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domingo, 17 de janeiro de 2021

A ESCRITORA POR TRÁS DA PERSONA: ENTREVISTA COM LETÍCIA LANZ, POR ROBERTA GASPAROTTO


A ESCRITORA POR TRÁS DA PERSONA
/03

A ESCRITA É A MAIS FUNDAMENTAL EXTENSÃO DE MIM MESMA

ENTREVISTA COM LETÍCIA LANZ

POR ROBERTA GASPAROTTO


O que eu penso, o que eu faço / de onde vim pra onde vou/ é no outro que eu traço / o perfil do que sou”.

do livro Eu, Comigo, Aqui e Agora, de Letícia Lanz (Geraldo Eustáquio de Souza) 


Esses versos são de Letícia Lanz que, como psicanalista, sabe que o outro tem importância fundamental, e fundante, em nossa vida. Não se trata de submeter-se ao outro, a questão é que, querendo ou não, nos construímos e constituímos sob esse olhar. E se é uma coisa que essa escritora e psicanalista mineira de setenta anos de idade e radicada em Curitiba, entende, é exatamente desse olhar que tantas vezes a fitou com espanto ou desdém. 

Letícia tem uma trajetória tanto fascinante quanto difícil. Nasceu Geraldo, em família muito católica, onde ela mesma diz “o diabo tinha muito prestígio lá em casa”. As brincadeiras típicas de menino lhe entediavam, e as de menina, ao contrário, a fascinavam. Sofreu muito por ser impedida de dar vazão aos seus desejos de criança. “Pecado, menino, honre o que você tem entre as pernas”. Aos cinquenta anos de idade, deu início ao processo de transição de gênero. Letícia se define como uma mulher trans lésbica, pois sempre teve atração por mulheres, de forma que continua casada com a sua companheira, mãe dos seus três filhos, com quem está junto há 44 anos. Quando perguntei a ela como se sentia quando pensava no seu passado como Geraldo, ela me disse: “penso em uma ausência. As pessoas confundem escolha com identificação. Escolha implica em existência de alternativas, e identificação, em modelo de referência. Ser uma pessoa transgênera não é uma escolha, mas algo que você se identifica e passa a ser você.” E segue: “infelizmente, a mesma estrutura hierárquica e de privilégios que existe dentro da sociedade, nós vemos nos movimentos identitários, que ainda são extremamente binários e sexistas. Muitos acham que para ser mulher, é preciso fazer uma cirurgia, retirar o pênis. Como se isso determinasse o gênero da pessoa. As pessoas confundem sexo com gênero. Identidade e expressão de gênero vão muito além do órgão genital”. 

Por perceber que o enquadramento de gênero é a base que constitui a sociedade, Letícia faz questão de aprofundar e divulgar seus estudos nessa área, o que lhe rendeu um livro, que se chama “O corpo da roupa”. Essa obra é fruto de um mestrado que a escritora fez em Ciências Sociais. Seu livro é o único, em língua portuguesa, de introdução aos Estudos Transgêneros. Questionada a respeito do título, diz: “na nossa sociedade não é a pessoa que tem a roupa, é a roupa que tem a pessoa. Uma espécie de camisa de força”.

Ainda como Geraldo, publicou uma trilogia de livros de poemas. Letícia vê a escrita como seu principal canal de expressão e como uma forma de estar sempre construindo novos sentidos e significados para o que percebe e o que lhe acontece. A única coisa que a angustia na escrita é quando não consegue achar a palavra adequada para o que quer expressar, conflito de toda escritora ou escritor, diga-se de passagem.

Por outro lado, Letícia sabe que as palavras, muitas vezes, só vêm depois. Há sempre um hiato entre elas e nós, que se chama vida.


Jornada

Para ouvir o podcast dos poemas, clique AQUI.


Às vezes bate uma ideia de desistir.

Então a gente para, põe o sonho de lado

e fica por aí pensando e sofrendo.

Mas não é por muito tempo não.


Qualquer coisa da estrada

passarinho flor montanha nuvem

o menino que nos acenou sorrindo

esperança à toa que seja vira roteiro de viagem.


