CALDEIRÃO LITERÁRIO IV: DO PEDREGO(ZO)SO CAMINHO DA ESCRITA
Por Marta Cortezão
Ano passado, enquanto me dedicava à construção da Coletânea II: uma Ciranda de Deusas (Editora Sarasvati, 2021), fui tocada por uma preocupação antiga, que estava meio adormecida em mim, acerca do processo de escrita. Mas que naquele momento aflorou com muita força, pois estava mergulhada no processo de escuta das autoras Enluaradas que participavam das lives. E só então me dei conta de que essas inseguranças, essas dúvidas fazem parte do processo de construção literária e nos atravessam a todas; umas com mais ou menos intensidade que outras, mas sempre estão no percurso. Assim que resolvi iniciar uma pesquisa muito subjetiva a respeito do que diziam as várias autoras (séc. XIX, XX e XXI) acerca do próprio processo de criação artística.
De tudo que lia dessas autoras,
naquele momento, me vinha uma necessidade de dialogar com elas, na intenção de dizer
também das minhas impressões, dos meus questionamentos e das muitas inseguranças que me
acompanhavam e que me acompanham fielmente, já que é escrevendo que também nos ouvimos
e é nos ouvindo que entendemos as nossas fraquezas e nos abrimos a novas perspectivas,
assumindo os riscos e os abismos que a palavra nos apresenta. É importante encontrar
meios próprios para conviver com esses medos que estarão sempre conosco a cada
novo projeto que nos cruze o caminho.
Naquele momento, encontrei-me com
um pensamento de Natalie Clifford Barney (1876-1972), nascida nos Estados
Unidos, poeta, ensaísta, romancista que dizia o seguinte:
“Ser o nosso próprio mestre é ser
escravo de nós mesmos.”
O que me fez escrever:
Nem tanto ao céu, nem tanto ao mar;
o voo é livre, e a destreza de voar com asas de cera exige prudência e
sensatez. Acreditar em nosso processo de construção da escrita e/ ou nosso
fazer poético é um bem necessário, divino até. Você já se perguntou por que
somos tão receosas em assumirmos nossa escrita? Seja qual seja a resposta,
escreva! Não se importe com o que o “júri de plantão” irá dizer (especialmente
aquela voz que nos adora sabotar), pois não se pode crescer, em nenhum ofício, sem nele exercitar-se. E, além do mais, o brilho e o calor do sol nos abraçam a todas, apenas
cuidemos de nossas asas de cera, nem tanto ao calor do sol, nem tanto à umidade
do mar.
Outras leituras que anotava nos
cadernos a fim de voltar a elas, como foi o caso do livro Fico
besta quando me entendem – entrevistas com Hilda Hilst, organizado por
Cristiano Diniz. No trecho abaixo, Hilda Hilst (1930-2004), uma das grandes
escritoras do século XX, diz o seguinte sobre “o sofrido caminho da criação artística”:
“As
pessoas perguntam sempre por que a gente escreve e eu fico pensando em todos os
motivos que levam de repente uma pessoa a escrever e penso que a raiz disso em
mim está na vontade de ser amada, numa avidez pela vida. Quem sabe também se
não é uma necessidade de viver o transitório com intensidade, uma força oculta
que nos impele a descobrir o segredo das coisas. Uma necessidade imperiosa de
ir ao âmago de nós mesmos, um estado passional diante da existência, uma
compaixão pelos seres humanos, pelos animais, pelas plantas. [...] Também o ato
de escrever para mim revela às vezes a insegurança, pois o escritor é um ser
frágil, inseguro, ansioso, que procura respostas para todos os mistérios da
vida.”
Portanto, acalmemos os ânimos e o coração,
tudo é estrada, tudo faz parte desse processo de construção da escrita e de nós
mesmas. E digo mais, consumir e fazer literatura também nos humaniza e nos ensina
a envelhecer plenas de juventude. E a insegurança será sempre nossa companheira
e profetisa de vida, porque é dela que vem o desejo de superar os obstáculos. Escreva
sempre, porque, como diz a máxima latina, as palavras voam, mas o que está escrito permanece!
Então não esqueça que HOJE, 09|JUL, SÁBADO, às 17h (Brasília), no canal BANZEIRO CONEXÕES, realizaremos o nosso CALDEIRÃO LITERÁRIO IV.
Estaremos na
companhia das companheiras-escritoras: Heliana Barriga, que nos falará
sobre o seu livro Palavra de boca, Palavra de mão (Editora Paka-Tatu,
2022); Manuela Lopes Dipp com seu Poemas para colocar dentro de uma
garrafa, (Editora Bestiário, 2021); Heliene Rosa, com o livro Rodas
de Contação de Histórias - Eliane Potiguara e Conceição Evaristo (Editora
Subsolo, 2022); também a poeta Patrícia Cacau com Quintais (Editora
In-Finita, 2020), Marina Marino, com seu Tudo foi vivido (Editora
Voo Livre, 2021) e Marta Cortezão, que também apresenta o seu livro Amazonidades:
gesta das águas (Editora Penalux, 2021).
