sábado, 4 de março de 2023

VERBO MULHER: AS MÁGOAS DE MARÇO, POR HELENA TERRA

V E R B O M U L H E R|05

AS MÁGOAS DE MARÇO

POR HELENA TERRA

[Imagem arquivo Pinterest]

Não tenho tido tempo para escrever.  Não o tanto que eu gostaria. Depois de ler, é o que mais gosto de fazer do ponto de vista intelectual. E digo do ponto de vista intelectual porque trocaria minha estante e as inúmeras pilhas de livros que se alastram pela minha casa pela companhia das minhas amigas e amigos sem pensar duas vezes. É, eu gosto de gente. Muitíssimo. Mais até do que de bichos. E a gente sabe que a maioria é mais leal e divertida que uma boa parte de nós. Não é à toa que dizemos “fidelidade canina” quando nos referimos a alguém incapaz de nos trair. Mas vamos ao que interessa neste mês de março, o mês escolhido, com o consentimento do patriarcado, para recebermos flores, bombons e textos na Internet, alguns escritos inclusive por nós mesmas indevidamente assinados por homens, no dia 8. Oito é o número do infinito. Eu nasci em um dia oito. Meu pai nasceu em um oito também e morreu em um dia oito em uma coincidência que me perturba um pouco, mas não me magoa. Vou falar sobre o que me magoa. Não sobre tudo, é claro, que não é para este texto ser uma sessão de terapia ou um tratamento inteiro mesmo. 

        Começo então por uma das agressões que considero das mais violentas: as de uma mulher contra outra. Eu sei que somos socializadas desde o nascimento para criticarmos a aparência umas das outras, para não considerarmos as opiniões umas das outras, para competirmos por laços de afeto, namorados, maridos, para não confiarmos umas nas outras, para julgarmos umas às outras e para ficarmos ao lado dos homens quando houver um conflito. Qualquer tipo de conflito porque os homens têm razão mesmo quando não têm e porque, de um modo ou outro, nós somos as bruxas que devem praticar o auto-ódio feminino, e eles são os reis da cocada. Se eles disserem que algo foi assim, então foi. Quem somos nós para questioná-los e para apontar nossos lindos dedos de unhas vermelhas em seu nariz? E falo aqui de mulheres de todas as faixas de idade, inclusive as nascidas sob esse terceiro milênio depois de Cristo. Talvez se fosse depois de Crista as coisas fossem diferentes e não houvesse ainda mulheres tão sexistas quanto os homens, porque as mulheres podem ser sexistas e algumas de fato são apesar de suas tatuagens, cortes de cabelos e uma série de outros signos que sugerem senso crítico e ruptura.

[Imagem arquivo Pinterest]
No livro “O feminismo é para todo mundo”, meu livro favorito sobre o tema, da Bell Hooks, publicado pela primeira vez na virada do milênio, ela, uma mulher nascida no início dos anos cinquenta do século passado, diz: “para acabar com o patriarcado (outra maneira de nomear o sexismo institucionalizado), precisamos deixar claro que todos nós participamos da disseminação do sexismo, até mudarmos a consciência e o coração; até desapegarmos de pensamentos e ações sexistas e substituí-los por pensamentos e ações feministas.” Pois é. Por mais difícil que pareça temos de esquecer a antiga e dominadora cartilha de verdades dos homens, mesmo das dos que nós amamos, porque está no inconsciente coletivo, principalmente masculino, dominar. Dominar pela força física, pela econômica e pelo discurso. Discurso que a eles beneficia, discurso mantenedor de seus privilégios e de seus prazeres. 

Outro dia, só para dar um exemplo, na fila do caixa de um supermercado, ouvi uma jovem, que deve ter entre vinte e vinte e cinco anos, dizer à outra que uma tal fulana era muito “banheiro público” e as prejudicava "na noite". Sim. Banheiro público porque a sexualidade das mulheres, o erotismo das mulheres, o gozo e a liberdade das mulheres se não é um pecado, é um crime ou uma ofensa à moral e aos bons costumes, todos implacáveis na hora de julgar e punir uma mulher e benevolentes na hora de avaliar as atitudes de um homem. Como diz a Marcia Tiburi, em seu livro “Feminismo em comum, “de nada adianta dizer-se feminista sem lutar pela transformação da sociedade”. E essa transformação, quer a gente queira ou não, começa em nós mesmas e mesmos, porque você, homem que também me lê, pode e deve fazer a sua parte. Aliás, caríssimo, nos deve cada pedacinho.