Precisa ver os olhos brilhando com que partimos

mochila nas costas cantando o sol e a sede

prazer e cansaço de quem caminha sempre em frente

em direção de algo mais além de nós mesmos

de nossos desejos, medos e frustrações

Porque é para lá que estamos indo

- é só para lá que sabemos ir

Passos de uma caminhada

que nenhum de nós sabe quando começou

nem quando terminará.

***


Eu Prometo

(Para Angela)


Eu prometo não te prometer nada

Nem te amar para sempre

nem não te trair nunca

nem não te deixar jamais.

Estou aqui, te sinto agora

sem máscaras nem artifícios

e enquanto for bom para os dois que o outro fique.


Nada a te oferecer senão eu mesmo

Nada a te pedir senão que sejas quem tu és

a verdade é o que de melhor temos para compartilhar.


Tuas coisas continuam tuas e as minhas, minhas.

Não nos mudaremos na loucura de tornar eterno

esse breve instante que passa.


Se crescemos juntos

ainda que em direções opostas

saberemos nos amar pelo que somos

sem medo ou vergonha

de nos mostrarmos um ao outro por inteiro.


Não te prendo e não quero que me prendas

Nenhuma corrente pode deter o curso da vida

nenhuma promessa pode substituir o amor

quero que sejas livre como eu próprio quero ser.

Companheiros de uma viagem que está começando

cada vez que nos encontramos novamente.

***

Um pouco mais sobre Letícia Lanz: Mestra em Sociologia, Psicanalista e Especialista em Gênero e Sexualidade. Fundou o Movimento Transgente, que congrega hoje uma parcela bastante representativa da população transgênera do país. Mantém, desde 2006, o “Arquivo Transgênero” (leticialanz.blogspot.com), um dos sites mais acessados em língua portuguesa para informações, suporte e ajuda em questões transgêneras, expressão de identidades gênero-divergentes e diversidade de gênero. Em 2013, tornou-se a primeira pessoa a receber o prêmio Cláudia Wonder, concedido por Entidades de Defesa das Pessoas Transgêneras do Estado de São Paulo, como foi também, em 2014, a primeira pessoa transgênera a obter o grau de Mestre pela Universidade Federal do Paraná.   Como palestrante e professora convidada, tem participado de Congressos e Seminários por todo o país, ministrando cursos e proferindo palestras em Universidades, Escolas, Empresas, Entidades e Organizações não-Governamentais, expondo e debatendo questões relacionados aos Direitos Humanos, à Diversidade Sexual e de Gênero, aos Estudos Transgêneros, à Psicanálise e pessoas e ao Resgate e Defesa dos Direitos Civis das Pessoas Transgêneras em nosso país. Criadora da Companhia Paracrescer, instituição sem fins lucrativos que há mais de 30 anos divulga e estimula programas de Crescimento e Desenvolvimento Pessoal. Adora família, casa, cozinhar, arte, fazer artesanato, livros, música, tocar violão, cantar, flores, montanhas e gente. É também música, webmaster e webdesigner.

Os livros de Letícia Lanz estão à venda exclusivamente no Mercado Livre. Para acessá-los, clique AQUI





sábado, 16 de janeiro de 2021

Do outro lado da vida-Deusa Alada



Por Janete Manacá


Para ouvir o podcast clique AQUI.


"À Ana de Paula Silva, minha primeira

Deusa Alada, sonho, inspiração, mãe amada, 

rainha de todos os tronos desta efêmera existência. 

