quarta-feira, 21 de setembro de 2022

ELES LEEM ELAS: CARMELIANA - A FESTA DAS FLORES, DE ELIANA CASTELA, RONALDO RHUSSO



ELES LEEM ELAS|13

CARMELIANA - A FESTA DAS FLORES, DE ELIANA CASTELA



Quando a gente conhece a autora de perto pode correr o risco de comentar acerca da Obra dela e para falar de Obra, assim com “O” maiúsculo, no caso específico da Eliana Ferreira de Castela, a coisa não é simples, pois ela tem Formação em Geografia (Bacharelado e Licenciatura – UFAC - com Mestrado em Extensão Rural pela Federal de Viçosa), mas com dedicação ao Teatro, pela Associação Arquéthypo do Rio de Janeiro, por exemplo, e participações variadas no Acre e em “lives”, onde exibe sua alegria e talento de uma forma muito gostosa de constatar. É uma propagadora generosa da Arte em todas as suas formas, mas especialmente da Arte Poética que, também, produz e, juntamente com o Jorge Carlos Amaral, divulga mundo afora esse trabalho de milhares de escritores e seus poemas, grande parte no blogue Poemança e através da Folhinha Poética, um Projeto maravilhoso que mostra, desde a primeira edição em 2012, essa infinidade de autores sem se preocupar com reconhecimento, algo que é muito louvável e acrescenta muito à Literatura.

Enquanto eu respirar

Em 2017 ela lançou dois livros Pelos Rios ao Sabor da Fruta (Independente - Rio Branco/Acre) e Da Escrita Rupestre à Era Digital - Alguns Poemas (Chiado Editora). Livros de conteúdo riquíssimo e que me deram alegria ao lê-los...

Mas aqui eu quero falar do livro Carmeliana – A Festa das Flores (Íbis Libris Editora 2019). Ilustrado de uma forma muito bonita e diferente pelo Jorge Carlos, o Mané do Café, com direito a uma gravura da Clara R.

Logo na Apresentação a Eliana dá uma concisa aula acerca das Estações do Ano e justifica a familiaridade que Carmeliana tem com a Primavera, esse momento lindo em quase todas as partes do nosso planeta e a Estação que nós humanos costumamos usar como paralelo com o limiar da vida ou nascimento...


Contracapa do livro Carmeliana

A gente não costuma chamar o belo e o terno de “flor”? “Fulano é uma flor de pessoa”! Por que não personificar, também, as flores numa troca antropomórfica e divertida?

Carmeliana é daqueles livros agradáveis que a gente não pega, folheia e deixa de lado ou “encosta” na prateleira... Não! É um livro gostoso de ler e ficar imaginando ou visualizando as cenas... Aliás, é uma característica muito interessante de muitos dos escritores do Norte do país, esse descrever tão vivamente os detalhes e a Eliana não é diferente, pois ela conversa com a gente através de seus textos.

Neste livro todos os poemas estão vivos!

É, de fato, uma festa das flores e a gente ri, faz pequenas pausas a fim de imaginar os detalhes, quer mostrar para alguém como se faz com coisas boas...

A poética da Eliana é leve, de versos coloridos pelas palavras bem conectadas e cheias de significado. Há lições inseridas, há descrições das espécies de flores... Há um interagir com o pequeno, mas universal mundo dos insetos...

Eliana Castela
[foto do arquivo pessoal da autora]

Carmeliana é um livro que no primeiro olhar já denota um bom olor no ar e na vida; um destilar de poemas concisos, mas que brindam com alegria a mãe Natureza tão tratada com desdém há anos, porém muito mais nesses nossos dias incertos...  

O certo é que você vai ter uma gostosa experiência nessa leitura e vai cair na festa com as flores!

Que venha a Primavera!





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[foto arquivo pessoal da autora]

Eliana Ferreira de Castela – de Rio Branco, Acre, é poeta e escritora. Graduada em Geografia (UFAC), mestre em Extensão Rural (UFV). Participou de diversas antologias/coletâneas nacionais. Autora de três livros: “Da Escrita Rupestre à Era digital”, autoria própria. “Pelos Rios ao Sabor da Fruta”, Chiado Editora e “Carmeliana: a festa das flores”, editora Ibis Libis.                                


Ronaldo Rhusso: autor anual de “Meditações para o Pôr do Sol” da Casa Publicadora Brasileira pela União Sudeste dos IASD, do Compêndio poético “2016, o Dia, o Tema e o Poema” (produção independente) e de “Atos de Jesus” pelo Clube de Autores (2022), além de cordéis em parceria com membros da Academia de Cordel do Vale da Paraíba. Escreve, principalmente, no site “Descanso das Letras” e em seu blogue particular “A Sós Com a Poesia”.





UMA CARTOGRAFIA DA ESCRITA DE MULHERES: ENTREVISTA COM GABRIELE ROSA, POR GABRIELA LAGES VELOSO



UMA CARTOGRAFIA DA ESCRITA DE MULHERES |01

ENTREVISTA COM GABRIELE ROSA

Por Gabriela Lages Veloso


De acordo com Regina Dalcastagnè (2007), nosso lugar na sociedade é definido por etnia, classe social, gênero, idade, orientação sexual, e, experiências. Esses são fatores decisivos para o nosso modo de enxergar e compreender o mundo. Por esse motivo, um homem, mesmo sendo empático e solidário, não terá experienciado as dificuldades sofridas pelas mulheres, cotidianamente, tais como “ser analisada prioritariamente pela aparência física, o temor da violência sexual, o preconceito renitente nos espaços profissionais. É essa perspectiva feminina (e não um estilo ou uma temática específica) que só as mulheres podem trazer ao discurso literário” (p. 126). Nesse sentido sobreleva-se a escrita de mulheres. 