[Imagem arquivo Pinterest/ Frase de Victoria Sau]

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Helena Terra é escritora, jornalista, coordenadora do grupo de leitura e escrita criativa A Palavra Tem Nome de Mulher dentro do Presídio Feminino Madre Pelletier em Porto Alegre e editora no Selo Editorial Besouros Abstêmios. Autora dos romances A Condição Indestrutível de Ter Sido e Bonequinha de Lixo.

quarta-feira, 1 de março de 2023

UMA CARTOGRAFIA DA ESCRITA DE MULHERES: ENTREVISTA COM LINDEVANIA MARTINS, POR GABRIELA LAGES VELOSO

   


UMA CARTOGRAFIA DA ESCRITA DE MULHERES |05

ENTREVISTA COM LINDEVANIA MARTINS

Por Gabriela Lages Veloso

"Não há barreira, fechadura ou tranca que você possa impor à liberdade da minha mente”, essa frase da escritora inglesa Virginia Woolf representa como a literatura é uma importante arma de combate contra as desigualdades de gênero, ao dar voz e poder às mulheres. Na intenção de mapear as margens e abrir espaço para as novas vozes sociais, nossa coluna intitulada Uma Cartografia da Escrita de Mulheres tem como principal objetivo promover a valorização de escritoras contemporâneas, através de entrevistas. Hoje, temos a honra de receber a escritora Lindevania Martins, uma importante voz para a cultura feminista atual, que, diariamente, luta pela igualdade de gênero.

ENTREVISTA COM LINDEVANIA MARTINS:

Arquivo pessoal da autora

Lindevania Martins é maranhense (Pinheiro-MA) e mora em São Luís. Graduada em Direito e Mestra em Cultura e Sociedade pela UFMA, é mestranda em Direito Constitucional pela UFF. Delegada de polícia entre 1998 e 2001, é defensora pública de Defesa da Mulher e População LGBTQIA+. Atua como escritora, palestrante e pesquisadora em Gênero, Tecnologia, Direito e Literatura. Integra o Grupo de Pesquisa em Crítica Jurídica Contemporânea (UFF). É membro do coletivo literário feminista Mulherio das Letras. Venceu por duas vezes o Concurso Literário e Artístico Cidade de São Luís, categoria contos (2003 e 2005). Recebeu uma menção honrosa no Concurso Nacional de Contos da OAB Nacional (2006). Foi selecionada para publicação no Concurso de Originais da Editora Benfazeja (2017). Finalista no 1° Concurso Nacional de Contos Ciclo Contínuo (2017). Jurada no concurso internacional de contos “Her Story”, da Plataforma Sweek em conjunto com  o Leia Mulheres (2018). Venceu o 6° Premio CEPE de Literatura (2021). Possui contos e poemas publicados em diversas antologias, revistas impressas e sites, dentre os quais destacam-se: Cadernos Negros n. 42, Revista Gueto, Revista Pixé, Ruído Manifesto, Laudelinas, Café Espacial, Jornal O Relevo, e Acrobata. Autora dos livros Anônimos (2003), Zona de Desconforto (2018), Longe de Mim (2019), Fora dos Trilhos (2019), A Moça da Limpeza (2021) e Teresa Decide Falar (2022).

Como você começou a escrever?

Sempre fui uma leitora voraz e ler tanto despertou em mim a vontade de escrever. Comecei a escrever na adolescência, a partir da observação dos amigos, vizinhos e de mim mesma. Havia coisas sobre eles e sobre mim que eu não compreendia e através da escrita, através de um exercício de imaginação, eu preenchia essas lacunas. Logo percebi que escrever nos conferia um pequeno poder: através da ficção, eu poderia criar realidades, construindo eventos paralelos e poderia até mesmo mudar o final de certas histórias. E não só: escrever me obrigava a organizar fatos, memória e imaginação. E isso me fazia compreender um pouco mais sobre o mundo, sobre aquilo que me rodeava, inclusive compreender coisas sobre quem eu era. Para uma garota extremamente curiosa, isso era o máximo! 

A sua formação acadêmica, na área de Direito, tem alguma influência na sua escrita literária?

Muito! Diria que hoje percebo como minha identidade como profissional do direito e como escritora são complementares e se conectam de modo profundo, uma coisa contaminando a outra. Especialmente nesse momento em que me encontro mais madura e de volta à atividade acadêmica, fazendo mestrado em Direito Constitucional e repensando meu percurso profissional no mundo jurídico. Tudo isso constitui um conjunto e minha escrita se torna o resultado de todas essas interferências.

Por que você escreve?