Meu amor em demasia, minha eterna poesia" 


O sol distraído ainda dorme 

O cheiro de café invade o quarto 

É tempo de colheita 

A vida não pode esperar


Ela segue na frente 

Com a bravura de uma rainha 

E leva consigo uma sacola de poesia 

Escrita na solidão dos seus dias 


A rotina das frias manhãs é entediante 

Estradas lamacentas ou empoeiradas 

Não tem atrativo quando o corpo tem sono 

Os pés feridos sangram na marcha repetitiva


Coração de mãe só pode ser de aço 

Para suportar tanta responsabilidade e cansaço

E ter força para entoar cantiga de ninar ao fim do dia 

Para com muito amor adormecer suas crias 


Rotina para ela é poesia tecida de espinho 

Cicatrizada fica anestesiada e já não dói 

Nem é preciso ter cuidado, é só assimilar o jeitinho 

É demasiadamente sábia nas tarefas de cada dia 


Seu choro silencioso é cantiga de superação 

Mãe não demonstra a dor que sangra seu coração 

Filhos têm fome, sede, dor e não sabem esperar 

Atenta, ela entende e não deixa de estender a mão 


O tempo passa indiferente à dureza

Seu corpo curva-se para o chão 

Quando menos se espera ela volta para as estrelas

E os filhos choram sem direção


A poética agora é de saudade 

Mas à noite quando se olha para o céu

É possível ver uma rede de luz estelar 

Balançando com muito amor o seu sono imortal


MANACÁ, Janete. Deusas Aladas. Cuiabá: Espaço Criativo Flor de Lis, 2017.


 



quinta-feira, 14 de janeiro de 2021

Dona Elvira




Para ouvir o podcast clique AQUI.

Ela se foi tão inesperadamente
E não houve tempo para adeuses
E agora anda-se 
Pelos cantos de nossa morada
Para ler as marcas 
Da sua ausência-presença

E existem coisas
Não recolhidas
Livros ainda abertos
Pertences soltos
Perfumes no ar
E pequeninas vaidades
Que ficaram, ali,
Como a esperar
Que contemos suas histórias

É assim mesmo!

A saudade vai tomando conta de tudo
Até que o simples cantar
De um pássaro
Num fim de tarde
Vai provocar lágrimas

O cheiro de comida deliciosa
Vai lembrar bons momentos

Uma data
    Um aniversário
       Uma comemoração
          Uma surpresa
             Uma viagem
                Uma foto
                   Um mimo

Tudo vai ficar
Bem vivo na memória

E a saudade, dona de tudo,
Vai passear lentamente
Nas terras 
Onde ninguém andou…

E a saudade, dona de tudo,
Vai lembrar, sempre,
Que essa dor não vai passar
    Dias
      Meses
         Anos
Serão um mero detalhe
De uma história
Que começou agora
E não terá fim

A saudade agora escreve
A segunda parte da minha história
Sem a presença física
De Dona Elvira, minha mãe!

(15/08/2020)




 

domingo, 10 de janeiro de 2021

A ESCRITORA POR TRÁS DA PERSONA: ENTREVISTA COM CIDA AJALA, POR ROBERTA GASPAROTTO


ENTREVISTA COM CIDA  AJALA/02

MEU TREM BALA NÃO PARA

POR ROBERTA GASPAROTTO


No meio da conversa com a compositora e escritora paulista, Cida Ajala, lembrei daquela frase de Clarice Lispector: “eu tenho medos bobos e coragens absurdas”. Conversamos durante mais de uma hora por vídeo, Cida estava linda, toda de vermelho, incluindo batom, chapéu e esmalte. “Amo vermelho”. Não é para menos, vermelho é a cor que mais simboliza a vida, e se tem algo que essa bela mulher de sessenta e nove anos tem de sobra, é uma enorme vivacidade. 

Cida cresceu em uma família de músicos, de modo que desde quando se entende por gente, esteve cercada por instrumentos. Com seu tio, muito pequena aprendeu a tocar violão. E depois, viola, e depois, harpa. Aos doze anos, compôs sua primeira letra de música, para o seu então namorado, que viria a se tornar marido. 

Para ela o processo de escrita e o arranjo da melodia, acontecem  simultaneamente. À medida que escreve, a melodia ganha forma e a música é composta. Na sua concepção, escrever é uma forma de louvar e agradecer a Deus, por isso, suas letras sempre tocam em temas pungentes, como a natureza, os animais e o amor.