Entretanto, conforme Simone de Beauvoir (1975), em uma entrevista concedida ao programa Questionnaire, “basta uma crise política, econômica ou religiosa para que os direitos das mulheres sejam questionados. Esses direitos não são permanentes. Você terá que manter-se vigilante durante toda a sua vida”. Diante disso, a literatura manifesta-se como uma importante arma de combate contra as desigualdades de gênero, ao dar voz e poder às mulheres. Na intenção de mapear as margens e abrir espaço para as novas vozes sociais, nossa coluna intitulada Uma Cartografia da Escrita de Mulheres terá como principal objetivo promover a valorização de escritoras contemporâneas, através de entrevistas. Em nossa estreia, temos a honra de receber a escritora Gabriele Rosa, que entrelaça a Literatura com a História, o Teatro e as Artes Visuais.

ENTREVISTA COM GABRIELE ROSA: 

Arquivo pessoal da autora

Gabriele Rosa é carioca, vive no Rio de Janeiro. Historiadora, poeta, artista visual, confeiteira, artesã da palavra e da cena, atua como dramaturga de processo e dramaturgista na Bonecas Quebradas Teatro. Bacharela em História pela UFRRJ, integra o coletivo CuidadoPoema. É autora de Fendas extraordinárias (Patuá, 2019) e de Lavínia é mais Rosa que Espinho (Motta, Carla, Libertinagem, 2022). Assina a dramaturgia do Radiodrama Tiro suas camadas de esmalte (contemplado no edital Cultura Presente nas Redes 2 – com patrocínio do Governo do Estado do Rio de Janeiro, Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa, 2022). Tem obras publicadas em mídias impressas e digitais no Brasil, Portugal e México. Colabora mensalmente com a coluna “memórias táteis, intempéries e outras derivas” na revista Ruído Manifesto.

Como você começou a escrever?

A escrita sempre foi pulso e centralidade das minhas vivências. Cresci entre o maravilhamento da leitura (iniciada na primeira infância, aos cinco anos) e o hábito da escrita diária (cartas, poemas, diários e ‘sonhários’). Um privilégio dentro das desigualdades cotidianas dos subúrbios cariocas. O acesso às bibliotecas públicas e salas de leitura foram fundamentais na minha trajetória. Segui sempre lendo muito e nunca deixei de escrever, mas desacreditei da minha escrita durante anos. Só em 2017, após uma mudança profissional, aceitei a literatura como expressividade. Abracei a minha escrita.

A sua formação acadêmica, na área de História, tem alguma influência na sua escrita literária?

Sim. De forma muito próxima. Entendo os ofícios como distintos, nos quais trabalho dissociadamente, mas que se entrecruzam de forma muito orgânica nos meus processos de criação. A minha escrita, seja a literária ou a dramatúrgica, é atravessada pelo meu olhar enquanto historiadora. Estruturada no tripé: pesquisa, leitura e imersão-experimento, o tempo da pesquisa é maior que o da escrita, na maioria das vezes. Criar estofo, embasamento teórico, perscrutar engrenagens dentro da linguagem, desenvolver métodos para transitar entre gêneros literários, investigar códigos de plausibilidade (para deslocá-los) e pensar nos vínculos implicativos entre estratos de tempo – passado, presente, futuro - são frutos de pesquisa e formam as teias nas quais construo histórias. Entendo que a pesquisa historiográfica me possibilita ampliar e refabular narrativas. Acredito que o historiador deve se autorizar a propor e perspectivar linguagens.

Quais escritoras(es) te inspiram?

Vou citar os que estão sempre na cabeceira e os que estou lendo atualmente, não necessariamente nessa ordem: Ana Cristina Cesar, Grace Passô, Roberto Bolaño, Alejandra Pizarnik, Carolina Maria de Jesus, Susan Sontag, Nina Rizzi, Lubi Prates, Julio Cortázar, Danielle Magalhães, Victor Heringer, Carla Diacov, Guilherme Gontijo Flores, Walter Benjamin, Lilian Sais, Bruna Beber, Leda Maria Martins, Guimarães Rosa, Lélia Gonzalez, Machado de Assis, Michel Foucault, entre alguns outros. Estou sempre aberta aos encontros, diálogos e espantos, com as obras de outres.

Conte-nos sobre o seu primeiro livro, Fendas extraordinárias (2019). Como foi o processo de escrita? Quais temáticas você aborda? Onde podemos adquiri-lo?

Fendas extraordinárias é um livro de contos e foi publicado pela editora Patuá, em 2019. Os contos presentes no livro foram escritos como exercícios de marginação literária durante as disciplinas optativas sobre letramento histórico crítico-genético e escrita criativa, no período de um ano e meio, ministradas no curso de História da UFRRJ pelo docente Dr. Alexander Martins Vianna. Kafka, Machado de Assis, Monteiro Lobato e Chico Buarque, são algumas das referências presentes no livro. Há um intertexto maior com peças de Shakespeare. Abordo violências de gênero, classe e raça, costuro femininos-sintoma e masculinos viciosos. O processo de escrita foi intenso, imersivo e arrebatador. Foi um período de (re)conhecimento da minha própria escrita. Atravessei o espelho. Durante a feitura dos contos percebi a necessidade de pensar uma classificação (possível) do experimento narrativo criado. Apenas necessitava nomear a narratividade tecida em camadas temporais múltiplas, que não se aproximavam dos artifícios do flashback e viagem no tempo. Desde então, passei a adotar a classificação de ‘contos regressivos’, a fim de mapear dentro do gênero como a construção de desentendimento do que se narra ocorre no tempo regressivo da consciência de quem conta, considerando um narrador em primeira pessoa que se desentende enquanto avança (regride) e o exercício constante de criar códigos de plausibilidade. O que se tornou um método de escrita, uma artesania. A classificação não me incomoda, mas está aberta, assim como as fendas cavadas no livro. Fendas Extraordinárias é um exercício de linguagens. É possível adquiri-lo no site da Editora Patuá.

Comente, também, sobre Lavínia é mais rosa que espinho (2022). Como foi a experiência de escrever um livro juntamente com outra escritora? Qual é a proposta dessa obra? Onde podemos adquiri-la?

