POESIA NA REDE|08
FELIZ ANIVERSÁRIO, CECÍLIA
Escrevo
este texto poucos dias depois do aniversário de Cecília Meireles. Poeta
presente em minha vida desde a infância, não tinha reparado a intensidade de
nossa conexão, a impressão dos seus versos no meu repertório, a saudade de
relê-la. Tudo isso foi vivenciado nas últimas semanas, em que me debrucei sobre
sua poética, sua história, vídeos declamando sua poesia, textos analisando sua
obra, tendo como ponto de chegada a celebração dos seus 121 anos, junto à sua
neta Fernanda Meireles em uma deliciosa live no Instagram.
Cecília me faz ter a certeza de que é
possível dialogar verdadeiramente com a poesia. As inquietações de ordem
existencial, filosófica, social e política encontram ideias, caminhos e até uma
boa conversa lendo a obra de Cecília.
No
dia de seu aniversário, 7 de novembro, muitos poetas fizeram homenagens a ela
nas redes, mencionando versos, estrofes, poemas que me encantavam a cada
leitura. A beleza da leitura dos bons poemas reside justamente na surpresa de
sua releitura. É como se à memória o poema pudesse ser repetido como se fosse
sempre a primeira vez, preservando aquele assombro da descoberta de um
significado até então inexistente em nossa consciência.
Em
um exercício de formar minha própria antologia de seus poemas, me senti como
uma apanhadora de estrelas no firmamento; o que escolho tem relação mais com a
proximidade e a oportunidade de estar perto do que propriamente a estrela em
si, pois tudo brilha!
Deixo
aqui um poema que escolhi para a “minha antologia de Cecília”, mas que também
foi compartilhado por algumas pessoas na celebração de seu aniversário.
Inscrição
Sou entre flor e nuvem,
estrela e mar.
Por que havemos de ser unicamente
humanos,
limitados em chorar?
Não encontro caminhos
fáceis de andar
Meu rosto vário desorienta as firmes pedras
que não sabem de água e de ar.
E por isso levito.
É bom deixar
um pouco de ternura e encanto indiferente
de herança, em cada lugar.
Rastro de flor e estrela,
nuvem e mar.
Meu destino é mais longe e meu passo mais rápido:
a sombra é que vai devagar.
Poema Inscrição de Cecília Meireles livro Mar
Absoluto e Outros Poemas (1945)
Finalizo com um belíssimo poema feito em homenagem a Cecília Meireles, de Nic Cardeal, um passeio pelas obras e suas belezas na companhia de Nic:
CECÍLIA
Hoje tu vês bem melhor¹, eu sei!
Espectros²?
Nunca mais³... ou, quem sabe... que importa?
Tuas mãos já se abriram ao infinito⁴
e podes ver o Mar Absoluto⁵ em tua eternidade!
Já não te fazes em solombra⁶:
não há mais nenhuma tristeza por causa da morte,
os mistérios, o tempo, as memórias, mesmo a solidão,
passaram...
Teu corpo, que te foi dado em pai e mãe
e em todos os que te fizeram⁷
em retrato natural⁸
ou em doze noturnos⁹,
também passaram...
Tu és a aeronauta¹⁰ que escolheu o seu sonho¹¹
e viveu a viagem¹²,
fazendo-te de ti mesma o poema dos poemas¹³!
Não. Não foste um sonho a realizar¹⁴,
foste a própria vida:
vaga música¹⁵ que se fez à imagem do mar¹⁶,
sem perder a sina da terra!
Tu sabes: não terminaste!
Agora vês com os teus [próprios] olhos¹⁷
que o que se diz e o que se entende¹⁸
nem sempre está no mesmo lugar!
Não há lugar... nem tempo,
o que há são as baladas para El-Rei¹⁹ para sempre
entoadas...
Porque agora tu és o cântico dos cânticos²⁰
e te pões em tudo, como Deus²¹!
