UMA CARTOGRAFIA DA ESCRITA DE MULHERES |10
ENTREVISTA COM ANA CLÁUDIA SANTOS
A literatura dá voz e poder às mulheres, bem como é uma importante arma de combate contra as desigualdades de gênero. Na intenção de mapear as margens e abrir espaço para as novas vozes sociais, nossa coluna intitulada Uma Cartografia da Escrita de Mulheres tem como principal objetivo promover a valorização de escritoras contemporâneas, através de entrevistas. Hoje, temos a honra de receber a poeta portuguesa Ana Cláudia Santos, que é destaque na literatura atual.
ENTREVISTA COM ANA CLÁUDIA SANTOS:
| Arquivo pessoal da autora |
Ana Cláudia Santos é natural de Santarém, mas vive atualmente em Lisboa (Portugal). A poeta portuguesa é host do podcast Multiversos da rádio NiT FM, produtora dos eventos de poesia “L.U.A. – Literatura, Universo, Artes” e “Sala Incomum”, embaixadora de poesia do projeto “Agarra-te”, da SABSEG, e poeta residente da Casa Florbela Espanca. Estudou Literatura, na Universidade NOVA de Lisboa, e Escrita Literária e Produção e Marketing de Eventos, na Restart Creative Education. É autora do livro de poesia independente Meia-Vida, ilustrado pelo artista plástico João Massano, que teve o seu lançamento na Livraria Ler Devagar. Em 2021, foi uma das finalistas do Festival de Poesia de Lisboa, ganhando uma menção honrosa. Venceu o concurso de talentos a nível nacional “New Talent”, da NiT, TVI e Santa Casa da Misericórdia. Ficou em 3º lugar no Concurso Poesia na Corda do Festival Poesia à Mesa 2022 (e em 2º lugar, na edição de 2023), e no mesmo ano encerrou o Festival de Poesia de Lisboa a declamar seus poemas. Em 2023, lançou o single Incorpóreo, que antecipa o seu primeiro EP, O Meu Reino Não É Deste Mundo, com poesia da sua autoria e música de Diogo Lourenço, que teve a sua primeira apresentação na Casa Fernando Pessoa. Em 2024, lançou o seu segundo livro, O Espectro, sendo a primeira publicação das Edições Casa Florbela Espanca e que contou com o seu lançamento nesse mesmo local.
Você estuda, escreve e trabalha com Literatura. Como foi o seu encontro com o mundo das Letras?
Desde pequena, tive a sorte de os meus pais me comprarem livros. Comecei por ler as bandas desenhadas das W.I.T.C.H., passando depois para Harry Potter. A minha heroína era a J.K. Rowling e o meu sonho era criar um mundo mágico como ela o fez. Já adolescente, decidi tirar a minha licenciatura em Línguas, Literaturas e Culturas e fazer um curso de um ano de Escrita Literária. A licenciatura em Literatura moldou-me imenso como pessoa, principalmente ao ter encontrado Mário de Sá-Carneiro, e o curso de Escrita ajudou-me a encontrar a minha voz literária, que mais tarde se desenvolveu para uma voz poética.
Por que você escreve?
Comecei a escrever porque queria imitar as minhas inspirações. Continuei a escrever porque me apaixonei pelo processo da escrita, da edição das frases e da construção dos parágrafos. Apaixonei-me por brincar com as palavras. Escrevo porque não há nada que me faça sentir mais viva do que o processo de escrever um novo texto, um novo poema, um novo conjunto de pensamentos. Hoje, escrevo porque preciso de expressar por palavras o que se passa dentro do meu mundo interior, que vive a toda a hora a criar novas teorias, perspectivas e ideias.
Quais escritoras(es) te inspiram?
Todos os que já passaram ou irão passar pelo meu podcast Multiversos.
Conte-nos sobre o seu primeiro livro, Meia-Vida (2020). Como foi o processo de escrita? Quais temáticas você aborda? Onde podemos adquiri-lo?
O Meia-Vida é um livro de poesia escrito por mim e ilustrado posteriormente pelo artista plástico João Massano. O livro contém uma seleção de poemas que escrevi entre 2016 e 2020. O processo de escrita dividiu-se entre a criação de poemas de forma natural e a produção de outros para dar forma e sentido ao livro. Dividido em 14 poemas, a linha cronológica encontra-se misturada. O livro conta a história de uma menina sem nome e acompanha-a desde a infância até à sua vida após a morte. O livro começa com o poema “Princípio”, onde somos introduzidos à forma como essa menina de 6 anos encara a descoberta e o horror de que ela está a existir. No poema seguinte, “Glamour”, a personagem, já com 100 anos, conta como a literatura e a sua pesquisa sobre a existência foram os seus companheiros de vida, temas também presentes em “Sábios” e “Coveiro” (um poema dedicado ao poeta Mário de Sá-Carneiro). A magia antiga e o ocultismo são também temas expostos nos poemas retratados em “O Louco e O Mago” e “Expiravit”, quando a personagem invoca, sem querer, uma alma penada. No livro, contamos ainda com poemas de pensamento, em que são abordadas questões metafísicas e filosóficas, como em “Incorpóreo” e “Além-Incêndio”. Em “Para Além da Vida” e “Cruzeiro-Fantasma” a personagem navega pelos mistérios profundos do que acontece após a vida. Podem comprar o livro diretamente comigo, ou encomendar no link: https://anaclaudiasantos.bigcartel.com/
E quanto ao seu livro O Espectro (2024)? Explique o título e suas implicações no sentido/proposta da obra, e onde podemos adquiri-la.