Lavínia é mais rosa que espinho é um livro de prosas poéticas, em parceria com a escritora Carla Motta, publicado pela editora Libertinagem (2022), abordamos as violências cotidianas de gênero. Femininos diversos narram horrores banalizados e brutalidades há muito tempo enraizadas na sociedade contemporânea. A obra tem tom de denúncia. De abraço. E de troca. O livro tece respiros e enfrentamentos por meio de versos cortantes e imagens quase que fotográficas do narrado, sem lançar mão de sutilezas poéticas. Tendo a personagem Lavínia - máscara social e genética da virtude feminina - da peça Tito Andrônico, de Shakespeare, como mote inicial, expandimos nossas fabulações e experimentos artísticos-poéticos a partir de instalações performáticas homônimas ao livro; realizadas em 2017, e em 2019, na UFRRJ e no Centro Cultural Phábrika, respectivamente. Ressignificada a partir da fragmentação de vozes, despersonalizadas por vezes, entrecruzada por violências de classe, raça, sexuais, psicológicas, entre outras, Lavínia é mais rosa que espinho vestida de livro é um ajuste de olhar. Um convite à reflexão e ao ato. Um acontecimento. Luta e luto. Mergulhar nas feridas e nos silenciamentos dos femininos com fôlego de mar aberto se faz possível e urgente. Escrever com a Carla, que é uma grande amiga e parceira de experimentos artísticos desde a graduação, foi fluido e orgânico. Os processos colaborativos me interessam, as trocas, partilhas e parcerias artísticas me mobilizam. E para o Lavínia teve um fato curioso, escrevemos o livro para a primeira chamada de autoras da editora Libertinagem, e desenvolvemos um método para configurar nossa coautoria, já que escrevemos os textos separadas. A escolha por prosa poética foi um fator determinante, individualmente temos poéticas muito distintas. O livro pode ser adquirido no site da editora Libertinagem.

Além de escritora, você também é dramaturga. Na sua opinião, existe alguma relação entre a literatura e o teatro?

Sim, são áreas correlatas e distintas. Assim como história e literatura, ou história e teatro. Em cada uma atuo dentro de suas especificidades, e de forma dissociada, mas como disse anteriormente, nos meus processos de criação, independente da linguagem (artística ou não) enquanto suporte material de expressividade há o entrecruzamento de múltiplos campos. Um alimenta o outro, e juntos reverberam na minha obra.

Como é o seu processo de escrita?

Muito de caos, um tanto de cosmos e um punhado de afetos. Meu processo de escrita é imersivo, envolve experimentos em múltiplas linguagens artísticas (referenciais e práticas), cotidianas (confeitaria, meditação e outras miudezas) e muita pesquisa, tanto temáticas quanto estruturais. Minha artesania é tátil, meu corpo sempre está à disposição para os meus processos de criação. Não limito os experimentos, por vezes começa livro e cresce performance, cena ou instalação visual, assim como, são abertos, horizontais e rizomáticos. Escrevo todos os dias e sempre que possível em lugares diversos, gosto de caminhar com a minha escrita. Para as pesquisas, escrita acadêmica e dramatúrgica reservo às manhãs, e estes são processos pontuais e específicos, com maior rigor de tempo-espaço, preciso de silêncio e concentração. Já a produção literária é completamente notívaga, o período entre 22h e 5h é o meu lugar de conforto e expansão. É quando minha medula está mais viva.

Desde 2017, você integra o coletivo CuidadoPoema. Qual é a importância dos coletivos para as escritoras contemporâneas?

Os coletivos artísticos são importantes como espaços plurais de experimentos de linguagens. Possibilitam as trocas, partilhas e estudos de forma colaborativa. E para as escritoras contemporâneas fomentam e visibilizam seus trabalhos. Entendo como uma forma de organização, enfrentamento e reexistência para mulheres artistas que ao longo da história sofreram (e ainda sofrem) com apagamentos e silenciamentos.

Fale sobre os seus projetos na área da literatura, cultura e teatro, como, por exemplo, o Radiodrama Tiro suas camadas de esmalte (2022).

Desde fevereiro de 2020, sou colaboradora da Bonecas Quebradas Teatro, atuo como dramaturga de processo e dramaturgista. Estamos em processo de ensaio do espetáculo Memórias de uma Manicure. O Radiodrama Tiro suas camadas de esmalte foi um braço desse projeto, que compreende diversos produtos artísticos. Nele, temos uma experiência acústica sem componente visual que pretende desenhar pelo som a imaginação dos ouvintes. Ouvimos as manicures Danielle e Jéssica ensaiarem uma entrevista para uma peça teatral sobre manicures. O radiodrama foi contemplado no edital Cultura Presente nas Redes 2 – com patrocínio do Governo do Estado do Rio de Janeiro, Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa, 2022, e está disponível no canal do YouTube da Bonecas Quebradas Teatro. Ainda dentro do projeto Memórias de uma Manicure, também contemplado no edital Cultura Presente nas Redes 2, realizarei (novembro/2022) leituras abertas de quatro contos do livro ainda inédito Afetos Postiços, que tem previsão de lançamento para o primeiro semestre de 2023 (a sair pela Ofícios Terrestres Edições), no livro as duas personagens-manicures do radiodrama narram o cotidiano fabular do salão e suas vivências pessoais. Tenho alguns projetos de livros, performance e instalação visual, em processo. Todos para o próximo ano. Em breve, novidades.

Como convidada especial, na estreia da nossa coluna Uma Cartografia da Escrita de Mulheres, qual mensagem você deixa para a nova geração de escritoras?

Primeiramente, agradeço o convite, é uma alegria. Me sinto muito honrada por abrir os caminhos da coluna, e ressalto a importância de espaços como esse, com o intuito de visibilizar o trabalho de mulheres, escritoras e artistas contemporâneas. Que os caminhos sigam abertos. Evoé! Se posso deixar uma mensagem para a nova geração de escritoras é: acreditem nas suas escritas e estudem. O ofício da escrita é laborioso, artesanal, tátil. Demanda um tempo próprio. É pulsão de vida. Leiam muito, pesquisem, teçam diálogos com outras (os) autoras (es), experimentem múltiplas linguagens artísticas e divirtam-se.


