A BRUXA NA PRESIDÊNCIA DA AML: LUCIENE CARVALHO,
NEGRA, PERIFÉRICA E POETA
Jocineide
Catarina Maciel de Souza[1]
Maria Elizabete Nascimento de Oliveira[2]
Foto enviada por Elizabete Nascimento |
A hegemonia
masculina que impera do sistema colonial nos espaços de poderes e sua ascensão
sociocultural precisa ser revista, não no sentido de priorizar o feminino, mas
de oportunizar a equidade. Observamos que, na maioria das vezes, as mulheres
que conseguem ocupar esses espaços de poder, são de pele branca, o que demarca,
também, o seu lugar social e, sabedora dessa condição, Luciene destaca em sua
posse: “Celebram meu coração e minha ancestralidade frente tão grande honraria
como esta de estar assumindo a presidência da Academia Mato Grossense de
Letras.” (CARVALHO, 2023).
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Em 1944, houve
uma parametrização com a Academia Brasileira de Letras, período em que ganhou
mais 10 cadeiras. Mesmo assim, a presença feminina ficou limitada a 02 cadeiras
contra 38 ocupadas pela casta masculina. A ocupação dessas cadeiras nos instiga
a pesquisar quantas e quem são as mulheres que ocuparam/ocupam uma vaga nesse
espaço que, desde sua criação, tem o gênero masculino como maioria dos
associados. De acordo com o site oficial da instituição, a Academia Mato
Grossense de Letras, desde sua fundação, teve 143 membros, desse total apenas
18 mulheres, uma diferença discrepante e curiosa, especialmente porque somos
sabedoras de que as mulheres, nesse estado, sempre contribuíram com a formação
cultural e intelectual do estado.
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Marilia
Beatriz Figueiredo Leite foi a primeira mulher a ocupar a cadeira nº 02, que
atualmente tem como acadêmica Marli Terezinha Walker. Depois de ser ocupada
seguidamente por três homens, a cadeira nº 04, foi ocupada por Lucinda Nogueira
Persona, pela primeira vez, em 2014 e permanece. Maria de Arruda Muller ocupou
a cadeira nº 07, mas com sua morte um homem foi indicado para ocupar o seu
lugar. As cadeiras nº 14, 15 e 16, atualmente são ocupadas por mulheres, são
elas: Nilza Queiroz Freire, Olga Maria Castrillon Mendes e Maria Cristina de
Aguiar Campos. Marta Helena Cocco é primeira mulher a ocupar a cadeira de nº
18, diferentemente da cadeira nº 19 que foi ocupada por Vera Iolanda Randazzo e
como sucessora, tem hoje, Neila Maria de Souza Barreto. Com os aumentos das
cadeiras, Ana Luiza Prado foi a primeira mulher a ter assento na academia desde
seu surgimento e ela, por dois anos seguintes, ocupou o cargo na diretoria,
como tesoureira. Elizabeth Madureira Siqueira (nº29); Luciene Carvalho (nº 31);
Sueli Batista dos Santos (nº 34); Lindinalva Correia Rodrigues (nº 37); Yasmin
Jamil Nadaf (nº38) são as primeiras mulheres a ocupar os assentos que, por
vezes consecutivas, foram legadas aos homens. Amini Haddad Campos sucedeu Maria
Benedita Deschamps Rodrigues, conhecida como Dunga Rodrigues, mulher que muito
contribuiu com a cultura do estado, foi a terceira mulher a receber o convite
para ingressar na Academia Mato Grossense de Letras.
Atualmente dos
40 acadêmicos, temos vinte sete homens e 13 mulheres, dado ainda díspar, quando
pensamos na paridade das mulheres nos espaços de representação intelectual e
cultural do estado. Ao analisarmos o fluxo de ingresso de mulheres na Academia
Mato Grossense de Letras, destacamos que foi na gestão de Eduardo Leite Mahon
(2013/2015), o período em que as mulheres se tornaram membras, em 2014 foram
admitidas Lucinda Persona, Marta Cocco e Sueli Batista, em 2015 Olga
Castrillon, Cristina Campos e Luciene Carvalho.