Venha participar
conosco!🧹🧙♀️
Confira a sinopse dos livros das
autoras participantes do Caldeirão Literário IV:
Obs: todos os textos abaixo foram enviados por cada uma das autoras convidadas.
PALAVRA DE
BOCA, PALAVRA DE MÃO | HELIANA BARRIGA
Nós o chamamos O PALAVRA. Um conteiner
de idéias construído com zelo e luta, a quatorze mãos. Mãos desta autora, de duas
filhas e três netos. Um sobrevivente irreverente. Um teimoso reticente. Um
destinado à cabeça e ao corpo. Para todas as vivacidades. Para as crianças
juntas com seus e suas professoras, suas famílias, amigos ou sozinhas mesmo.
Uma saída para a alegria. Uma desistência do suicídio. Prosas e poemicências
novas desta autora inventadeira, que propõe a seu público, as leituras sem
ataduras. Para ler, alterar,
divertir, escrever, e não desistir.
POEMAS PARA COLOCAR DENTRO DE UMA GARRAFA | MANUELA LOPES DIPP
A poesia escapa pelas frestas do
cotidiano, corre solta pelas esquinas e pelos silêncios, encontra acolhida na
encosta dos olhos, faz abrigo nas esperas, no amor e nas mãos, verte profunda
das nascentes do coração de quem sente e vive o poema, a poesia desenha
oceanos. “Poemas para colocar dentro de uma garrafa” abre-se como um horizonte
marítimo de versos, é um mergulho nas águas poéticas de Manuela Dipp. Manuela
que absorve da vida que transborda matéria-prima para o poema, reúne nesse
livro uma generosa e bela seleta de poesias que constelam temas como o amor, as
paixões, o fazer poético, o navegar. De ritmo potente, a poética de Manuela carrega
o movimento das águas: intensa e suave, desaguando em metáforas sinestésicas,
em imagens que ampliam os significados da dimensão dos afetos, dos territórios
do corpo. “Poemas para colocar dentro de uma garrafa” tem o princípio das
cheganças, dos abismos e da devoção por sentir-viver poesia derramada em
palavras. A experiência dessa leitura transcende qualquer mapa, linha, letra,
fronteira ou caminho, é uma vivência-mergulho arrebatadora.
Michelle C. Buss
João Pessoa, agosto 2021
RODAS DE CONTAÇÃO DE HISTÓRIAS – ELIANE POTIGUARA E
CONCEIÇÃO EVARISTO | HELIANE ROSA
Este livro é fruto
do projeto extensionista “Rodas de Contação de Histórias: Eliane Potiguara e
Conceição Evaristo”, o qual homenageia duas intelectuais brasileiras
contemporâneas que têm contribuído para o fortalecimento identitário e
literário das mulheres indígenas e pretas em nossa sociedade. Eliane Potiguara
representa os agenciamentos das intelectuais indígenas brasileiras, expressando,
nos limites da escrita poética, suas lutas, seus sonhos, seus desejos, suas
potencialidades e suas subjetividades. Desde a década de 1970, ela é uma mulher
expoente da literatura contemporânea de autoria indígena, bem como militante do
Movimento Indígena Brasileiro. Já Conceição Evaristo representa as intelectuais
negras brasileiras que faz reverberar, em textos literários “escreviventes”, as
opressões impostas por uma sociedade racista, sexista, de base escravocrata e
patriarcal, cuja violência contra as mulheres pretas cresce exponencialmente. Ela
é mestra em Literatura Brasileira pela PUC-Rio e Doutora em Literatura
Comparada pela Universidade Federal Fluminense. Possui livros de poesia e
narrativas nos quais se transitam figuras femininas negras representativas de seus
papéis sociais no Brasil.
QUINTAIS | PATRÍCIA CACAU
O livro quintais é
um espaço de refúgio, aconchego.
A expressão
orgânica de uma mulher comum, quanto tantas sem lugar de privilégio que usa o
seu caderno como amigo mais íntimo, onde desabafa as suas angústias e anseios
no seu profundo desejo de seguir em frente e reinventar seus sonhos, e
libertar-se do que outrora afligia o seu viver e descobre:
Que escrever é
como respirar pelo papel.
Patrícia Cacau POETA
TUDO FOI VIVIDO | MARINA MARINO
Um encontro
esperado há reencarnações.
Mulheres que
distribuem seus dons, através de suas profissões atuais, no jornalismo, na
fotografia, na relojoaria, na medicina, na culinária, sem ao menos saberem que
os possuem.
Mas como tudo o
que foi vivido jamais é esquecido porque fica gravado no coração, elas
recordarão sua verdadeira identidade quando se reencontrarem.
TUDO FOI VIVIDO,
um livro para ser lido com o coração.