Contatos da escritora:

Instagram: @_gabrielerosa

E-mail: gabrielerosa20@gmail.com

Linktree: linktr.ee/gabrielerosa


REFERÊNCIAS:

BEAUVOIR, Simone de. Por que sou feminista? Entrevista concedida ao programa “Questionnaire”, em 1975. Disponível em: <https://bit.ly/3zr52O9>. Acesso em: 17/09/22.

DALCASTAGNÈ, Regina. Ilusão e referencialidade: tendências da narrativa brasileira contemporânea. In: Signótica, v. 19, 2007. 

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Gabriela Lages Veloso é escritora, poeta e mestranda em Letras pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA). É colunista da Revista Sucuru e do Feminário Conexões, editora do núcleo poético de divulgação feminina Sociedade Carolina e membro do projeto Entre Vasos y Versos, que conta com a participação de escritores de diversas nacionalidades. Além disso, colabora com coletâneas e revistas nacionais e internacionais. Em 2023, organizou a Antologia Poéticas Contemporâneas: uma cartografia da escrita de mulheres, juntamente com a Editora Brecci Books.

sexta-feira, 16 de setembro de 2022

NA TRILHA DO FEMININO: AMAR - ELO QUE FAZ A COR DAR, POR RILNETE MELO


N A   T R I L H A   D O   F E M I N I N O|04

 AMAR - ELO QUE FAZ A COR DAR

Por RILNETE MELO


"Marisa,  26 anos, universitária, teve fotografias íntimas divulgadas pelo seu ex-namorado. A jovem terminou um relacionamento de 8 meses e  Túlio, seu parceiro inconformado, chegou a ameaçá-la de morte. Marisa fez o boletim de ocorrência face à ameaça e, então Túlio vazou as fotos da sua ex-amada nas redes sociais, em sites pornográficos e perfis falsos do Instagram.  Tal fato quase leva Marisa a tirar sua própria vida."

O relato acima é matéria de jornal e os nomes são fictícios,   mas a realidade sobre a exposição imagética feminina no ciberespaço é preocupante, pois tem levado muitas pessoas ao suicídio.


Pegando carona nesses meados de “setembro amarelo", eu faço uma breve reflexão sobre o assunto,  pois a violência contra as mulheres na Internet tem gerado uma onda de suicídio e tem me  incomodado muito. Há alguns meses, a filha “trans”  de uma amiga minha, sofreu bullying e injúria através de comentários em uma rede social, chegando a cortar os pulsos.  Outra filha de uma conhecida,  teve um vídeo intimo viralizado no ciberespaço e tentou envenenar-se com medicamentos.... São muitos os casos!  Vamos fazer valer a campanha de prevenção ao suicídio que visa a conscientização sobre esse grave problema e formas de evitá-los. Fiquemos atentas para o sinal de alerta e vigiai o espaço virtual!

Sou consciente que  existe uma dificuldade de controle das novas tecnologias,  mas convenhamos que a existência de leis, como a  13.718/18 que tipifica crime de divulgação de imagens, não é uma condição para erradicação desses e outros crimes que acontecem no universo virtual feminino, pois o patriarcado machista não nos exime sequer das violências fisicas/domésticas. O que se observa é que o estigma de inferioridade e subordinação social da mulher é gritante nesse tipo de violência, e tal crime configura difamação,  violência psicológica e injúria. O que se recebe como bônus é simplesmente a retirada do conteúdo do provedor, e uma pena (se tiver) de doação de cestas para o agressor, mas a dor da vítima permanece, o estrago na honra e na alma é irreparável  e a mente fraca...  ah! Essa  é  capaz de apagar o brilho do sol!

Estejamos atentas queridas leitoras, Mães,  adolescentes,  jovens mulheres ou qualquer gênero que possa sofrer esse tipo de violência, pois a vulnerabilidade do ciberespaço é algo extremamente perigoso.

Tenho um perfil no Facebook com mais de 4.000 seguidores, por ser escritora, às vezes aceito solicitações de perfis masculinos, com interesse em comum (literário), porém já sofri vários assédios provenientes de postagem de uma simples foto da minha imagem. Ou seja, não posso me dar ao luxo da prática da auto estima? Simplesmente porque sou mulher? Sei que pode existe crimes cibernéticos contra a figura masculina, mas os maiores índices de crimes praticados no ambiente on-line são contra nós mulheres, o que tem nos levado a uma grande  insegurança ao navegarmos no ambiente virtual, onde somos vítimas de uma misoginia desenfreada.

E falando de misoginia, eu já cheguei a uma conclusão que a  Vagina é o órgão mais poderoso desse universo. Sim!  Uma simples anatomia do corpo  é capaz de trazer desigualdades, revolta, insegurança,  agressividade e por aí vai... Como bem disse Simone de Beauvoir “Ninguém, na frente das mulheres,  é mais arrogante, agressivo e desdenhoso do que o homem inseguro da sua própria masculinidade.”

É  hora de darmos um basta nessa  violência sem limites que está interrompendo vidas. Vamos tirar da teoria a   sororidade, vamos nos dar as mãos,   unir forças e lutar para fazer valer a lei ‘Carolina  Dieckmann" e muitas outras que dormem nos arquivos dos tribunais. É hora de soltar a voz, seja através da poesia, música  ou qualquer meio de comunicação e/ ou movimentos coletivos.

O nosso blog “Feminário Conexões” é um dos grandes aliados nessa luta, pois tem sido um importante espaço virtual para deixar ecoar esse grito, uma espécie de  carinho no que se refere  às  causas femininas, onde, através da poesia,  crônicas  contos e outros textos, temos abordados assuntos que traçam rotas, estratégias e articulações em torno das questões que dizem respeito às nossas vivências e pautas enquanto mulheres.  