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Se na
cerimônia de fundação do Centro Mato Grossense de Letras, foram as mulheres que
abrilhantaram a parte cultural, após 102 anos foram os pretos que se ocuparam
da parte artístico-cultural, desde o cerimonial realizado por Ronaldo José,
como a voz de uma negra trans Sophie Silva Campos, com trecho da ópera Carmen.
Vale reforçar, uma música clássica cantada por uma trans negra oriunda da
classe popular, numa Academia de Letras liderada por homens. Foi com esta
apresentação recheada de simbologia e ruptura ao sistema eurocêntrico que se
abriu a mesa de autoridades da noite. Do clássico à cultura popular, dançamos
ao som do mocho e do ganzá na apresentação do Siriri realizada pelo grupo de
quilombolas liderado por Mestre Nezinho do quilombo Mata Cavalo de Cima. Outro
aspecto a ser destacado foi a presença de representantes das religiões afro,
com seus trajes típicos. O grupo Anjos da lata, cantores de Hip Hop e o grupo
Samba de Roda de Regis Gomes.
Em seu sucinto
e forte discurso, a então diretora da Academia não ressalta questões voltadas à
negritude, talvez para ressaltar que ela estava inscrita nos corpos negros que
naquela ilustre noite compunham o seleto público de convidados e por isso não
necessitava de maiores delongas em seu pronunciamento. Ao iniciarmos essa
reflexão nos espantou o número baixo de mulheres como membras dessa instituição
e isso nos levou a pesquisar como é a participação feminina nas outras unidades
federativas, mas antes, sentimos necessidade de observar a composição da
Academia Brasileira de Letras, que atualmente está com 35 membros, sendo apenas
05 mulheres e a diretoria é composta exclusivamente por homens. Essa estrutura
majoritária masculina se replica em todos os demais estados, variando entre 05
a 10 mulheres, com exceção dos estados de Mato Grosso (13 ocupantes); Acre e
Ceará (12 ocupantes) e Rio de Janeiro (11 ocupantes).
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Os desafios
para que as mulheres intelectuais consigam romper com a hegemonia imposta pela
sociedade sempre foram inúmeros, mas isso nunca intimidou a luta das mulheres
pelo reconhecimento de suas produções, ainda que estejamos longe da ocupação
dos 50%, as poucas vagas ocupadas pelo gênero feminino nas academias em todo
Brasil, ocorreram pelas lutas de outras mulheres que, muitas vezes, não
conseguiram acesso a esses ambientes institucionalizados.
Por fim, almejamos que esse marco vivenciado pela população do estado de Mato Grosso com a posse de Luciene à diretoria, se perpetue por todo país e embora os dados e as galerias das academias de letras, ainda nos apontam para um notável e injusto distanciamento dessa realidade, é preciso seguir a utopia de equidade racial e de gênero em todos os espaços, especialmente numa sociedade plural, como é a brasileira.
[1] Professora de Língua Portuguesa
SEDUC/DRE/MT. Doutoranda no Programa de Pós Graduação em Estudos Literários
PPGEL/UNEMAT - Bolsista CAPES/Amazônia Legal. jocineide.souza@unemat.br
[2] Professora de Língua Portuguesa
SEDUC/DRE/MT. Doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários
PPGEL/UNEMAT. maria.elizabete@unemat.br
Luciene Carvalho é escritora e poeta. Nasceu em Corumbá, mas vive em Cuiabá, no Estado de Mato Grosso/BRASIL - desde 1974 - tendo já recebido o título de cidadã cuiabana. Atualmente ocupa a presidência da Academia Mato-Grossense de Letras/AML. Entre as obras poéticas publicadas, citamos: Aquelarre (2007); Insânia (2009); Ladra de Flores (2012) e Dona (2018) entre outras.