Volta e meia me faço essa pergunta.  E são tantas as respostas que me ocorrem! Mas percebo que é principalmente uma necessidade íntima de auto-expressão que me move. Escrevo, talvez, porque sempre fui muito calada e escrever me obriga a usar e projetar uma voz interior, me obrigando a ir contra minhas inclinações naturais relativas ao silêncio. Escrevo, talvez, porque às vezes a comunicação parece inútil e tenho esperança de que, em algum momento, não seja mais. Escrevo porque sou mulher e as mulheres por tempo demais foram excluídas do espaço público, pelo que encaro como uma obrigação usar do espaço literário, um espaço de discurso público por excelência, para afirmar não só a minha identidade feminina, mas as  de as de outras mulheres e as singularidades ligadas a ela. Escrevo porque venho de um lugar em que os meus, alguns pobres demais, outros analfabetos, jamais pensaram em escrever porque esse tipo de atividade não fazia parte do seu universo de possibilidades e quando escrevo, também escrevo por eles.

Quais escritoras(es) te inspiram?

Foram e são tantos. Cada escritor e cada escritora produziram em mim efeitos diferentes e elas e eles mudam de acordo com as fases de minha vida e com as minhas buscas pessoais. É mais fácil falar daqueles que estão mais distantes de nós, como Maria Firmina dos Reis, Hilda Hilst, Kafka, porque os efeitos dos contemporâneos, especialmente desses com os quais convivo, ainda estão sendo produzidos e creio que nos influenciamos mutuamente. 

Conte-nos sobre o seu primeiro livro, Anônimos (2003). Como foi o processo de escrita? Quais temáticas você aborda? Onde podemos adquiri-lo?

Anônimos, meu primeiro livro, surge quando ainda não sabia qual era a minha voz como escritora, nem o que queria alcançar ao escrever ou porque eu escrevia. Então, é um livro permeado por experimentação, contendo dezesseis contos de uma jovem escritora que está tateando e que ainda não pisa no chão com segurança. O crítico Couto Correia Filho, que assina a orelha, diz que nele há contos com uma carga dramática que choca a sensibilidade do leitor. As temáticas que abordo são variadas mas guardam algo em comum com a escrita que desenvolvo até hoje: indagam pelo sentido das coisas. Anônimos pode ser comprado através da livraria AMEI – Associação Maranhense de Escritores Independentes, tanto na loja física quanto na virtual.

Comente sobre Zona de Desconforto (2018). Explique o título e suas implicações no sentido/proposta da obra, e onde podemos adquiri-la.

Depois de publicar Anônimos em 2003, decidi que não queria mais escrever e fiquei quase quinze anos sem publicar livros, até que veio Zona de Desconforto em 2018, contendo oito contos. Zona de Desconforto é o nome do primeiro conto, que abre o livro, e que narra a história de uma menina do interior do Maranhão que é explorada no trabalho doméstico na capital. Ao escolher o nome do conto como título do livro, quis ressaltar a importância desse conto para mim, que retoma a história de várias mulheres da minha família. Mas o título ainda cumpre outras duas funções. A primeira é informar sobre os cenários nos quais meus personagens se movem: hostis. A segunda é já alertar ao leitor sobre o tipo de coisa que ele irá encontrar no livro, para que tenha a opção de se afastar, pois o livro tem uma escrita ácida e dura que pode incomodar aos mais sensíveis. O livro pode ser comprado através da internet, pela Amazon  ou no site da Editora Benfazeja, mas também na  livraria AMEI – Associação Maranhense de Escritores Independentes, tanto na loja física quanto na virtual.

E quanto ao seu livro mais recente, Teresa Decide Falar (2022)? Qual é o mote desse livro? Onde podemos adquiri-lo?

Teresa Decide Falar é meu livro mais maduro. Traz quinze contos que transitam fortemente por universos fantásticos e que dialogam com meus livros anteriores, mas dialogam principalmente com as minhas obsessões.  Alguns temas se repetem, como esses ligados à linguagem e à morte. Mas sigo por outros caminhos. Na escrita desse livro, fui muito inspirada por diversas obras e autores. O conto de abertura do livro, Teresa Decide Falar, por exemplo, é inspirado  no livro Pode o Subalterno Falar?, de Gayatri Spivak. Já o conto Encontro Marcado,  se inspira em um dos meus filmes preferidos, O Sétimo Selo, de Bergman. O livro pode ser comprado através da internet, pela Amazon  ou no site da Editora CEPE, mas também na  livraria AMEI – Associação Maranhense de Escritores Independentes, tanto na loja física quanto na virtual.

Fale sobre as suas participações em concursos e prêmios literários, como, por exemplo, o CEPE de Literatura (2021).

Os concursos e prêmios literários sempre estiveram nos meus horizontes, em um movimento originado menos por busca de prestígio e mais por insegurança, por não ter certeza sobre aquilo que eu escrevia era realmente literatura. Vencer concursos literários ou ser finalistas de prêmios vieram como incentivos para minha escrita, me apontaram que minha escrita tinha alguma qualidade estética e divulgaram meu trabalho entre leitores, criticos, outros escritores e profissionais do livro. 