AMAZONIDADES: GESTA DAS ÁGUAS | MARTA CORTEZAO
Amazonidades: gesta das águas passa por um livro de poesia, mas é muito mais que
isso: é um compêndio de Amazônia, uma súmula do imaginário dessa região que se
espraia por nove países e, no Brasil, por nove estados, e agora, em domínios de
Castela e Leão, funda um virtual território independente, representado pela
poesia de Marta Cortezão.
Ler as trovas de
Marta é como remexer uma biblioteca de sonhos, o imaginário amazônico, onde
todo o conhecimento do “povo das doces águas” está reunido: os acesumes, as
comilanças, as leseiras, as caboquices, os encantados – nossos mitos ancestrais.
Marta inventa palavras e, como Drummond, torna outras mais belas: “Apeixono-me
de escama / em noite de virar bicho”; “canoei todo um rio-mar”; “O que
assaranha uma vida?”; “Sevava palavras cruas”; “e na cólera das horas”; “pois
janeirava à tardinha”. São apenas amostras. O leitor poderá “caniçar”
outras dezenas de exemplos brilhantes.
Duas linhas de
pensamento são recorrentes: a sensualidade e a metalinguagem. Às vezes, elas
vêm juntas: “A
traquinagem do verso / faz vaginar pensamentos; / então me entrego, de certo, /
ao falo afoito do vento.” As
metáforas são sempre construídas com elementos do imaginário: “Pensamentos
escamei, / aparei todas as abas, / as cicatrizes limpei / e salmourei as
palavras.” E observem o domínio da métrica e das rimas – toantes, inclusive.
Senhora de seus elementos, Marta Cortezão revela-se, sobretudo, senhora de seu ofício.
Zemaria Pinto,
escritor.
"Tudo é estrada", lindo demais isso. Nossa insegurança é nossa companhia, pois o desconhecido é sempre espantoso! Adorei o texto!
ResponderExcluirSim, Flavia, é sempre companheira. Muito obrigada pela leitura e comentário. Um abraço fraterno.
ExcluirDigno demais esse texto. Liberdade na palavra! Abrir as asas e voar humanamente. Sem pressa. Gozando a plenitude desse vôo. 😍
ResponderExcluirObrigada, Ale, pela visita. Voemos!😘🌷
ExcluirQue a insegurança seja sempre mola propulsora para o desafio.
ResponderExcluirTudo que precisamos ouvir a cada minuto da caneta agarrada nos dedos sobre o papel, está aqui no seu texto! Bravíssima e iluminada Marta Cortezão 🌹 gratidão 😘😘 Sou tua fã!
Será um lindo encontro😍Obrigada, Cacau.😘
ExcluirEntão...Pensando no que nos inspira a escrever e na provocação feita por você, Marta, me peguei falando sozinha e chamando a atenção dos que estavam presentes ao meu redor. Me olharam com interrogação nos olhos, sem entender. Pouco importa o que pensam! Sorri de mim para mim. Sou poeta e posso falar sozinha, sonhar acordada, dançar na chuva e correr com os cabelos ao vento sem nenhum pudor! Posso escrever!
ResponderExcluir- E, por que escrevo? Me vem à mente - "Escrevo para não morrer! " Assim falou Saramago!
Concordo com a sensibilidade do escritor. Penso em mim, em nós... Mas, além de escrever para não morrer, penso que nós mulheres escrevemos para remexer a história, revirar as páginas do tempo e resgatar nossa essência roubada. Algo poderoso nos move traduzido na energia que emanamos umas das outras. Energia que nos faz sonhar outro mundo aquecido como o útero da terra, úmido e fértil como a névoa das florestas e afetuoso como os olhos da mãe a admirar o filho. Somos, meninas! Sobre ser estrada... Somos estrada percorrida pelas mulheres que vieram antes, a estrada que sustenta nossos pés hoje e a insegurança da estrada que nos espera no amanhã. Somos conhecimento em efervescência! Neste sentido, agarro-me às mãos deste coletivo poético que, com sensibilidade, me ajuda a ser uma pessoa melhor. Uma poeta cambaleante a escrever nas linhas tortas deste cotidiano marcado pelo abuso de poder do patriarcado que não admite a própria fragilidade e inaptidão a gerar a vida. Incapacidade de amar de forma incondicional.Um patriarcado que culturalmente inclui homens e coopta mulheres na produção do ódio ao feminino e na continuidade dessa mentira escrita e falada sobre a verdade de todas nós. Mas... somos guerreiras do tempo. Não nos calaremos! A ocultação da verdade escapa-lhes das mãos feito fumaça e ela, a verdade,em nós, aflora pela poesia e pela força desse coletivo. Revirar, remexer, resgatar, pela força da deusa palavra, a história que nos constitui! Não! Não nos calaremos!
Grande abraço Poetas!
Que comentário lindo, Margarida Montejano! Pode se transformar em outro texto de reflexão sobre a escrita. Que tal? A gente posta😁😍Obrigada.
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