A vida de shows começou quando tinha  cinquenta e nove anos, e de lá para cá, não parou mais. Cida e sua banda percorrem várias cidades, em especial, interior de São Paulo e Mato Grosso. Canta todos os estilos, mas seus xodós são o sertanejo de raiz e a música latina. Um momento de grande emoção foi apresentar-se na famosa festa de Barretos, "meus músculos pulavam igual pipoca". Em todas as apresentações, canta um hino de louvor a Deus. Costuma cantar “Quão Grande és tu”. Nesse momento, muitos da plateia se emocionam. “Certo dia, após um show em minha cidade, um homem grande, forte e todo tatuado, veio falar comigo... Parecia um bebê chorando, ficou muito emocionado”. 

Para essa mulher de ideias fervilhantes, nem a pandemia foi motivo de calmaria: idealizou e pôs em prática o projeto Musicando sua Poesia, com a presença de dezoito escritores. Para ela, a maior alegria foi perceber o contentamento dos participantes ao verem seus poemas transformados em linguagem musical. Um deles, começou a dançar, tamanha era sua alegria. Outro projeto realizado durante a pandemia é o “live em família”, onde as pessoas a contratam para cantar músicas que gostam. Um  sucesso garantido é a música “beijinho doce”. Casais dançam, se abraçam, rolam beijinhos pra lá e pra cá. 

Perguntei sobre algum momento especial que a marcou, “ foi num encontro, lá no Ministério da Música, em Jaciara, no Mato Grosso. Chegando na igreja, havia na porta alguns moradores de rua. Um deles, me vendo com violão, disse que já tinha sido maestro e perguntou se poderia tocar. Ele não só tocou belamente, como me emocionou profundamente. Após, fui fazer meu show dentro da Igreja, e no meio da apresentação, vi um homem bem vestido, sorrindo para mim. Ao final, fui até ele e, para minha surpresa, era o maestro que, horas antes, estava na porta da Igreja. Esse encontro marcou  a minha vida”. 

Ao final da nossa deliciosa conversa, Cida me presenteia, cantando a música “Aleluia”. Momento divino! E eis que, esse mulherão que parece não ter medo de nada, me faz a seguinte revelação: “tenho medo do escuro, e sempre durmo com uma luzinha ligada”. Gente de verdade, é assim, tem medos bobos, e coragens absurdas!  

Sua frase: “para Deus, nada é impossível, tem que sonhar, acreditar, ter fé e agir”. (Lucas I, 37)


FILHO DA NATUREZA 


Gosto de viver nos campos

Ouvindo o cantar dos pássaros 

Gosto do amanhecer

Sentindo o cheiro de mato


Gosto de ver animais

Estrelas noites de luar

Gosto da brisa da noite

E do sol quente que esquenta a gente


Gosto de dormir tranquilo 

Ouvindo o cantar dos grilos

Gosto do alvorecer

Olhando tudo florecer


Gosto das águas dos rios

Que correm calmas cristalinas

E ver as plantas brotando

Nos campos e nas colinas


Amanheço e anoiteço 

Sempre com muita alegria 

Trabalho todos os dias não sei o que é monotonia


Olho o sol nascer sozinho 

E a noite que vem de mansinho

E a chuva que cai no chão 

É uma benção para plantação 


Eu gosto tanto de viver

Em contato com a natureza

No meio de tanta beleza 

Eu nunca sei o que é tristeza


Não me importo 

Que me chamem

De caipira ou bicho do mato

Somente afirmo com certeza

Sou filho da natureza. 


***


NOSSA HISTÓRIA DE AMOR


Quando eu te conheci

Foi num domingo

Bem no cinema

Eu fui te encontrar

Você olhou para mim

E eu fiquei

Apaixonada a te esperar


Então o filme iniciou

E sorridente me perguntou

Posso sentar-me 

Aqui do seu lado?

Já tem alguém? Ou está ocupado?


E o corpo tremia!

O que dizer não sabia!

E foi tanta emoção!

Ao pegar minha mão!

Nosso primeiro beijo!

Foi no portão ao luar!


O Cine Presidente 

Foi que marcou

Lá nossa história

Iniciou

Depois desse namoro

Veio o noivado

E o casamento

Tão esperado


Aí depois dessa união

Vieram os filhos

Netos que bom

Foi se formando 

Minha família

Cheia de amor e alegria


E o tempo foi passando

E a juventude acabando

Mas nós dois bem juntinhos

Como sempre se amando


Agora infelizmente 

Foi para sempre

Está no céu a me esperar

Nossa História de Amor...