Mais do que escrever, é necessário fazer ecoar nossas vozes. Assim, se destacam projetos feministas tais como o Coletivo Mulherio das Letras. Qual é a importância dos coletivos literários, para você?

Estou no Coletivo Mulherio das Letras desde o início do movimento e estive em todos os encontros presenciais. É um local de fortalecimento para nós, mulheres escritoras. Acho muito interessante quando você usa a expressão “ecoar nossas vozes”. É isso que penso: não basta escrever. É preciso que essa escrita repercuta no mundo, ecoe e produza mudanças. 

Como convidada da nossa coluna Uma cartografia da escrita de mulheres, qual mensagem você deixa para a nova geração de escritoras?

Que estejamos juntas e que possamos reexaminar e expandir o que consideramos nossos limites.


Contatos da escritora:

Instagram: @lindamartins

E-mail: lindevaniam@yahoo.com.br

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Gabriela Lages Veloso é escritora, poeta e mestranda em Letras pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA). É colunista da Revista Sucuru e do Feminário Conexões, editora do núcleo poético de divulgação feminina Sociedade Carolina e membro do projeto Entre Vasos y Versos, que conta com a participação de escritores de diversas nacionalidades. Além disso, colabora com coletâneas e revistas nacionais e internacionais. Em 2023, organizou a Antologia Poéticas Contemporâneas: uma cartografia da escrita de mulheres, juntamente com a Editora Brecci Books.



sexta-feira, 24 de fevereiro de 2023

POETA OU POETISA? EIS O MOTIVO!, POR ROZANA GASTALDI COMINAL

Rozana Gastaldi Cominal

POETA OU POETISA? EIS O MOTIVO![1]


Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.

(Fragmento do poema "Motivo", de Cecília Meireles)

Poeta ou poetisa? Também sou do clube de Cecília Meireles, sou POETA. Sou pela língua viva, orgânica que extrapola o dicionário, a nomenclatura, a gramática dos gêneros. Estou emparelhada aos movimentos sociais, língua explosiva quando negam o direito à vida. 

Encontro eco ao ler Lunna Guedes, ela mesma ou a voz de Catarina, pois sua escrita é tomar uma infusão de ervas que inebria: “Sei o verso que chega e se aconchega nos olhos e na boca, na pele”, é ouvir  Chico César ao violão dedilhar: “Chega tem hora que ri de dentro pra fora/ Não fica nem vai embora/ É o estado de poesia”. Encontros assim é oração, estado de graça, porque, continua Lunna: “Ler poesia é ler-se… em algum momento a pele goza do arrepio sagrado da primeira vez e eu terei minha porção de tudo e nada (de novo). Amém."

Oração verbal ou nominal plena de sentidos, de significados, de intenções. Assim como os versos se quebram na linha reta, contínua, a linguagem carrega em POETA todo um ritmo peculiar para captar o instante. É a celebração da palavra, sílaba a sílaba daquilo que atina os sentidos não somente em mim, mas em quem me lê, sábia Cora Coralina resume tudo isso muito bem: “POETA não é somente o que escreve. É aquele que sente a poesia, se extasia sensível ao achado de uma rima à autenticidade de um verso”. Atrevida exibo minha
 
Flâmula


poeta sou

sigo a voz

que chama

solta

e

revolta

sigo o peito

que inflama

 

poeta sou

solto a voz

que alumia

a estrada

onde companheiras

& companheiros

me esperam com o

coração na epiderme

[Imagem Pinterest]
ESCREVER é dialogar com a mente. É trabalho hercúleo, exige conhecer-se. Eu me autorizo a escrever, a interpretar, a sonhar, a ficcionar. Ao mesmo tempo que descubro que tipo de leitor eu sou. LER é descobrir universos paralelos que revelam-se as influências literárias. Captou a composição estética e a crítica? Exige harmonia entre forma e conteúdo com humor, deboche, ironia, crítica social/política, lirismo. Não é mero amontoado de palavras em linhas quebradas quando se trata do poema. Nem parágrafos bem ajustados em linhas paralelas na prosa. Saliento que ambos têm ritmo, compasso e descompasso, mas não me peçam para explicar um poema.

