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domingo, 18 de maio de 2025

POESILHA, DOS PEQUENOS TRATADOS DO COTIDIANO, DE DALVA LOBO

POESILHA: UMA VIAGEM POÉTICA DE REDENÇÃO

Por Marta Cortezão[1]



[1] Para contratar resenhas literárias entre em contato via e-mail martabartez@gmail.com

 

quero encontrar a ilha desconhecida, quero saber quem sou eu quando nela estiver, Não o sabes, Se não sais de ti, não chegas a saber quem és

(José Saramago, O Conto da Ilha Desconhecida)


Capa livro Poesilha / Arquivo da autora
A leitura de Poesilha: dos pequenos tratados do cotidiano, de Dalva Lobo, conectou-me com a “ilha desconhecida” de Saramago. Na citação acima, temos um diálogo do homem que solicita um barco ao rei e a mulher da limpeza que toma a decisão de seguir seu destino, em busca da ilha desconhecida. A mulher que limpava o palácio, abria as portas, fez a sua escolha:

Pensou ela que já bastava de uma vida a limpar e a lavar palácios, que tinha chegado a hora de mudar de ofício, que lavar a limpar barcos é que era a sua vocação verdadeira, no mar, ao menos, a água nunca lhe faltaria. O homem nem sonha que, não tendo ainda sequer começado a recrutar os tripulantes, já leva atrás de si a futura encarregada das baldeações e outros asseios, também é deste modo que o destino costuma comportar-se conosco, já está mesmo atrás de nós, já estendeu a mão para tocar-nos o ombro, e nós ainda vamos a murmurar (...)

Essa busca necessária e humana pela sabedoria que está nas pequenas coisas da vida, no cotidiano, é o que de fato nos faz abrir os olhos para o que a vida nos ensina. Para Sócrates, “só é útil o conhecimento que nos torna melhores”. Eis a essência da busca pela “ilha desconhecida” que também verseja na poética de Dalva Lobo.

No prefácio, Vanderlei Barbosa, afirma que a literatura de Dalva Lobo “aguça os cinco sentidos: amplia a visão, dilata as pupilas, provoca aromas, oferece sabores, toca corpo-alma” (p.11). É um tratado de celebração da vida onde se pode escutar a melodia de fundo que inspira a alma a seguir a viagem, porque “é necessário sair da ilha para ver a ilha, que não nos vemos se não nos saímos de nós, se não saímos de nós próprios”. Assim que o poema-convite convoca:

ESTÁ ABERTA A SESSÃO! (p.15)

Que entrem os loucos, os poetas e os errantes.

E se algum bêbado quiser, que entrem também e se embriague,              

               de vinho, de poesia e de tudo o que for bom para

               a alma.

E os “cansados do ócio amargo” de Mallarmé,

                sentem-se à mesa com Rimbaud, Pessoa, Rosa,

                Leminski e outros.

A quem tem sede, sejam servidas taças de vinho,

A quem tem fome, uma lauta refeição ao gosto poético,

Neste banquete há lugar para todos,

Desde que loucos, poetas e errantes, 

                Porque neles reside a sabedoria de quem ama a vida,

                a beleza e a virtude!

                                                  Um brinde!

Contracapa Poesilha
Arquivo da autora
Há lugar para todos, mas é preciso estar faminto e sedento pelo novo, pelo diferente, pela pluralidade e, especialmente, desvencilhar-se das amarras do egoísmo para ter olhos fidedignos e enxergar, com coerência e ética, “a beleza e a virtude”. A poética de Poesilha é uma viagem de redenção. Há uma Ítaca perdida dentro de cada um de nós. Enfrentamos diariamente toda espécie de obstáculos para encontrar nossa Ítaca, somos o fiel arquétipo do errante Ulisses nos enfrentando aos próprios monstros marinhos, criados pelo próprio medo que nos impede de enxergar o desconhecido. E quantas vezes nos perdemos da rota? E quantas vezes a ilusão da falsa felicidade nos desvia do que, de fato, nos é essencial para a vida? Por que desviamos o olhar dos olhos que refletem a nossa própria existência?

Poesilha (p.19)

Na poesilha encontrei um espasmo de luz e uma conta feita

das pérolas dos olhares sem fim.

Foi suficiente para desfilar na passarela da vida.

Um brinde à vida, ao amor, à amizade, aos desafios.

Um eterno brinde ao brilho que reluz de cada olhar.

2ª orelha de Poesilha
Arquivo da autora
Tudo o que precisamos para enfrentar os obstáculos da viagem está dentro de cada um de nós. E não adianta fugir às tempestades, aos maremotos, se são eles que ensinam como lidar com a noite que “chega para todos”, mas “a tela, / plácida, espera o toque que virá / quando a noite findar // Serão os dedos, os pincéis. / E a paleta de cores, / a vida mesma”.  E há sempre uma aurora trazendo a celebração de um novo dia! Há que aceitar as fraquezas e vestir-se com a força que vem delas, pois a “vastidão que nos cobre como um deserto, / faz-nos inocentes de nossos crimes não cometidos (...) // Fugimos, então às nossas regras, tentando não perceber / que nos tornamos cúmplices de nós mesmas no momento em / que nos deixamos envolver pela doce sensação da liberdade que, / num átimo de segundo, / transforma-se em vastidão!”.

