração das ideias, da capacidade argumentativa, oralidade e autonomia da pessoa e deve ser estimulada a todos, desde a infância.
Quais escritoras(es) te motivam a continuar sua carreira literária?
São muitas escritoras maravilhosas, que me motivaram e motivam, quando as leio e as releio, vejo o quanto eu tenho a aprender com elas! Interessante que suas escritas me marcaram como tatuagem. Fazem parte de meus poros, de minha pele, de minha essência. De Clarice Lispector, A Hora da estrela, quanta sabedoria na reflexão sobre a vida e a morte! De Lygia Fagundes Telles, a Ciranda de Pedra. Eu era adolescente ainda, quando me encantei com a menina Virgínia, na luta por ser reconhecida! De Adélia Prado, me vem à mente o poema Casamento e a lembrança de que "Coisas prateadas espocam..." Muita riqueza em suas construções poéticas! De Cecília Meireles, o Retrato, muito forte e questionador, me toca lá no fundo: "Em que espelho ficou perdida a minha face?". De Cora Coralina, o poema Das Pedras, quanta aprendizagem em seus versos duros e realísticos. Dói e ensina que viver é lutar. Elisa Lucinda, Djamila Ribeiro e Conceição Evaristo, em luta pela defesa da vida das mulheres e de tantos outros irmãos do caminho. Vidas Negras me importam muito! E, como não poderia deixar de citar, as obras de Isabel Allende me estimulam a crer que é possível outro mundo diferente para nós mulheres, destacando, de sua obra, Mulheres de Minha Alma. De Clarissa Pinkola Estés, Mulheres que correm com os lobos e Angela Davis, é claro, com Mulheres, Cultura e Política. Penso que as escritoras citadas e tantas outras escritoras contemporâneas me convocam à escrita pela história de luta feminina e me lembram, nos lembram, em suas produções, de não esquecermos de nosso valor roubado, sonegado, negado e que a luta deve ser constante pelo lugar social reconhecido a que temos direito. Valiosas contribuições que me ajudaram e me ajudam a pensar e a sonhar com um mundo mais humano, fraterno e solidário para conosco e com todos os outros.
Conte-nos sobre o seu primeiro livro, Fio de Prata (2022). Como foi o processo de escrita? Quais temáticas você aborda? Onde podemos adquiri-lo?
Fio de Prata é, como costumo dizer, um livro-presente, pois tem o encanto das ilustrações confeccionadas pelo amigo e artista plástico, Ruy Assumpção Filho exclusivamente para os contos, iluminado pelos prefácios e posfácios e pelo feitio artesanal da Scenarium livros artesanais, sendo em sua forma costurado com uma fita prateada que se prolonga como um marcador de páginas. Dá para imaginar? É lindo, não deixe de conhecê-lo! Fio de Prata traz, no bojo dos 07 contos, memórias reais e ficcionais projetadas pela literatura em retratos da realidade e da existência, apresentando a mulher como protagonista em sua luta cotidiana pela integridade sócio-econômica e política de sua presença no mundo. Posso dizer que o processo da escrita nasceu sem pretensão literária, contudo fluiu com o desejo de se fazer registro para não se perder as histórias, transformando-se em contos. Neste sentido, bebeu conteúdos em vivências próprias e em histórias/causos colhidos em encontros com outras mulheres que se entregaram à contação de memórias, considerando não perdê-las no tempo. Como já sinalizado, Fio de Prata é permeado pela presença do feminino no protagonismo da menina, da moça, da mulher madura e idosa, todas apresentando seu aporte às lutas na denúncia e no anúncio de novas formas de enfrentamento do machismo estrutural na atualidade. E, se alguém se interessar em adquirir o livro Fio de Prata, na versão física, poderá fazer os pedidos diretamente com a editora Scenarium Livros Artesanais, ou, na versão digital, no site da Amazon.
Além de escritora de contos, você também é poeta. Na sua opinião, existe alguma diferença entre a escrita de prosa e poesia?
Sim, pois ambas as categorias têm forma própria. Na poesia, há ritmos, rimas, métricas... Na prosa não há versos e nem quebra de linhas, contudo em alguns de meus contos subverto a regra, pois, se na estrutura textual meu narrador pensar alto, não hesitarei em inserir um verso em meio à narrativa.