Aprendi com Hilda Hilst: "É triste explicar um poema. É inútil também. Um poema não se explica. É como um soco. E, se for perfeito, te alimenta para toda a vida. Um soco certamente te acorda e, se for em cheio, faz cair tua máscara, essa frívola, repugnante, empolada máscara que tentamos manter para atrair ou assustar. Se pelo menos um amante da poesia foi atingido e levantou de cara limpa depois de ler minhas esbraseadas evidências líricas, escreva, apenas isso: fui atingido. E aí sim vou beber, porque há de ser festa aquilo que na Terra me pareceu exílio: o ofício de POETA”. Ao compreender que literatura é afetar, socar, sacudir, a/o POETA promove um esforço coletivo para salvar a vida de alguém ou talvez salvar a si própria/o.  

[Imagem Pinterest]
POETA sou e organizo o pensamento, vasculhando a memória na busca de narrativas, descrições e reflexões. Vasculho, ainda, gavetas, caixas e baús para capturar lembranças, sentimentos, sensações. Nesses cofres secretos, ficam os gatilhos para minha-sua-nossa escrita: objetos, fotos, cheiros, perfumes – estímulos para a produção literária. Os poemas ganham destaque,com jogo de palavras cravado na memória e na curiosidade de sentidos, sinestesias em efusão, metáforas, sentimentos em turbilhão. 

Desesperada, devastada, dardos do desânimo disparados, descansaremos quando? Desigualdades dilacerantes, denúncias, demandas, desgraças que nos arrasam e nos arrastam para o fundo do poço. Seja na escuridão da noite, seja na noite sertaneja enluarada, somos seres desejantes, o mundo precisa de um abraço, eu preciso de um abraço...

Catástrofe sanitária, cegueira no horizonte, colapso mundial, tudo desmoronando, estou fazendo arte? De nada adianta lutar?  Como POETA faço aquecimento, carrego kit sobrevivência, até parece que vou-vamos entregar os pontos! POETAS somos! Abaixo a corrupção, a necropolítica, os sem-noção! Quanto ainda nos falta para chegar a ser nação? Que rolem os dados... 

[Imagem Pinterest]
Não contavam com nossa astúcia: lockdown utópico que nos faz caminhar para dentro de si e depois, quem sobreviver, ocupar o cenário exterior. O adágio popular faz sentido: Não há mal que sempre dure nem bem que nunca acabe. Contagem regressiva para os sobreviventes. Sinal dos tempos que dias melhores virão. A luta pela vida se faz diária, enquanto uns seguem delirando, alguns nem sabem do que se trata, outros, imunizados  estarão  com vacina e poesia. Em luto, em luta, poesia como antídoto.

P.S. 1

Mas ousadia mesmo é com Jéssica Iancoski que reivindica a autoria:

Também

 

devo me apossar

da palavra autor

se enfraquecido

não existe o masculino

sou poeta sou autor

sou o dono da minha vida

e acima de tudo

mantenho-me mulher


O que posso dizer? Somos os donos de nossa voz no mundo. Síntese intensa traz seus versos, lacrou total! Isso é

 

Nocaute

 

pilhados?

trocam-se três por um

adeus aos neurônios suicidas 

P.S. 2

E para fechar o ciclo, deixo uma dica que copiei nem sei quando nem de onde.

[Imagem Pinterest]
Ritual das folhas que caem

Procure no chão de jardins ou praças, sete espécies diferentes de folhas “caídas”. Coloque todas juntas numa pequena pilha e costure parte de suas bordas de maneira que pareça um pequeno livro de folhas verdes. Este é seu livro mágico da Natureza. Coloque-o dentro de um envelope e tenha-o sempre por perto. Ele é um canal para sua vida mágica, pois todo o conhecimento contido nas folhas será transmitido a você por meio da sua intuição.

P.S. 3

Poesia virou autoajuda agora? Sempre foi, palavra de POETA que vê poesia como presença de afetos, ainda mais em tempos de pandemônio social e viral, tornou-se companhia na falta do espaço coletivo presencial.

Rozana Gastaldi Cominal

Poeta e escritora

autora de MULHERES QUE VOAM

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Rozana Gastaldi Cominal, de Hortolândia/SP. Poeta e professora. Formada em Letras, faz revisão de textos. Acredita na força dos coletivos e com eles faz voz com a poesia na ordem do dia. Publicação de poemas em redes sociais, revistas literárias digitais, e-books e livros impressos. Livro solo Mulheres que voam (2022, Editora Scenarium).

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2023

PROCESSOS DE ESCRITA: MINOTAURAS, POR LÍGIA SAVIO

[Arquivo pessoal da autora/Facebook]

PROCESSOS DE ESCRITA: MINOTAURAS 

POR LÍGIA SAVIO

Como não podia deixar de ser, a questão feminina vinha me instigando há muito tempo e me levando a escrever poemas sob esta tônica. Fui revisitando minha história e me dando conta do quanto fora oprimida pelo simples fato de ser mulher, mesmo usufruindo dos privilégios que tem uma mulher branca, letrada e que nunca viveu numa periferia, mesmo tendo trabalhado numa delas. Havia uma urgência em escrever sobre a minha trajetória, que era a de tantas mulheres como eu e apresentar, através da escrita, as minhas tentativas de libertação dos padrões patriarcais em que ainda vivemos.