Desistir da viagem nunca será a solução. A solução é atender o chamado de olhar para dentro de si e seguir em busca da “ilha desconhecida”, porque “entre mim, meu corpo e a Via Láctea / [todo caminho é possível]”. Faça chuva ou faça sol, “entre as pedras existem vários caminhos / e nós escolhemos, sempre”, porque viver é tomar decisões, é sair do palácio, como a “mulher da limpeza”, que escolheu o seu barco para ir em busca da ilha desconhecida e não titubeou em revelar-se ao desconhecido:

A mulher da limpeza não se conteve, Para mim não quero outro, Quem és tu, perguntou o homem, Não te lembras de mim, Não tenho ideia, Sou a mulher da limpeza, Qual limpeza, A do palácio do rei, A que abria a porta das petições, Não havia outra, E por que não estás tu no palácio do rei a limpar e a abrir portas, Porque as portas que eu realmente queria já foram abertas e porque de hoje em diante só limparei barcos, Então estás decidida a ir comigo procurar a ilha desconhecida, Saí do palácio pela porta das decisões,

Dalva Lobo
Arquivo da autora
A mudança é um processo invasivo, mas necessário para nossa própria evolução. Entender nossos processos sem ter todas as respostas é o mais normal do mundo, porque ninguém tem todas as respostas: “Não responda, não tenha pressa, / O tempo é um caos e o caos é o silêncio que grita sufocado” dentro de nós para nos fazer seguir adiante, mesmo com o medo por fiel companheiro. A poeta convoca os acomodados à ação:

Os acomodados que se mudem (p.36)

 

Mudem de alma,

Mudem de pele.

 

Mudem de casa,

Mudem de planeta.

 

Apenas mudem.

 

E se não for possível mudar

de alma

de pele

de casa

de planeta

Mudem apenas o desejo de mudar,

Sabendo do risco perene das mudanças sem fim a que estamos,

graciosamente, condenados.

Arquivo da autora
E com o passar do tempo, aquelas mudanças tão temidas se tornam nossos melhores acertos, são elas que florescem no desértico barco que cruza o infinito em busca da ilha desconhecida, a que habita em nós, os próprios sonhos, os próprios desejos, o próprio humano ser em processo de conhecimento contínuo. Somos o barco vagando no infinito, enfrentando as tempestades, mas também disfrutando da paleta de cores da vida, porque durante o percurso da viagem, o próprio barco se fez ilha conhecida, floresceu, deu frutos, se fez terra vistosa e à vista dos que nos acompanham na viagem, como no conto da “Ilha Desconhecida”, onde a caravela transformou-se numa “floresta que navega e se balanceia sobre as ondas, uma floresta onde, sem saber-se como, começaram a cantar pássaros, deviam estar escondidos por aí e de repente decidiram sair à luz, talvez porque a seara já esteja madura e é preciso ceifá-la.”. Tudo o que precisamos está dentro de nós, pois somos uma imensidão divina, ainda quando tudo for deserto, haverá o cacto e haverá a beleza da flor para colorir a imensidão nos tons de rosa:

Despedida de Poesilha (p.50)

Às vezes povoamos o deserto

Outras vezes, ele nos povoa.

Não sei exatamente porque essa imagem está em minha mente

Suspeito que há um deserto sondando

                     a existência e imprimindo sua marca.

Mas o rastro não se apagará quando dançar ao sabor do

vento,

porque o vento também, meu amigo,

                    habita o deserto e passa por ele, assim

                    como a chuva e o sol.

Só tenho certeza de uma coisa:

O sol, a chuva e o vento que passam por este deserto

Têm a certeza secular de que marcas impressas,

                     ainda que estejam sob a força da

                     natureza, permanecem.

Por isso, não nos esquecemos jamais de quem amamos

Nenhuma distância é suficiente para apagá-la de nossa vida.

O tempo é testemunha,

Mais do que remédio, ele nos lapida a alma.

Poucas pessoas deixam marcas tão enraizadas.

                       Pouquíssimas deixam rastros indeléveis.

 A natureza que cumpre seu ciclo.

O rastro,

O raso,

O profundo.

Tudo é deserto agora,

Mas no deserto também floresce o cacto

E entre seus espinhos

                     a flor delicada colore a imensidão de rosa.

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Para adquirir o livro Poesilha basta entrar em contato com a autora através de suas redes sociais ou pelo email dalvalobo48@gmail.com 

LOBO, Dalva. Poesilha: dos pequenos tratados do cotidiano. Juiz de Fora (MG): Editora Siano, 2022.

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Arquivo da autora
Dalva Lobo, doutora em Letras pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM) e Pós-Doutora em Literatura Brasileira pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), tem poemas publicados na Coletânea Enluaradas II Uma Ciranda de Deusas; na Revista Literária "Travessias Literárias, no Facebook; no blog 'Feminário Conexões' e no 'Banzeiro Conexões'. Participou do canal N'outras Palavras (Youtube) com seus poemas e prosas poéticas e do I FLENLUA- Festival literário. Autora da obra "Catatau: dos labirintos da linguagem à criação de ambiências sonoras", é membro da Academia Lavrense de Letras (Lavras-MG). A paulistana, que reside atualmente em Lavras-MG, leciona na Universidade Federal de Lavras (UFLA) onde coordena o Grupo de Pesquisa Intersignos (Literatura, Linguagem, Tradução Intersemiótica e Formação Docente). É membro do GEP Teoria Crítica e Educação (UFSCar/UFLA), e sua pesquisa visa ao diálogo entre a literatura, as poéticas da linguagem e as performances de leitura. 


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