(Nic Cardeal*, poema participante da antologia 'Memorial
Cecília Meireles - Homenagem em Poesia',
São Paulo: Selo Editorial Independente, 2021, p. 85/86 e 109/110)
Referências:
(1) “(...) Mas tu verás melhor...” (excerto do Cântico XXVI,
in: Cânticos, Cecília Meireles, livro de 1981).
(2) Espectros, Cecília Meireles, livro de 1919.
(3) Nunca mais... e poema dos poemas, Cecília Meireles,
livro de 1923.
(4) “(...) E abre as tuas mãos sobre o infinito. (...)”
(excerto do Cântico XXV, in: Cânticos, Cecília Meireles, livro de 1981).
(5) Mar absoluto e outros poemas, Cecília Meireles, livro de
1945.
(6) Solombra, Cecília Meireles, livro de 1963.
(7) “Não digas: Este que me deu corpo é meu Pai. / Esta que
me deu corpo é minha Mãe. / Muito mais teu Pai e tua Mãe são os que te
fizeram/Em espírito. (...)” (excerto do Cântico XXIV, in: Cânticos, Cecília
Meireles, livro de 1981).
(8) Retrato natural, Cecília Meireles, livro de 1949.
(9) Doze noturnos da Holanda, Cecília Meireles, livro de
1952.
(10) O aeronauta, Cecília Meireles, livro de 1952.
(11) Escolha o seu sonho, Cecília Meireles, livro de 1964.
(12) Viagem, Cecília Meireles, livro de 1939.
(13) Nunca mais... e poema dos poemas, Cecília Meireles,
livro de 1923.
(14) “Não faças de ti/Um sonho a realizar. (...)” (excerto
do Cântico XXIII, in: Cânticos, Cecília Meireles, livro de 1981).
(15) Vaga música, Cecília Meireles, livro de 1942.
(16) “(...) Faze-te à imagem do mar. (...)” (excerto do
Cântico XXII, in: Cânticos, Cecília Meireles, livro de 1981).
(17) “(...) Tu verás com os teus olhos. / Em sabedoria. / E
verás muito além.” (excerto do Cântico XXI, in: Cânticos, Cecília Meireles,
livro de 1981).
(18) O que se diz e o que se entende, Cecília Meireles,
livro de 1980.
(19) Baladas para El-Rei, Cecília Meireles, livro de 1925.
(20) Cânticos, Cecília Meireles, livro póstumo, de 1981.
(21) “(...) Que o teu olhar, estando em toda parte/Te ponha
em tudo, / Como Deus.” (excerto do Cântico I, in: Cânticos, Cecília Meireles,
livro de 1981).
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* Nic Cardeal, catarinense radicada em Curitiba, graduada em Direito, é autora de Sede
de céu (poesia, Penalux/2019) e Costurando Ventanias - uns contos e outras Crônicas (Penalux, 2021). Atualmente tem textos publicados em 44 antologias e
coletâneas no Brasil, Portugal e Alemanha. É integrante do movimento
Mulherio das Letras desde sua criação. Seus escritos estão compilados na página do
Facebook “Escrevo porque sou rascunho”. É editora adjunta da Revista Feminina de Arte
Contemporânea Ser MulherArte.
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Flavia Ferrari [foto arquivo pessoal] |
Poeta e professora da rede pública de São Paulo, Flavia Ferrari lançou, em novembro/2021, o seu primeiro livro de poemas, intitulado "Meio-Fio: Poemas de Passagem". A obra foi editada pelo Toma Aí Um Poema, o maior podcast de leitura de poemas lusófonos. Flavia Ferrari escreve desde a adolescência, mas começou publicar seus poemas no início da pandemia, compartilhando seu trabalho nas redes sociais e contribuindo com revistas literárias digitais. Desde o princípio, os seus poemas foram muito bem recebidos pelos leitores e pelos periódicos digitais. @fmferrari