De acordo com o relatório da Febrasgo (Federação brasileira de ginecologia e obstetrícia, o número de suicídios femininos no Brasil cresceu de 45,7% entre 2009 e 2021 e muitos desses casos foram provenientes de crimes cibernéticos. E essa dor é nossa. Essa dor é minha, pois veste a minha pele e aperta minha alma,  e embora com um misto de insegurança e impotência, eu grito e não desisto. A poesia é minha arma,    pois como escreveu Gabriel Celaya  em “ Cantos Íberos”, “A poesia é uma arma carregada de futuro”. É através da poesia que ouço meus ecos e mato os meus demônios todos os dias. A dor do suicídio sangra nas minhas entranhas,  pois já andou rondando a minha vida... Eu considero-me uma mulher gigante, embora com 1,50m de altura e uma dismetria na perna direita, eu me apoio na “esquerda”  e sigo pisando as pedras no meio do meu caminho. É sem papas na língua que alcanço essa realidade que me inquieta. Eu solto o verbo no papel por todos, todas e todes que sofrem com esse caos e essa barbárie que caminha o nosso país nesse desgoverno misógino, racista e que tenta cercear a nossa liberdade de expressão.

O momento é de expungir essa sociedade de “machos" e fazer um apelo aos  que transitam no nosso espaço presencial e virtual: Expulsem de vocês essa insanidade do patriarcado machista, tornem-se homens elegantes e lembrem-se que pelo sacrifício divino viestes ao mundo através de uma mulher, portanto deixem-nos viver em paz. Deixo para alguém, que  em algum momento possa ter tido um pensamento suicida o Poema “Eco", de minha autoria:


ECO


Presa no porão escuro

das dúvidas atormentadas,

quando em desatino

desatei o nó em palavras

desfiz  o suicídio...

 

Na ponta do lápis

o socorro em tessitura

Agarrou o papel

 

Com as lágrimas do ontem

E o pó da agonia ,

Eu fiz meu café

ferver na poesia,

Exalando o socorro

dos dias pósteros

Em que transcorria

 

Não sei em qual tempo

(Talvez setembro...)

Amarelo

Tempo que não nego

Ao ouvir em meus versos

Quase em decesso


A voz

Numa  rima atrevida

Em eco:

Vida

Vida

Vida

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segunda-feira, 12 de setembro de 2022

LINGUAGEM DO BATOM VERMELHO, POR CAROLLINA COSTA

 



LINGUAGEM DO BATOM VERMELHO|13


SORORIDADE EM QUALQUER IDADE

Por Carollina Costa


Outro dia estava relendo anotações que fiz do livro Sejamos todos feministas, da nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie. Nesse livro ela conta que na Nigéria, o mais alto ponto de realização social que uma mulher pode chegar é ter um marido. Há até mesmo uma espécie de ditado popular que diz que é melhor ter um mau marido do que marido nenhum, mesmo esse "mau" podendo significar muitas coisas.


Sou brasileira, mulher, escritora, professora, estudante de pós-graduação e quanto mais eu  busco entender o porquê de ainda existir esse tipo de validação social mesmo com as mulheres já se dedicando a outras partes de sua vida,  vejo também que esse tipo de valorização se replica. Não é só na Nigéria que se alimenta a ideia de que conquistar um marido é o suprassumo da vida de uma mulher. Também vejo isso no Brasil, porém, em alguns círculos, de modo mais velado.

Sou de uma geração de mulheres que se dizem feministas em alto e bom som, vão a passeatas, compartilham postagens na internet e até têm fotografias de pensadoras penduradas nas paredes do quarto ou da casa, mas na hora de pôr o discurso em prática tudo muda de figura. É fácil fazer correntes de Facebook, WhatsApp e Instagram apoiando aquela famosa X na causa Y, se solidarizar com a realidade da moça A, festejar o sucesso da moça B, mas não é tão simples fazer o mesmo quando essa moça é sua vizinha, sua parente, sua amiga ou colega de trabalho. Uma união que deveria ser do micro para o macro fica apenas no macro, apenas na realidade aparente, pintando figuras e afetos que não se sustentam além dos 15 segundos de um stories.

Já ouvi mulheres mais velhas comentarem dessa mesma falta de união entre suas colegas de geração, porém, ao menos no caso delas, é algo mais exposto. É dito na cara, ou melhor, logo se vira a cara. É doído e triste, mas ao menos é honesto. Antes fossem todas assim, diretas e honestas em qualquer idade.

Já ouvi que sou "muito focada no que eu faço" em tom de crítica e que estaria tudo bem faltar a uma reunião de amigos se eu fosse em um casamento, mas jamais por motivos de trabalho. Acontece que nenhum dos pouquíssimos e brevíssimos relacionamentos que já tive — e não gostaria de ter nenhum de volta — chega aos pés da paixão que tenho pelo que faço. Veja bem, não sou contra ter uma companhia, de preferência uma que seja boa, mas acredito que fazer disso o centro das realizações de uma mulher já não cabe mais. Talvez alguns séculos atrás, quando ainda éramos vistas como uma propriedade passada de pai para marido e de marido para filhos, mas hoje já temos uma meia dúzia de direitos que nos garante certa autonomia. O curioso é que, de todo peso e cobrança social existente, o que as mulheres podem exercer umas sobre as outras é o mais dolorido.

Celebrar as conquistas profissionais de uma mulher tanto quanto celebram as demonstrações de afeto deveria ser algo mais comum em nossa sociedade. Mais do que isso, deveriam celebrar nossa inteireza. Celebrar a mulher que decidiu ser dona de si mesma, que traçou seu próprio caminho, que escolheu não fazer de um alguém a razão da sua vida, mas partilhar a vida que já tem com outro alguém que valha a partilha.

Desejo que a sororidade saia da teoria para a prática e que as ideias de tantas pensadoras tome forma sólida em nossa sociedade e deixem de ser só palavras. Desejo que as mulheres possam celebrar cada vez mais a si mesmas e umas às outras. E, leitora, se ninguém ainda te disse isso hoje, saiba: eu celebro você!