Você pretende lançar também um livro de poesia?
Sim. Já está sendo preparada, para o ano de 2023, uma coletânea de poemas, reunindo temáticas variadas, contudo todas em defesa da vida e da esperança.
Comente sobre os seus projetos na área da literatura e cultura, como, por exemplo, o Canal N'outras Palavras: histórias que inspiram.
Gabriela, além da leitura e da escrita que têm tomado conta de mim nos últimos tempos, outra ação que me é muito cara é a produção de conteúdo significativo à atualidade para o Canal do Youtube, N'outras Palavras - histórias que inspiram. Trata-se de um espaço cultural, sociopolítico e educativo, que nasceu no início de 2020, na época do início da Pandemia da Covid-19. O objetivo primeiro do canal era produzir leituras de contos, fábulas, poesias às pessoas que se encontravam em isolamento social, em especial às que estavam internadas em clínicas de recuperação, asilos e, mesmo em casa, longe dos familiares. Em 2021, o Canal intensificou sua produção e foram criados novos quadros, dentre eles o "Fala Poeta", voltado para a apresentação de poemas enviados ao Canal, com a leitura pelo próprio autor; o quadro "Janela Cultural", onde o autor apresenta seu trabalho destacando a sua atuação no universos literário e artístico; Lives com convidados que tratam temáticas da atualidade e como um espaço de lançamento de livros. No ano de 2022, mantivemos os quadros e criamos mais uma possibilidade de produção de conteúdo, o quadro "Na lata", no qual os convidados são entrevistados com questões atuais e que transitam pelas várias áreas do conhecimento, em especial, as de cunho filosófico-político e culturais. É importante realçar que os conteúdos apresentados no canal dialogam com a música e a arte de modo geral e o objetivo deste espaço de comunicação é apresentar pessoas que produzem educação e cultura na perspectiva da formação humana.
Qual é a importância da literatura?
Quando penso na importância da literatura me vem à mente o poema de Mário Quintana, "Quem faz um poema, salva um afogado". Assim vejo e sinto a literatura. Sua prática representa possibilidades de ampliação do olhar e de perspectiva do sujeito sobre a realidade. De enriquecimento do vocabulário, de elaboração de ideias e de produção escrita, assim como para o desenvolvimento da autonomia e da criatividade. Neste sentido, a presença da leitura desde a infância, ao meu ver, possibilita formar gerações de adultos mais sensíveis e humanizados no desenvolvimento das relações sociais, da ciência, da arte e nos cuidados consigo, com o outro e com o meio ambiente.
Como convidada da nossa coluna Uma Cartografia da Escrita de Mulheres, qual mensagem você deixa para a nova geração de escritoras?
Minha mensagem e desejo para as novas gerações de meninas, moças e mulheres: escrevam. Leiam muito e, em especial, literatura escrita por mulheres. Deixem registradas as experiências de vocês e participem de coletivos femininos. Não desanimem quando tudo parecer aterrador. Lembrem-se das mulheres que as antecederam e se fortaleçam nas experiências de suas vidas, pois somos o que somos por conta delas e das lutas que elas travaram.
Contatos da escritora:
Instagram: @montejanomargarida
Facebook: //www.facebook.com/margarida.montejano
Youtube: //youtube.com/c/NoutrasPalavras
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Querida Gabriela, agradeço imensamente a oportunidade de ser entrevistada por você e compartilhar um pouquinho de mim, nesta coluna do Feminário Conexões, importante espaco de reflexão poética produzida por mulheres. Recebam o meu abraço e o meu desejo de sucesso a todas!
ResponderExcluirAmei a entrevista. Obrigada Gabriela e obrigada a entrevistada Margarida Montejano. Uma alegria e um incentivo a continuar na jornada.
ResponderExcluirExcelente entrevista! Parabéns 👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻
ResponderExcluirParabéns Gabriela por nos proporcionar através desta excelente entrevista, a partilha da trajetória literária da escritora Margarida Montejano que muito nos inspira!
ResponderExcluirAdorei conhecer um pouco mais sobre Margarida Montejano. Parabéns também, Gabriela Lages, pela coluna tão significativa para o Feminário Conexões.
ResponderExcluirEntrevista que muito nos enriquece porque continuamos em movimento com mulheres que escrevem e nos representam.
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