Conto/01
Por Ana Dietmüller
Dia agitado na organização que
presta serviços de aconselhamento jurídico a refugiados e imigrantes.
Nos últimos minutos de
expediente adentra um rapaz de semblante grave, mas bastante educado e com bom entendimento
da língua do país onde estava agora residindo.
- Bom dia, senhora. Gostaria
de saber o que é necessário para trazer minha esposa, que ficou no Afeganistão.
A jurista explica todo o
procedimento e os requisitos obrigatórios a serem cumpridos a fim de
possibilitarem a vinda da esposa. Legalmente, tudo correto e a documentação
trazida para conferência estava, da mesma forma, dentro do exigido. O marido -
originalmente refugiado sírio - já residia há anos no país europeu que lhe
conferiu asilo; já exercia trabalho remunerado e ganhava o suficiente para
demonstrar às autoridades que tinha reais condições de trazer sua esposa para
morar consigo.
Com a resposta da
profissional, o consultante demonstrou alívio, mas um único detalhe foi
suficiente para que retomasse o semblante grave: era também requisito
obrigatório que a esposa fosse, pessoalmente, à embaixada do país que receberia
o pedido de reunião familiar para entrega da documentação.
- Meu Deus, minha esposa terá
de ir pessoalmente e fazer tudo sozinha?
- Sim, senhor. Do contrário, o
processo não será aceito se for feito através de advogado ou terceira pessoa.
Precisa ser sua esposa em pessoa.
- Sabe, senhora, por isso meu
desejo em tirá-la de lá o mais rápido possível: ela, obviamente, fará tudo o
que eu disser ou meu pai ou meu irmão, mas não terá muito domínio do que estará
fazendo. Ela irá pessoalmente, mas, com toda a certeza, terá de ser acompanhada
por um homem, porque lá as coisas funcionam assim ainda, infelizmente. Quero
deixar tudo o mais “mastigado” possível no intuito de evitar complicações que
ela não terá condição de resolver, por mais simples que sejam. Por isso,
também, todo meu esforço em trazê-la: para que veja que as mulheres têm direitos,
liberdade e podem resolver coisas quotidianas por si mesmas!
Após preencher os últimos
documentos e o breve desabafo, o marido despediu-se, agradecendo a consultoria
prestada.
A jurista, acostumada à
repetição mecânica, diária e profissional do “sua esposa precisa ir
pessoalmente”, deu-se conta de que, até então, jamais havia pensado sob esse
prisma. Suspirou, silenciou e tergiversou: “a mulher, de todos os dias, que
somos aqui, não é a mesma mulher, de todos os dias, de lá. Triste!”
Envolta em pensamentos, fechou
a porta atrás de si e rumou para casa!
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Agradecemos seu contato. Em breve lhe responderemos. Obrigada.