@cbcarollina

domingo, 11 de setembro de 2022

ELES LEEM ELAS: AS LARANJAS DE ALICE MAZELA, DE GÉSSICA MENINO, POR RONALDO RHUSSO


ELES LEEM ELAS|12

AS LARANJAS DE ALICE MAZELA, DE GÉSSICA MENINO 



Achei interessante “eles que leem elas”, escreverem a respeito de quem ou da obra que leram, e escolhi “As Laranjas de Alice Mazela” (Editora Toma Aí Um Poema, 2021) da estreante Géssica Menino e que tem a excelente Apresentação da Flavia Ferrari.

É um livro de contos que me surpreendeu no sentido em que leva o leitor a fazer reflexões acerca do cotidiano e, a mim, fez-me pensar um pouco acerca de cada personagem com um olhar que nos leva a perceber claramente não ser propriamente nosso, mas uma, por assim dizer, apropriação do olhar da autora a qual, desconfio, fala muito de si mesma e de histórias que vivenciou em cada um desses contos.

Cada livro é um Universo particular ou mesclado, e a autora inicia o seu livro de uma forma poética “Quando conquistei uma bolsa para ir estudar na universidade meus prantos, de alegria, ao chão se derramaram”.

E aqui eu já percebo o abrir de alma da autora ao mencionar “seus prantos”... Alguém diria que pranto poderia inferir uma coisa só, um choro em demasia causado por algum infortúnio, mas aqui o leitor nota que houve sucessões de prantos e infortúnios, os quais foram exorcizados ou derramados a partir de uma notícia muito boa, a de que a tão sonhada oportunidade de buscar uma formação superior agora seria um fato e que sejam lá quais foram os infortúnios passados, seriam superados e, enfim, lançados ao chão a fim de, no máximo, servirem como adubo para o surgimento de uma nova vida...

Assim, a Géssica inicia o conto cujo título é Lembranças e que, no livro, inicia uma sessão de catorze contos, curiosidade que levará um sonetista inveterado como eu, por uma mera questão de costume, ver uma relação com a arte de compor essas pequenas canções em catorze versos, de maneira que passa a encarar essa coleção como uma simbólica Ode à dedicação na Arte de escrever e externar aquilo que ao autor sufoca, mas é capaz de encantar o leitor e, como antecipei, fazer refletir...

[foto arquivo pessoal da autora]

“O Barba Azul”, “É Apenas por Enquanto” e “Relativo” completam o que vou chamar de primeira estrofe. Cada Conto com sua peculiaridade. A gente se demora em pensar no fato de que até as características ditas ou vistas como negativas nos rotulam, classificam e nos põem no círculo das atenções sejam elas quais forem, mas, se nos despimos dessas características é como se desaparecêssemos! Dia desses, conversando com uma aluna, menina linda e gentil, me dizia que sofrera bullyng porque era gordinha quando começou a frequentar a escola, de forma que se esforçou para emagrecer e teve que suportar muita fome se privando das guloseimas que a mãe, uma doceira, fazia. Quando conseguiu emagrecer bastante passaram a chamá-la de “sem corpo” numa alusão de que a mesma, embora na puberdade, tinha corpo de criança... Assim torna-se fato a conclusão de que mudar não vai agradar a todos e a gente pode, na melhor das hipóteses, perder a única atenção que nos davam... É aí que a gente cai na real de que toda a sensação de falta de sentimento pode-se dizer que “é apenas por enquanto” e se o que pensam de nós ou os “para quês?” da vida são relativismos, nos resta valorizar a percepção de que algumas coisas, que são tão comuns em nosso cotidiano, como legumes que nos são servidos à mesa e dos quais fazemos pouco caso, porém quando vistos nas barracas de feira, encaramos a realidade do quanto custam e do quanto fazem diferença no orçamento e, principalmente, na nutrição física que pode ou não vir a gerar ótimas ideias na mente e se tornarão textos que encantarão leitores que se identificam com os cenários convertidos em palavras.

“Sem Destino”, “O Distinto”, “Para se Pensar” e “As Laranjas de Alice Mazela” formam o segundo Quarteto do livro e parece proposital que essa parte do meu “Soneto mental”, enquanto vou lendo, feche com o conto que empresta o título ao livro da Géssica.

“Ela escuta o barulho horrendo do vidro brigando com o chão”. Eu nunca pensei assim quando da queda de um frasco de perfume ou com outro conteúdo. Em “Sem destino” a gente não tem muita certeza de quem está narrando, porém a quantidade de observações aos detalhes contidos na casa e no jardim, com a rotina daquela que se vê menina na foto guardada no computador é muito interessante! Há uma ponte para “O Distinto” que, talvez, nem tenha sido proposital na organização do livro, entretanto as reflexões acerca do que seria a “Arte de amar” e a abrupta enumeração de episódios trágicos ocorridos com pessoas que têm nome, com pessoas que deixam pessoas que, também, têm nome é, de fato, “Para se pensar”, porque em todos os casos o Distinto, o Amor, esteve presente e a tudo testemunhou! Até a história de Lucinda e Marcos, a primeira menina mulher do acaso que vivenciou Movimentos e tormentos, enquanto o outro, o “bebum”, num apenas tênue interagir com Lucinda é só mais um dos “pirões perdidos” para o mundo e Alice? Sem mazelas, a não ser no nome, narra sua epopeia e se torna aquela que já não irá mais ouvir a velha pergunta: “Ainda estás aqui”?

[arquivo pessoal da autora]
Gessica Menino é mãe do Christopher, uma das vencedoras do concurso literário nacional “Novas Contistas da Literatura Brasileira”, pela Editora Zouk, com o conto “As curvas do tempo”, publicado em 2018 e um dos ganhadores do Concurso Literário Internacional da Academia Fluminense de Letras 2018, na modalidade conto, com o texto intitulado: “A vida de um casal de professores”. Autora do conto “Sem perder o ritmo”, publicado em 2020 na antologia “O lado poético da vida” e lançou “As Laranjas de Alice Mazela” pela Editora TAUP (Toma Aí Um Poema 2021)”.