Nunca irá se acabar...


ESTA SOU EU, por Cida Ajala:

Maria Aparecida Ajala Jesus, nome artístico Cida Ajala, cantora, compositora, integrante da Orquestra de viola Caipira, do Prenap,  filiada a Associação Prudentina dos escritores-APE, participante do Coral Santa Rita. Já se apresentou em grandes shows como, por exemplo, Barretos, 3°Festival de Chamamé, com as Galvão, Perla Paraguaia entre outras. Cida Ajala recebeu várias homenagens e premiaçãos como compositora: Nevado de oro da Argentina e também, no Brasil: arte em movimento, prêmio Benjamim Resende, Compositora Revelação entre outros.  Algumas de suas particularidades: não dorme no escuro,  tem muita fé e  é orante!  Todos gostam de suas esfihas, em especial os filhos e netos. Ama laranja e tomate e acredita que com Deus tudo na sua vida sempre  dá certo!


quinta-feira, 7 de janeiro de 2021

LIVROS & ENCANTAMENTOS: O CORAÇÃO É UM MÚSCULO QUE PULSA, SENTE E PENSA - CONSTANTEMENTE, POR ROBERTA GASPAROTTO


LIVROS & ENCANTAMENTOS/03

'O CORAÇÃO PENSA CONSTANTEMENTE', DE ROSÂNGELA VIEIRA


POR RBERTA GASPAROTTO


Qual o gostinho de ser uma das primeiras leitoras a ter acesso a um livro profundo e ao mesmo tempo delicioso? Eu pergunto e eu mesma dou a resposta: me senti como tendo a chave para abrir um tesouro, o que é bom, e ao mesmo tempo, senti uma responsabilidade danada sobre o que fazer com o tesouro recém descoberto.  

Nessas minhas reflexões sobre 'O Coração Pensa Constantemente', da nossa querida Rosângela Vieira Rocha, lançado pela editora Arribaçã, espero que eu faça jus (nem que seja um pouquinho) à imensidade da obra. 

Em uma época em que muitos usam a faculdade de pensar com o objetivo de travar batalhas e ganhar discussões, Rosângela nos convida a usar essa importante ferramenta com o objetivo de estabelecer conexões.

O coração da narradora do livro, Luísa, é um músculo que pulsa, sente e pensa, constantemente. É a partir desse pensar-sentir, ou melhor, sentir e pensar sobre o que sente, que ela refaz caminhos e , principalmente, revivifica suas relações de afeto.

Em suas ações, a narradora realiza uma deliciosa e inteligente subversão, ao inverter a equação tão em voga em nossa contemporaneidade: de uma vida em favor da racionalidade, para a racionalidade em prol da vida e dos encontros.

Seu pensar é sempre a partir do coração, e é com esse recurso que Luísa procura entender o mundo, suas emoções e, também, o outro.  Sendo que o outro mais especial, é sua irmã Rubi. 

Há momentos belíssimos , e alguns muito engraçados, dessas duas irmãs que nutrem profundo amor entre si, mas não só. Como humanas que são, outros sentimentos também comparecem em cena, e Luísa usa de sua extraordinária habilidade de pensar os sentimentos, para dar conta de desenrolar muitos nós cegos. 

Preciso dizer que Rosângela foi muito generosa com seus leitores: através de Luísa temos a oportunidade de refletirmos sobre como anda nosso sentir-pensar-agir. Mais que isso: aos interessados, Luísa aponta, de certa forma, o caminho das pedras.

Além disso, as emoções são, no meu ponto de vista,  a personagem principal do seu maravilhoso e potente livro: há que se ter a coragem de investigá-las, e muitas vezes enfrentá-las para seguir em frente e não estagnar no caminho.

Ao fim da leitura, temos a confirmação de que o esforço da narradora em  percorrer seus percalços,  e em aceitar os tropeços alheios, deram frutos.