O Espectro é o meu segundo livro de poesia. O título da obra foi inspirado pelo meu poema preferido de Florbela Espanca (uma das mais reconhecidas poetas portuguesas, que viveu entre 1894 e 1930), com esse mesmo nome. Este é um livro trilíngue, escrito em português e traduzido para inglês por Emily Duffy e para o espanhol por Daniela Otheguy. Os oito poemas que o compõem são da minha autoria e foram escolhidos de forma a criar um paralelo entre a vida, morte e obra de Florbela Espanca. Esta é a primeira publicação das Edições Casa Florbela Espanca e teve o seu lançamento no mesmo local onde Florbela viveu durante a sua infância e adolescência.
Comente sobre o podcast Multiversos, no qual você é host.
O Multiversos é um podcast que se pode ouvir todas as sextas, às 10h00 (horário de Lisboa - Portugal), na rádio NiT FM ou no Spotify. É um podcast no qual partilho poemas, eventos poéticos, notícias e crio ligações entre o quotidiano e a poesia. Crio todo o conteúdo dos episódios e o Diogo Lourenço é o editor de som. Nunca tinha pensado que um dia iria ter um podcast, e sinto que todos os dias continuo a aprender. É um enorme desafio para mim e não podia estar mais orgulhosa.
Fale sobre os seus demais projetos na área de literatura e cultura, como, por exemplo, os eventos “L.U.A. – Literatura, Universo, Artes” e “Sala Incomum”.
A “L.U.A. – Literatura, Universo, Artes” é um projeto que comecei em 2017, quando ainda não sabia absolutamente nada sobre organização de eventos, com o objetivo de criar sessões de poesia. Hoje em dia é o meu playground, que uso em diferentes formatos e contextos. Já passámos pela LX Factory (Livraria Ler Devagar), Casa Fernando Pessoa e vários locais de Portugal. A “Sala Incomum” é um projeto de eventos mais consolidado, que criei de raiz para o contexto do espaço Casa Cheia. É um evento de poesia e música, “numa sala-in-comum”, no qual o apresentador é o vídeo-projetor. A primeira parte do evento tem sempre uma sessão de poesia, e a segunda parte tem sempre um momento musical ou uma performance.
Mais do que escrever, é necessário fazer ecoar nossas vozes. Aí entram as publicações. Qual é a importância da publicação, para você?
Um objeto físico ou online ajuda o nosso trabalho a chegar a mais pessoas. Para alguém que quer fazer da escrita o seu trabalho principal, é muito importante criar uma forma de expandir os seus escritos. No meu percurso de publicação do Meia-Vida foi essencial para me afirmar enquanto poeta.
Em 2023, você lançou o single Incorpóreo, com poesia da sua autoria e música de Diogo Lourenço. Na sua opinião, existe alguma relação entre poesia e música?
Sim, claro. Primeiro porque qualquer poesia tem a sua própria melodia, e todas as músicas têm um lado poético. Ver o processo de criação de música para os meus poemas por parte do Diogo tem sido maravilhoso, porque ele consegue passar para música a sensação profunda que está dentro do poema. Quando atuo ao vivo, não há nenhum momento que seja melhor do que quando estamos juntos em palco. É uma energia muito forte; é passar a minha poesia para outro nível, para outro plano.
Como convidada da nossa coluna Uma cartografia da escrita de mulheres, qual mensagem você deixa para a nova geração de escritoras?
Primeiro que tudo quero agradecer imenso pelo convite. Quero dizer à nova geração de escritoras (da qual também faço parte) que o mundo literário não é fácil e que todos os percursos vão ser diferentes. Apesar disso, pelo menos para mim, nada me faz mais feliz do que escrever e acredito que muitas de vocês sentem o mesmo. A poesia e escrita tornam-nos mais sensíveis, mais atentas, mais humanas/menos humanas. A literatura torna-nos obcecadas com a vida, apaixonadas pelos detalhes e fascinadas com tudo, até pelo cotidiano. Como digo num dos meus poemas, “Labirinto Hialino”, “Há uma poesia mais poderosa que o fundo do pensamento humano quando vejo uma sombra que existe graças à árvore e ao sol”. Por isso sintam, sintam tudo, porque não há mais nada para fazer por aqui.
Contatos da escritora:
Instagram: @anaclaudiasantos.poesia
E-mail: anaclaudiasantos2296@gmail.com
Instagram do podcast: @multiversos.podcast
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