O próprio fato de uma mulher escrever já é um ato de rebelião, considerando que a maioria dos escritores é do sexo masculino. Estudiosa da cultura grega, percebi o quanto ela fora dominada pelos homens. A própria mitologia grega representava um ponto de vista masculino e até misógino em suas histórias. Resolvi, então, ressignificar os mitos que sempre me encantaram. Assim, escrevi alguns poemas neste teor. Como exemplo, cito Re-mitológica: 

[Arquivo pessoal da autora/Facebook]
           É só do sal de Urano

que nasce a força erótica?

Foi esta a história que contaram.

Só os deuses-homens

gestavam o amor.

Mas Afrodite,

na concha

expele jorros

pelas pernas

criando palavras

                                                          de todos os sexos.


[Arquivo pessoal da autora/Facebook]

Assim escrevi Recado a Perseu, Antígona, Viagem ao Hades e outros poemas. Nesta linha, nasceu o livro Minotauras, meu mais recente livro solo de poemas, lançado em dezembro de 2022, em Porto Alegre, pela editora Casa Verde. Imaginei o monstro do labririnto como um ser feminino. Um ente execrado por todos, que deve permanecer escondido, pois oferece perigo e é temido por seu poder: não é isto o retrato das mulheres?

Há um poema no livro cujo título (Minha deia) faz um trocadilho com o nome da poderosa personagem Medeia e que finaliza assim, fazendo alusão à história desta mulher:


No ágon da vida

quero ser

a principal

a que imola

a que mata

a que foge 

no carro dos deuses.

não me peçam pra não latejar.

 

É o que pretendo para todas as mulheres com este livro. 

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Para aquisição do livro entre em contato com Lígia Savio através de seu perfil do Facebook, clicando AQUI.

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Lígia Savio é gaúcha de Porto Alegre, participou de várias antologias do Mulherio das Letras. Em 2015, publicou seu primeiro livro solo de poemas, No Dorso da Palavra, em 2019, Fios de Aço e, em 2022, Minotauras.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2023

LIÇÕES DE SILÊNCIO: A ERA DO AGELESS, POR RITA ALENCAR CLARK

LIÇÕES DE SILÊNCIO|06

POR RITA ALENCAR CLARK

A ERA DOS AGELESS

Tem dias que você se olha no espelho e não mais se reconhece jovem. E isso é um fato, não uma suposição,  aos olhos da sociedade utilitarista, nós somos aqueles que estão prestes a penetrar nos 60 anos, nos reconhecemos, dispensáveis, pior que isso, principalmente às mulheres, somos carta fora do baralho, nossa aparência,  seja ela qual for, será julgada, até  que nos tornemos invisíveis,  apagadas do mapa das oportunidades!

Ok, essa é  a real! Como, então, sobreviver a essa realidade sem despedaçar a sua autoestima? Sentindo todas as culpas de seu passado sobre as costas?


Aí que entra o poder de se reinventar diante às adversidades, sem surtar, ou retalhar sua alma…a certeza, que vem fazendo o que tem que ser feito, ouvindo a voz interior, não ouvindo a voz interior e quebrando a cara, aprendendo de joelhos debaixo do chuveiro, num grito mudo e convulsivo. A gente sai renovada! Pronta pra seguir em frente. Seja pra onde levar o coração… e, muito provavelmente, estarei quebrando a cara de novo… ou não! Tô  mais sabida agora!

Tudo isso porque fui ler uma matéria sobre pessoas que se auto intitulam Ageless. O que , pra mim, não passa de mais uma estratégia inócua, de pessoas que não  se sentem fortes o bastante para enfrentar o envelhecimento. Não  critico, nem julgo, mas me permito dizer minha idade, com um certo orgulho interno, uma vaidade sarcástica,  pode ser. Mas agora, faltando seis meses para fazer 60 anos, bateu um olho no olho no espelho. Um vai ou racha comigo mesma! Foi tenso. Fizemos acordos, projetos e nos comprometemos a cumprir. 


O tempo passa rápido,  não  dá  mais tempo de ser nada além de mim mesma, quem eu sou já  foi construído,  se fosse uma obra de arte seria a "Catedral de Gaudí" em Barcelona. Toda feita de pequenos cacos e artefatos. Sabe? Já  foi, de agora em diante é  aprimorar o ser que você  já  é. Ou então enfrentar as consequências de não ter tido coragem de viver a vida, mesmo que isso incluísse se atirar no abismo do desconhecido. Eu me atirei…dei o salto da fé, me taquei lá  de cima!


