sexta-feira, 24 de fevereiro de 2023

POETA OU POETISA? EIS O MOTIVO!, POR ROZANA GASTALDI COMINAL

Rozana Gastaldi Cominal

POETA OU POETISA? EIS O MOTIVO![1]


Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.

(Fragmento do poema "Motivo", de Cecília Meireles)

Poeta ou poetisa? Também sou do clube de Cecília Meireles, sou POETA. Sou pela língua viva, orgânica que extrapola o dicionário, a nomenclatura, a gramática dos gêneros. Estou emparelhada aos movimentos sociais, língua explosiva quando negam o direito à vida. 

Encontro eco ao ler Lunna Guedes, ela mesma ou a voz de Catarina, pois sua escrita é tomar uma infusão de ervas que inebria: “Sei o verso que chega e se aconchega nos olhos e na boca, na pele”, é ouvir  Chico César ao violão dedilhar: “Chega tem hora que ri de dentro pra fora/ Não fica nem vai embora/ É o estado de poesia”. Encontros assim é oração, estado de graça, porque, continua Lunna: “Ler poesia é ler-se… em algum momento a pele goza do arrepio sagrado da primeira vez e eu terei minha porção de tudo e nada (de novo). Amém."

Oração verbal ou nominal plena de sentidos, de significados, de intenções. Assim como os versos se quebram na linha reta, contínua, a linguagem carrega em POETA todo um ritmo peculiar para captar o instante. É a celebração da palavra, sílaba a sílaba daquilo que atina os sentidos não somente em mim, mas em quem me lê, sábia Cora Coralina resume tudo isso muito bem: “POETA não é somente o que escreve. É aquele que sente a poesia, se extasia sensível ao achado de uma rima à autenticidade de um verso”. Atrevida exibo minha
 
Flâmula


poeta sou

sigo a voz

que chama

solta

e

revolta

sigo o peito

que inflama

 

poeta sou

solto a voz

que alumia

a estrada

onde companheiras

& companheiros

me esperam com o

coração na epiderme

[Imagem Pinterest]
ESCREVER é dialogar com a mente. É trabalho hercúleo, exige conhecer-se. Eu me autorizo a escrever, a interpretar, a sonhar, a ficcionar. Ao mesmo tempo que descubro que tipo de leitor eu sou. LER é descobrir universos paralelos que revelam-se as influências literárias. Captou a composição estética e a crítica? Exige harmonia entre forma e conteúdo com humor, deboche, ironia, crítica social/política, lirismo. Não é mero amontoado de palavras em linhas quebradas quando se trata do poema. Nem parágrafos bem ajustados em linhas paralelas na prosa. Saliento que ambos têm ritmo, compasso e descompasso, mas não me peçam para explicar um poema.

Aprendi com Hilda Hilst: "É triste explicar um poema. É inútil também. Um poema não se explica. É como um soco. E, se for perfeito, te alimenta para toda a vida. Um soco certamente te acorda e, se for em cheio, faz cair tua máscara, essa frívola, repugnante, empolada máscara que tentamos manter para atrair ou assustar. Se pelo menos um amante da poesia foi atingido e levantou de cara limpa depois de ler minhas esbraseadas evidências líricas, escreva, apenas isso: fui atingido. E aí sim vou beber, porque há de ser festa aquilo que na Terra me pareceu exílio: o ofício de POETA”. Ao compreender que literatura é afetar, socar, sacudir, a/o POETA promove um esforço coletivo para salvar a vida de alguém ou talvez salvar a si própria/o.  

[Imagem Pinterest]
POETA sou e organizo o pensamento, vasculhando a memória na busca de narrativas, descrições e reflexões. Vasculho, ainda, gavetas, caixas e baús para capturar lembranças, sentimentos, sensações. Nesses cofres secretos, ficam os gatilhos para minha-sua-nossa escrita: objetos, fotos, cheiros, perfumes – estímulos para a produção literária. Os poemas ganham destaque,com jogo de palavras cravado na memória e na curiosidade de sentidos, sinestesias em efusão, metáforas, sentimentos em turbilhão. 

Desesperada, devastada, dardos do desânimo disparados, descansaremos quando? Desigualdades dilacerantes, denúncias, demandas, desgraças que nos arrasam e nos arrastam para o fundo do poço. Seja na escuridão da noite, seja na noite sertaneja enluarada, somos seres desejantes, o mundo precisa de um abraço, eu preciso de um abraço...

Catástrofe sanitária, cegueira no horizonte, colapso mundial, tudo desmoronando, estou fazendo arte? De nada adianta lutar?  Como POETA faço aquecimento, carrego kit sobrevivência, até parece que vou-vamos entregar os pontos! POETAS somos! Abaixo a corrupção, a necropolítica, os sem-noção! Quanto ainda nos falta para chegar a ser nação? Que rolem os dados... 

[Imagem Pinterest]
Não contavam com nossa astúcia: lockdown utópico que nos faz caminhar para dentro de si e depois, quem sobreviver, ocupar o cenário exterior. O adágio popular faz sentido: Não há mal que sempre dure nem bem que nunca acabe. Contagem regressiva para os sobreviventes. Sinal dos tempos que dias melhores virão. A luta pela vida se faz diária, enquanto uns seguem delirando, alguns nem sabem do que se trata, outros, imunizados  estarão  com vacina e poesia. Em luto, em luta, poesia como antídoto.

P.S. 1

Mas ousadia mesmo é com Jéssica Iancoski que reivindica a autoria:

Também

 

devo me apossar

da palavra autor

se enfraquecido

não existe o masculino

sou poeta sou autor

sou o dono da minha vida

e acima de tudo

mantenho-me mulher


O que posso dizer? Somos os donos de nossa voz no mundo. Síntese intensa traz seus versos, lacrou total! Isso é

 

Nocaute

 

pilhados?

trocam-se três por um

adeus aos neurônios suicidas 

P.S. 2

E para fechar o ciclo, deixo uma dica que copiei nem sei quando nem de onde.

[Imagem Pinterest]
Ritual das folhas que caem

Procure no chão de jardins ou praças, sete espécies diferentes de folhas “caídas”. Coloque todas juntas numa pequena pilha e costure parte de suas bordas de maneira que pareça um pequeno livro de folhas verdes. Este é seu livro mágico da Natureza. Coloque-o dentro de um envelope e tenha-o sempre por perto. Ele é um canal para sua vida mágica, pois todo o conhecimento contido nas folhas será transmitido a você por meio da sua intuição.

P.S. 3

Poesia virou autoajuda agora? Sempre foi, palavra de POETA que vê poesia como presença de afetos, ainda mais em tempos de pandemônio social e viral, tornou-se companhia na falta do espaço coletivo presencial.

Rozana Gastaldi Cominal

Poeta e escritora

autora de MULHERES QUE VOAM

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Rozana Gastaldi Cominal, de Hortolândia/SP. Poeta e professora. Formada em Letras, faz revisão de textos. Acredita na força dos coletivos e com eles faz voz com a poesia na ordem do dia. Publicação de poemas em redes sociais, revistas literárias digitais, e-books e livros impressos. Livro solo Mulheres que voam (2022, Editora Scenarium).

3 comentários:

  1. Ah, fechar fevereiro dessa forma, que beleza! Mais um motivo para continuar escrevendo e compartilhando nossa produção poética. Obrigada imensamente pelo espaço. Forte abraço 🌹 💋

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  2. É bom a gente ler um Artigo tão bem escrito e ilustrado como esses! Sou fã da Rozana!

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  3. Belo texto, poeta! Ótima construção e reflexão.

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