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segunda-feira, 28 de dezembro de 2020

ELES LEEM ELAS: PLATÃO, DIÁLOGO E GEOGRAFIA ESQUECIDA NA POÉTICA DE LUIZA CANTANHÊDE - POR PAULO RODRIGUES


ELES LEEM ELAS/01

PLATÃO, DIÁLOGO E GEOGRAFIA ESQUECIDA NA POÉTICA DE LUIZA CANTANHÊDE

Por Paulo Rodrigues


“pois não sobre o solo se move, mas sobre a cabeça dos homens ela anda”.

(Homero)

 

Pequeno tem origem na palavra latina pittittus ou pittinus. Era usada para designar algo reduzido. Nada no livro “Pequeno Ensaio Amoroso”, de Luiza Cantanhêde, busca a etimologia. São mais de quarenta poemas distribuídos em quatro seções: Ferida, Geografia Esquecida, Somente Boca e o Destino das Cicatrizes. Todas muito bem casadas, reinventando o cordão umbilical da ausência.

A Editora Penalux caprichou na diagramação da obra, que conta com uma tela de Joel DuMara como capa. Luis Henrique comenta na orelha: “circula na areia da poesia de Luiza, uma geografia esquecida, que nos faz lembrar o pulso da vida”.  Tudo nos versos desta poeta potente aumenta a pressão das sensações, no leitor.

O primeiro poema (Por Dentro, os Girassóis) demonstra a capacidade que ela tem de tocar a pele da palavra:

 

Voo para dentro

e fecho as janelas.

 

Amanhã acenderei

o candeeiro.

 

Permanece

o silêncio que nada

pergunta e nunca

se espanta.

 

Colherei

todos os girassóis

que não se despediram

de mim.


As imagens conversam com a dor, na porta da casa. O silêncio não se espanta com o acúmulo dos sacrifícios. Nem reconhece a luz do intangível. Parece com ela e com todos nós. Uma das características da poética de Luíza é este diálogo profundo com a humanidade. Parece que ela fundou sua própria religião. Tem valores, gestos, certezas salvadoras.

Finaliza o texto como se quisesse tampar um vulcão: “colherei/ todos os girassóis/ que não se despediram/ de mim”.

Eu disse na apresentação do “Pequeno Ensaio Amoroso”: “a poeta explora agora um tema pouco trabalhado em “Palafitas” e “Amanhã, Serei uma Flor Insana”, que é Eros”. Confirmo, pois com um aforismo dos romanos: verba volant, scripta manent.

Os muitos mitos do amor são refeitos pelas revelações dos versos da Luiza.

Parece uma tradução poética do diálogo o “Banquete”, de Platão. Faltam os personagens do simpósio, mas não faltam as indefinições das mãos que se foram. As sombras no sonho das manhãs. As corredeiras na reflexão. As perguntas no vácuo. O amor está bastante acima da ascese de Diotima de Mantinéia como podemos comprovar em Via Láctea:

 

O que

se perpetuou

primeiro?

Tuas asas saltando

abismos ou o instante

que aprendi a voar?

 

Dize-me: em que céu

fizeste teu exílio?

 

Estou indo com as mãos

carregadas de estrelas.

 

São páginas que fazem o tempo valer tanto quanto as dores do barranco. Luiza Cantanhêde apresenta o exílio do ser amoroso. Indaga-se. Não se contém. Volta como um Orfeu “com as mãos carregadas de estrelas”. São muitas ‘plantações de horizontes’, na escrita agressiva, que ela sustenta e amadurece.

Enfim, a ‘geografia esquecida’ ajuda desenvolver o tema. No entanto, não sintetiza o distanciamento da ferida. Há um exercício de tocar o machucado, na poesia da Luiza Cantanhêde.




 

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