Nesse ponto entramos no primeiro “Terceto” ou se preferirem, na terceira estrofe ou parte do livro com “Uma Descoberta”, “Um Dia Solene ou Sublime” e “Sois”...

“Uma descoberta” narra a autoconsciência de Bianca que “Escrevia todas suas ideias, pensamentos e emoções a qualquer tempo apropriado com a esperança de algum dia publicá-los, mas havia tanta comoção desastrosa de tudo que acontecera”.  Ela alimentava em si um fio de esperança que acabou, nesses nossos tempos pandêmicos, se tornando realidade para tantos que, como Bianca, se descobriram escritores... E não é um dia sublime aquele em que você tem nas mãos um livro, filho precioso contendo em seu interior muito mais que um filho gerado no útero? Ou você pode fazer um paralelo com um pequeno pássaro morto que pode simbolizar um breve ciclo que pareceu longo dado a quantidade de momentos complicados, mas que, pela força do vento das mudanças, alimentou a terra, como um livro alimenta intelectualmente aqueles que o leem... E é aqui que, eu que leio elas, uso as palavras da Géssica Menino: “Pois sois belas, sois uma beleza de conquista, uma guerreira da vida, a geradora da fonte inesgotável, a desculpa alheia de espinhos. Sois tudo e nada ao mesmo tempo em que carrega consigo um silêncio arrebatador e um grito de um vencedor. Sois”.

A Chave de ouro ou segundo Terceto desse meu Soneto mental no qual inseri esse livro se descortina com “A Letra C”, “A Porta Azul” e “A Menina do Laço de Fita”...

Sem se prender a aliterações ou que chamaríamos de tautogramas a Géssica mostra um personagem dessa era do “teclado” procurando aquela palavra certa e conclui consternadamente que o mundo se encontra convalescente...

“Era uma manhã ensolarada com raios de sol que despojavam como um suco de laranja avassalador gritando ou em confronto com um copo de vidro”. Você já olhou para si, de longe, com um binóculo? Já se viu em sua rotina, se olhou mais velha, mais nova outra vez e guardou na mente uma referência qualquer como uma barreira entre você e você mesma, tipo uma “Porta azul”?

E com ela o livro termina, mas um novo ciclo começa porque todo esse despir de alma poética, a meu ver, mostra “A menina do laço de fita. Agora, atormentada, desiludida, envergonhada. Perguntava a si mesma: Onde estava o amor”?

Quem escreve e descreve com essa forma singela e sensível, talvez nem saiba, mas permite que muitas pessoas se vejam nesses cenários e entendam o quanto “tudo vale a pena se a alma não é pequena” como cunhou Pessoa a nos dizer que pessoas somos e pessoais são os nossos sonhos e, em vez de limão, que tal uma laranja? Que tal as de Alice Mazela? Ou será Géssica Menino?

Uma leitura muito recomendável! Divirta-se!


[foto arquivo pessoal]

Ronaldo Rhusso: autor anual de “Meditações para o Pôr do Sol” da Casa Publicadora Brasileira pela União Sudeste dos IASD, do Compêndio poético “2016, o Dia, o Tema e o Poema” (produção independente) e de “Atos de Jesus” pelo Clube de Autores (2022), além de cordéis em parceria com membros da Academia de Cordel do Vale da Paraíba. Escreve, principalmente, no site “Descanso das Letras” e em seu blogue particular “A Sós Com a Poesia”.


sexta-feira, 9 de setembro de 2022

VERBO MULHER: HELENA SOLTE SUAS FERAS, POR HELENA TERRA

 


V E R B O M U L H E R|02

HELENA SOLTE SUAS FERAS

POR HELENA TERRA 


        “Escute as feras” é o nome do livro da antropóloga francesa Nastassja Martin, que teve o rosto desfigurado por um urso. Um urso de verdade, quadrúpede, animal irracional vivendo em seu ambiente e território. Agressivo sob o nosso ponto de vista humano. Um urso como qualquer outro se o pensarmos de acordo com a sua programação genética. Talvez até passivo dentro de sua própria espécie. Mas um exemplo de violência dentro da nossa. Um urso parecido com as centenas de milhares de homens, milhões na verdade, que diariamente atacam nossas mentes e corpos e que tentam nos eliminar ou a nossos planos e ambições como se fossemos insetos. Falo de nós, as mulheres. E falo de mim. Como Tolstoi, que disse que falando de sua aldeia estaria falando do mundo, acredito que falando sobre a minha existência falarei sobre a de todas as outras mulheres, mesmo daquelas que discordam em gênero, grau e número comigo e votam no senhor que ocupa a presidência do país como um monarca a um trono nos tempos do Brasil colônia.

        O Brasil, apesar de estarmos no ano de 2022, em um certo sentido, segue colonial, oprimindo a si mesmo e preso a seu próprio provincianismo e ao seu patriarcado de terceiro mundo. Sim, o patriarcado, embora uma estrutura homogênea, apresenta diferentes camadas de ação. Aqui, nessa terra quase sem Pau-Brasil e com uma grande diversidade de bichos, nós, as mulheres estamos mais para Gregor Sansa que para Madame Bovary, personagem, diga-se de passagem, também pouco aspirável. Pois é, eu me identifico com o Gregor Sansa. Kafka não sabe, mas ele falava de uma mulher.  “A Metamorfose”, as metamorfoses somos nós, muitas vezes cumprindo três turnos de jornada, recebendo menos por nosso trabalho e ainda tendo de ouvir críticas maldosas a respeito de nossas aparências, gostos e opiniões. E quando falo em críticas maldosas estou sendo, como muitos homens gostam de dizer, boazinha, porque uma boa parte dos homens gosta de verdade de nos ofender e de diminuir a nossa autoestima. Mais de um tentou me fazer sua vítima:

Helena, você está muito magra!

Helena, e esse fio de cabelo branco?

Helena, não entendi essa sua roupa!

Helena, não quero dizer que você não é inteligente, mas você não sabe o que está dizendo.