Portanto, tenho, sim ,direito de me olhar olho no olho no espelho e concordar com o Cazuza: "Mas se você achar

Que eu 'to derrotado

Saiba que ainda estão rolando os dados

Porque o tempo, o tempo não para"


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Rita Alencar Clark, professora de Língua portuguesa e Literatura, poeta Amazonense, contista, cronista, ensaísta, revisora e curadora. Membro do Clube da Madrugada (AM) desde 1987, membro fundador da ALB/AM- Academia de Letras do Brasil/Amazonas e da ACEBRA-Academia de Educação do Brasil. Colaboradora do Blog Feminário Conexões e dos Coletivos Enluaradas e Mulherio das Letras, com participação em diversas coletâneas e antologias poéticas, sempre representando o Amazonas. Tem dois livros publicados: "Meu grão de poesia" e "Milton Hatoum - Um certo olhar pelo Oriente-Amazônico".

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2023

PROCESSOS DE ESCRITA: CONSTRUINDO VERSOS, POR RILNETE MELO

PROCESSOS DE ESCRITA: CONSTRUINDO VERSOS 

POR RILNETE MELO


Movida pelas pernas da sensibilidade poética e caindo no abraço provocador da nossa querida Marta Cortezão, eu trago o entrelaçamento do meu processo criativo, o qual tomado pela estesia das minhas inquietações, revelou-me “Construindo Versos”: O meu primeiro livro solo.

O título talvez não seja impactante, mas surgiu do ofício da criança que costurava sentidos com as cores do perceber. 

Desde a minha tenra idade eu carregava um olhar sensível e pujante sobre as coisas e as pessoas, e foi pelas rimas dos cordéis, lidos por minha avó paterna, à luz de lamparina, e pedalando a sua velha máquina de costura Singer, que nasceu a minha paixão pela poesia e a construção dos meus primeiros versos.

Tive uma infância feliz, subi em árvores, tomei banho de igarapé, corri atrás do tesouro no arco íris, brinquei com as bonecas do milho plantado pelas mãos do meu avô Tonho, tomei leite no curral, comi doce de pitanga e recitei versinhos para os meus pais, ainda não alfabetizada, subindo em uma cadeira e recebendo os seus aplausos.

Os sentidos que eu costurava faltou tecido aos 9 anos de idade e os versos ficaram incompletos, tortos, xoxos e engavetados na escuridão, pois as mãos que me ofereceram hóstias,  tocaram meu corpo infantil sem meu consentimento  ,deixando marcas indeléveis.

Foram anos de silenciamento, dor  e interrupção criativa, mas no desvelamento do não -dito , aos 15 anos resolvi escrever textos poéticos no meu diário. 

Como se não bastasse o abrupto corte criativo, causado  pelo luto invisível da alma, perdi o meu querido diário em uma  viagem de ônibus do Maranhão para Natal-RN.

Pois bem, nunca tive o hábito de decorar meus escritos, então lá se foram meus segredos inconfessáveis e os versos que eu havia construído desde a infância. Em 1994, já casada e com um filho, adentrei o mundo virtual e compartilhei no site Recanto das letras alguns dos meus escritos, onde tive um bom feedback. Foi o início de uma batalha travada entre o desejo de cuspir palavras e a dor de engolir os ciúmes e o machismo (regados à traição) do meu marido.

Eu não queria parar, pois fervilhava em minhas veias o sangue poético, aquecendo minha pele feminina de inquietações. Por vezes, entre as trocas de fraldas, as conversas com as panelas, ou mesmo nos intervalos do trabalho, vinham os insights poéticos e eu registrava em um caderno (no meu campo de silêncio), onde a palavra tinha sede de grito.

Em 1996, engravidei do segundo filho e deixei também palavras grávidas, nas crônicas que escrevi na coluna do Jornal “O Potiguar” em Natal-RN, foi aí que percebi algo latente me cobrando audácia e coragem para prosseguir, pois com dois filhos e um casamento fracassado, eu dei minha “cara a tapa” e tirei as correntes das mãos, para representar a voz feminina e fazer valer a minha resistência aos estereótipos, e ao machismo que tentava me calar. 

Em meio a um relacionamento pedindo socorro, veio a separação, e com ela a sensação de liberdade invadindo meu cérebro e levando forças para atingir os meus objetivos. Retorno ao Maranhão, com dois filhos pré-adolescentes e na bagagem a coragem de uma mulher “sem eira nem beira”  e a força de uma mãe plantando sementes  e sonhando com grandes searas.