Em uma das frases finais, Luísa reflete sobre a vida, e também, sobre a morte, que um dia inevitavelmente virá, assim como veio para uma das pessoas que ela mais amou, sua irmã. 

Ao final, a narradora acolhe com bravura tanto a sua vida, quanto a sua morte: serenidade e maturidade alcançadas só para quem viveu uma existência que fez sentido para si.




terça-feira, 5 de janeiro de 2021

Amor de papel


Poema/03

PARA OUVIR PODCAST CLIQUE aqui

 

Por Fernanda Caleffi Barbetta

 

Disse que queria fazer

amor

comigo,

e eu não sabia que

amor

se fazia,

como se faz um

barquinho

a partir de um pedaço de papel,

em branco,

dobrando e

vincando a folha

entre o indicador e o polegar

até ela ganhar forma.

Não sei se foi

amor

o que fizemos,

mas a folha,

que não é mais branca,

rasgou.





 

ELES LEEM ELAS: RASGA OSSOS, POR MARCELO FROTA


Rasga Ossos, de Sabrina Dalbelo/05

 

Por Marcelo Frota

 

Rasga Ossos é um livro de reflexões, de questionamentos. É uma obra de imagens, uma sucessão de estranhamentos. É soco no estômago, um desalento. É palavra/evolução, uma montanha-russa, um espaçamento.

Eis o novo livro da autora gaúcha Sabrina Dalbelo, (Penalux, 2020), que adentra no universo literário em um ano em que nada foi lugar-comum, em um tempo em que a arte se entrega a seu papel máximo, ou seja, retratar o tempo presente. Rasga Ossos é tempo presente. Também passado, também futuro.

 

A poesia presente na obra, segundo a própria autora, é um resultado de encontros e desencontros. Entre conhecidos e estranhos. É, aos meus olhos, um reflexo de experiências e vivencias. Um algo familiar entre os estranhamentos dos caminhos da vida. É como um filme de Ingmar Bergman, uma jornada entre a leveza e o lado mais sombrio de uma jornada que nem sempre tem um começo definido, ou um fim estabelecido, mas que em seu meio, se faz matéria de reflexão e silêncio.

 

No poema Cicatriz é artéria pulsante, Sabrina faz uma reflexão divertida e profunda sobre os caminhos da tristeza. A autora constrói por meio de frase envoltas em simplicidade um lamento que nos remete a encontros com presente/passado. “A tristeza é uma amiga. É ferida que deve ser sentida, vivida. Tristeza é para ser abraçada, doída”.

 

Sim, a tristeza é amiga, é companheira, é constante. A tristeza é o intervalo da felicidade. Aquela visita indesejada, que sempre aparece, e, muitas vezes, fica além da hora. Mas que quando vai embora, alivia o clima da casa, tira o peso do corpo. É como cantavam Tom & Vinicius: “Tristeza não tem fim, felicidade sim”. Tristeza tem intervalos, às vezes curtos, às vezes longos, mas fim não tem. Tem recessos, tem intervalos.

 

Em Medo da vida, poema que remete a preocupações, anseios, receios, paranoias, Sabrina Dalbelo faz um desafio aos medos que estão no íntimo de todos nós. “Quero falar do medo de receber resultado de exame, de vislumbrar um futuro de medicação, fisioterapia, de tratamento, hospital e de, todos os dias, se perguntar o porquê, por que você, por que a estatística veio lhe pegar”.


Viver é ter medo da morte? Medo da doença? Medo da ruína do corpo? Da falha da mente? Viver é uma sucessão de medos, uma eterna estrada de pequenos receios. Ter medo da vida é ter cautela? Não, ter medo da vida é não viver, é não deixar o acaso se tornar real. Não deixar o sonho se tornar palpável. Ter medo da vida é não deixar a vida ser vida, vivida, desfrutada. A morte é natural, e, como disse Cazuza: “Morrer não dói”. Digo eu, “viver dói mais”.