Helena, você é louca!

             E por aí vai.

        E por aí também se foram os que não conseguiram controlar o seu machismo e misoginia. Não servem para mim. Não gosto de gente rude. Não servem para ninguém, sabemos, como também sabemos que uma parte considerável de pessoas ainda ignora o importante ditado que diz “quem avisa, amigo é”. Fazer o quê? Ler. Conversar com as outras mulheres. Terapia. Se possível, análise mesmo. Graças a minha, tenho conseguido me manter distante dos homens com complexo de inseticida ou de chinelo de borracha que, por inveja, pensam em me esmagar. Essa é uma das minhas descobertas mais recentes: há uma quantidade expressiva de homens invejosos ao redor. Eles são o som ao redor, e não é fácil abafar suas vozes. De tão inseridas na dinâmica patriarcal, acabamos naturalizando à toxicidade e à agressividade como se elas fossem partes legítimas e positivas das relações. E de tão desamparadas pela sociedade, e mesmo por nossas famílias, acabamos por esconder as agressões que sofremos e, de certa forma, também por pôr em dúvida o nosso discernimento. Levante a mão quem nunca foi chamada de louca, maluca, pirada, despirocada, histérica, doida, raivosa etc. Se tem uma forma de violência enraizada no inconsciente coletivo masculino é essa de tentar nos tirar a razão e de nos jogar no mundo irracional das feras. Falemos então de feras. Conheço muitas de calças, camisas e barbas sobre as faces vivendo fora dos zoológicos e mostrando sorrisos antes de mostrar as garras.  Os índices de violência, em suas mais diversas formas, contra as mulheres estão altíssimos mundo afora. Mas vou falar desse mundo adentro em que vivo e, como o Cazuza, vou cantar “Brasil, mostra a tua cara”. Mostra, Brasil, a cara dos seus homens.

        Conforme o 14º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, em 2020, trinta mulheres sofreram agressão física por hora; uma mulher foi vítima de estupro a cada 10 minutos; três mulheres foram assassinadas por dia e uma travesti ou mulher trans foi assassinada a cada dois. Ou seja, 2020 foi o circo romano e a matança das baleias. Aliás levante a mão também quem nunca foi chamada de baleia ou teve uma amiga que tenha sido. Em 2020, morremos. E em 2021 também. Eu morri em 2021, 2020, 19, 18. Morro desde que nasci. E de nada adianta cantar que neste ano não morrerei porque eu sou uma mulher que morre com as outras. Não tenho vocação para ilha. Os outros torrões, como escreveu John Donne, no “Meditações”, me interessam. Eu sou uma pessoa continente. E sou uma mulher cheia de vida e de sobrevida por persistência, como uma das minhas alunas no presídio em que trabalho fala. Persistir é um dos meus verbos preferidos. Os meus verbos, apesar de toda a oposição que me cerca, são construtivos, leais e amigos. Amigos como poucos homens conseguem ser de uma mulher. Os meus amigos conto nos dedos da mão esquerda embora eu seja destra. E falo em esquerda porque posso. “Ser de esquerda é ter uma posição filosófica perante a vida, onde a solidariedade prevalece sobre o egoísmo”. Frase do Pepe Mujica. Não me falta senso de solidariedade. Minha consciência e ação social não são só da boca para fora. Não vivo só em causa própria. Não exploro as outras pessoas. Não tiro proveito de seus bens, personalidades, capacidades produtivas e sentimentos. Trabalho e convivo com as pessoas por elas, por mim e por nós todos como se fossemos um único corpo, uma grande placenta.

          Placenta. Pensando agora, talvez pareça estranho eu recorrer a essa palavra. Não é porque podemos produzir uma que temos de produzi-la. Não é porque uma mulher pode ser mãe que ela tem de ser. Quem insiste com essa ideia, por incrível que pareça, são justo aqueles que dizem ter tirado Eva de suas costelas.  E isso também é estranho porque soa religioso, cristão, do reino de Deus. “O que realmente duvido é do amor do pai e do filho. Não acredito nesse sentimento genuíno de um ser que é cem por cento Deus e cem por cento homem e morreu por nós. Um homem? Ah, não! Talvez se fosse Maria, Nossa Senhora era mais fácil de acreditar.”, uma das narradoras do “A filha primitiva”, da Vanessa passo, diz. Pois é. Eu também tenho dificuldade de dialogar com esse senhor que fez apenas metade da população do planeta à sua imagem e semelhança. Eu não me pareço com ele. Ele não se parece comigo, ignora uma menstruação, não gera crianças, tampouco as perde ou ganha em um parto. Deus não sente o que se passa debaixo da minha pele e ainda me orienta a ser compreensiva e piedosa com aqueles que “não sabem o que fazem”. Vem cá, desde quando os homens não sabem o que fazem? Os homens não são cheios de saberes, opiniões e verdades?  

Disse Santo Ambrósio: “Adão foi induzido ao pecado por Eva e não Eva por Adão.”

Disse São João Crisóstomo: “em meio a todos os animais selvagens não se encontra nenhum mais nocivo do que a mulher.”

Disse São Paulo, esse que dá o nome a maior cidade da América Latina: “o homem não foi tirado da mulher, e sim a mulher do homem; e o homem não foi criado para a mulher, e sim esta para o homem”.  

        Santos! Todos santos, a nata da religião que sustenta o pensamento ocidental. Mentores desses que costumam dizer “não sou santo” para justificar seus erros. Imagina se fossem.  

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Helena Terra
[arquivo pessoal]
@helenaterracamargo

Helena Terra publicou os romances A Condição Indestrutível de Ter Sido (Editora Dublinense, 2013) e Bonequinha de Lixo (Editora Diadorim, 2021). Organizou, com o escritor Luiz Ruffato, a antologia Uns e Outros (TAG Livros, 2017). É coautora na novela Bem que Eu Gostaria de Saber o que é o Amor (Editora Bestiário, 2020, com o ator e escritor Heitor Schmidt). 

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