Para incentivar a formação dos meus filhos, veio a minha graduação no curso de Letras, embora tardia , mas chegou desatando os nós e criando  um vínculo marital com a palavra. Sim! Afiei a língua, cortei as amarras e crenças limitantes, soltei o verbo  e deixei os meus textos  voarem no mundo virtual, abrindo olhares e olheiros.  

Na vida, o que alavanca as realizações são as oportunidades e os recomeços, por isso ativei o modus operandi, e numa onda de “desvencilhamento”, me lancei no mercado editorial, através das antologias e concursos literários.

E veio a aproximação no distanciamento... Paradoxal, né?  Pois é, mas foi na pandemia que a poesia me abraçou com força! 

A pandemia foi um acontecimento planetário, inusitado e catastrófico, evidenciando a fragilidade da humanidade, mas exibindo a força da voz  feminina,  que como antídoto avançou no ambiente  on-line. Os coletivos literários femininos explodiram, exigindo que nós mulheres poetas, não deixasse esse momento sem palavras, então Juntei-me ao coletivo “Enluaradas” entre outros, e lancei-me ao desafio de ressignificar a dor, o medo e a falta do calor humano através da poesia. 

Em meio ao caos pandêmico, os impactos me serviram como dispositivos criativos, e como se quisesse tornar tangível  o confinamento,  deixei gestar    “Construindo Versos”, para oferecer ao meu leitor  as minhas inquietações humanas e femininas.

Um Spoiler do livro:


Combatentes

 

Removendo pedras

do solo endurecido, 

a ranger de dor,

atira no rabecão

pai, mãe, irmão... 

Os olhos tecem,

o rude engasgo

do invisível severo,

que não deixa velar.

Marcha para a rua vazia;

os combatentes,

a esperar a sorte tecer o troféu:

da fome,

do medo,

da dor,

ou do viver!   

 ☆_____________________☆_____________________☆



Rilnete Melo é brasileira, maranhense, graduada em letras/espanhol, escritora, cordelista membro das academias ACILBRAS, ABMLP e AIML, participou de várias antologias nacionais e internacionais, autora do livro “Construindo Versos" e autora de cinco cordéis. 

sábado, 11 de fevereiro de 2023

LINGUAGEM DO BATOM VERMELHO, POR CAROLLINA COSTA

LINGUAGEM DO BATOM VERMELHO|15

MULHER: INVISÍVEL?

Por: Carollina Costa

Essa semana andei questionando bastante o “espaço” da mulher — que dizem ser todos, mas parece mesmo não ser nenhum. Comprei um livro que há tempos queria comprar, que fala, de forma meio poética e meio mística, sobre a invisibilidade das tarefas domésticas. Comecei a ler A força da idade, de Simone de Beauvoir, e sua transformação como mulher fica evidente a cada página. Pensei um pouco também sobre a quantidade ínfima de pessoas que realmente se interessam pelo que eu faço — conto nos dedos das mãos as pessoas que me deram parabéns pela entrada no mestrado e sobram dedos. Se eu não falo, ninguém pergunta, e quando falo é em tom de justificativa porque, ora essa, onde já se viu uma mulher jovem e solteira que não está disponível para qualquer tipo de festa, saída ou conversa a qualquer hora e em qualquer lugar?

Ontem, 10/02/23, vi a live LiteraLua, do coletivo Enluaradas, e me despertou mais ainda essa reflexão. Marta, Cris e Margarida falaram sobre a voz da mulher, sobre nosso apagamento e invisibilidade histórica, mas também cotidiana. Falaram sobre nossa invisibilidade política e a necessidade de nos unirmos, muito embora as próprias mulheres — aquelas que ainda não se descobriram mulheres além dos anúncios comerciais — resistam à essa união. Lembrei da crônica que escrevi aqui mesmo para o Feminário, Sororidade em qualquer idade, na qual falo um pouco sobre a dor dessa resistência. Estou (ou estamos) acostumada a ser invisível para o sistema, mas para outras mulheres que caminham em realidades tão próximas é quase inacreditável, ou como diz aquele meme da internet: é raro mas acontece sempre.

Parece que ainda está longe o dia em que falaremos de nós, mulheres, sem falar diretamente de dor, invisibilidade ou algum tipo de superação. Não a superação de melhorar a si mesmo — acredito que qualquer ser humano deveria buscar sempre ser o melhor possível —, mas aquela superação imposta pelas limitações de acesso ao básico: segurança, pensamento, voz, liberdade. Se eu já andava pensativa nos últimos dias, fiquei mais ainda. Que bom ter um espaço como este para poder dar forma ao que penso através das palavras. Escrever também é um grito.

 

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