 

Em Na teoria o céu é azul, a tortuosidade da vida cotidiana é matéria para versos “fofinhos”, que escondem, por trás de sua aparente doçura, a brutalidade da realidade do nosso tempo. “nas nuvens branquinhas que pairam no azul/céu azul o passo é manso/o sonho é carinho de mãos firmes/a brisa é fresca como limão taiti”.

 

Nas esquinas das ruas da vida, o mal que ronda por nosso tempo se faz presente. A doença que infesta nosso planeta, o descaso do nosso governo, a incapacidade e desumanidade o presidente “Mito”, o descaso com o que é minoria, a desgraça de viver em tempos em que o homem agride seu semelhante, mata seu semelhante pela cor, pela orientação sexual, pela diferença. O poema “soco no estômago de Rasga Ossos para mim.

 

Em meio à densidade da poesia da Sabrina Dalbelo, termino com a doçura agridoce de Mulher-goiaba: “mulher não escreve memórias/em papel de seda ou de presente/calada/tem filho/faz goiabada”. Lygia Fagundes Teles, a homenageada com o poema, acredito eu, ficaria feliz.

 

Rasga Ossos, como antes mencionei, é um livro para reflexões. Reflexões profundas, e como toda reflexão, ora leva, ora sombria, mas sempre relevante. Leitura de uma vez só, para depois ser revisitada, redimensionada, reinternalizada. Uma jornada de intensidade.


 


domingo, 3 de janeiro de 2021

Carta a uma Mulher mais Bonita do que Eu



Prosa Epistolar/01 

Por SabrinaDalbelo

 

Minha Sacerdotisa,


Tenho pensado em tudo o que ocorreu. Estou ciente de que passaste a viver em meio ao horror e no isolamento. Todavia, não posso deixar de reconhecer a mulher que eras. Creio que a fêmea desejável ainda exista por detrás desses muros petrificados que te cercam e por debaixo dessas serpentes perniciosas que te prendem à monstruosidade.

Persisto firme na minha decisão de condenar-te ao vazio, pois ainda não suporto que tanta beleza, como a tua, fosse conferida pelos deuses a uma mera mortal.

Poseidon começou a me falar de ti e eu não sei quem eu passei a odiar mais, se ele ou tu.

Não pude acreditar que vocês dois cederam à tentação justamente embaixo de meu próprio teto, na minha casa sagrada. Até aquele momento, tu me idolatravas, e ele me desejava. Pouco depois, eu já não tinha mais nada. Feriu-me a honra tamanha traição, sobremaneira porque banhada pelo suor carnal escorrido de ambos.

Lembro-me de Poseidon vangloriando-se de ti, de te ter nos braços, de apalpar tuas carnes e de afagar teus cabelos macios, enquanto preparava os mais vigorosos maremotos, enternecido por um entusiasmo jovial, fruto da lembrança dos momentos íntimos vividos contigo.

Enquanto me traías, eu seguia ocupada, mantendo-me imbatível nas guerras, até mesmo frente a Ares. Optei pela luta solitária e gloriosa. Coube a mim a virgindade perpétua, apesar de saber que sou bastante desejável para os homens e outros deuses.

Foi por isso que te tornei tão vingativa e rancorosa no que diz respeito aos machos, como eu própria sou. Foi por isso que te condenei a uma vida isolada e trágica. Eu queria que vivenciasse minha congênita falta de ternura.

Dolosamente, te penitenciei a não olhar, não acariciar, não presenciar mais nada. Tua sina é paralisar aquele que chegar a ti. Teu destino é viver rodeada de estátuas tão inertes quanto teu próprio coração gelado. Ou seria o meu?

Te condenei a nem mesmo “te” olhar, pois terás nojo e raiva todas as vezes que perceberes o quão horrenda tu te tornaste por fora, como sou por dentro.

Preciso contar-te mais uma coisa. Na tua cabeça abominável, o sangue de tua artéria esquerda é puro veneno, amargo, provocador de dor e petrificação. Contudo, o de tua artéria direita é um remédio divino, com propriedades de ressuscitar os mortos. Ironicamente, permanecerás bonita por dentro, mas nunca te atentarás de usar o remédio da vida. Quando te tornei isso, tu acabaste optando pelo medo e pela infelicidade. Tu, tomada de rancor, vejo agora, só te socorres do veneno que habita metade de ti.

Minha mensagem, por isso, cara Medusa, é para reconhecer que, como minha vingança ao assédio que aceitaste, tornei-te tão dura e fria como eu mesma, incapaz de reconhecer a própria vida que ainda conténs.

Para meu regozijo, saibas tu, nem mesmo terás acesso a esse relato, pois o mensageiro que mando para entregar-te é um homem e, fraco, cederá ao desejo de encarar-te, como todos aqueles que chegam até ti após atravessarem o reino dos mortos a bordo do barco de Caronte. Ele será mais um ornamento paralisado a tua porta, para te lembrar que tua vida estagnou.

Nunca saberás disso, mas haverá um mortal que te libertarás, no exato dia em que te decapitares. Somente ele terá acesso ao sangue da vida que escorre de ti, o qual será usado pelo bem da Grécia.

Desse dia em diante, Zeus me perdoará pelo que fiz contigo e eu voltarei ao Olimpo.

Eu nunca serei liberta, eu sei. Mas tu, Medusa, nunca serás bela novamente.

Resta a mim, agora, vendar meus olhos e carregar a Justiça nas costas, para nunca mais ter de presenciar tamanha insolência, como a tua, embora seja meu fardo olhar pelos mortais, eternamente.


Até nunca, minha Sacerdotisa.


Palas Atena.

 

* mensagem originalmente em grego dada pela Deusa virgem Atena, filha de Zeus, deusa da estratégia em batalha, das artes, da justiça e da habilidade, a um mensageiro mortal para ser entregue à Medusa. O homem, apesar de atravessar a Grécia, rumo à extremidade ocidental do mundo, foi petrificado à porta do covil da górgona, diante do seu olhar paralisante. Medusa nunca leu a carta.





 

sábado, 2 de janeiro de 2021

ELES LEEM ELAS: PERMANÊNCIAS OUTONAIS, POR MARCO ARROYO


ELES LEEM ELAS|04

El poema ha sido inspirado en la lectura del libro "Permanências Outonais", de Vania Clares


Por Marco Arroyo

La vida en la tierra

Se manifiesta en cuatro estaciones.

Cada una de ellas

Se prolonga por tres meses

Que se alternan ofreciendo

Fertilidad, bienestar, dicha y nuevos retos.

 

Nuestra vida

A ejemplo de las leyes de la naturaleza

También se desarrolla en ciclos.

Son cuatro etapas que se alternan sucesivamente

Y a pesar de no ser igual para todos

Cada estación de la vida dura varios años.

 

Durante el verano

La tierra con su calor es una delicia a ser disfrutada

Como ella en esta estación

Somos jóvenes llenos de energía,

De sueños y pasiones

Que le dan calor al deseo de vivir.

 

En otoño las hojas de los árboles se caen

Anunciando el rudo invierno que vendrá

En nuestro ciclo adulto

Recordamos la felicidad y los amores de otrora

Y nos abastecemos de leña y vino

Para resistir el frio y la soledad en la estación que llega.

 

El invierno es lluvioso y frio

Puede ser sinónimo de tragedia y desastre.

Nuestros cuerpos comienzan a debilitarse.

Aparecen las canas acompañadas de soledad

El dolor en los huesos y la necesidad de abrigo

Recordamos l verano y el otoño con nostalgia.

 

Después del frio y lluvia en la tierra germinan,

las hojas de los árboles y las flores embellecen el campo.

Algunos abuelos envejecidos en barricas de roble

Se marchan en busca del eterno verano dejando recuerdos

Y los sobrevivientes con su andar manso

Apacientan la belleza del jardín esperando el eterno verano.

 

Cada momento de la vida

Ha de ser vivido intensamente.

Todo pasa y nada permanece

Apenas la memoria de los placenteros momentos

Vividos intensamente al calor del Sol y del amor

Nos acompañarán para siempre.

 



 


 

Feminário Conexões, o blog que conecta você!

EDITAL ENLUARADAS II TOMO DAS BRUXAS

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