Achei interessante “eles que leem elas”, escreverem a
respeito de quem ou da obra que leram, e escolhi “As Laranjas de Alice Mazela” (Editora
Toma Aí Um Poema, 2021) da estreante Géssica Menino e que tem a excelente
Apresentação da Flavia Ferrari.
É um livro de contos que me surpreendeu no sentido em que leva
o leitor a fazer reflexões acerca do cotidiano e, a mim, fez-me pensar um pouco
acerca de cada personagem com um olhar que nos leva a perceber claramente não
ser propriamente nosso, mas uma, por assim dizer, apropriação do olhar da
autora a qual, desconfio, fala muito de si mesma e de histórias que vivenciou
em cada um desses contos.
Cada livro é um Universo particular ou mesclado, e a autora
inicia o seu livro de uma forma poética “Quando conquistei uma bolsa para ir
estudar na universidade meus prantos, de alegria, ao chão se derramaram”.
E aqui eu já percebo o abrir de alma da autora ao mencionar
“seus prantos”... Alguém diria que pranto poderia inferir uma coisa só, um choro
em demasia causado por algum infortúnio, mas aqui o leitor nota que houve
sucessões de prantos e infortúnios, os quais foram exorcizados ou derramados a
partir de uma notícia muito boa, a de que a tão sonhada oportunidade de buscar
uma formação superior agora seria um fato e que sejam lá quais foram os
infortúnios passados, seriam superados e, enfim, lançados ao chão a fim de, no
máximo, servirem como adubo para o surgimento de uma nova vida...
Assim, a Géssica inicia o conto cujo título é Lembranças e que, no livro, inicia uma
sessão de catorze contos, curiosidade que levará um sonetista inveterado como
eu, por uma mera questão de costume, ver uma relação com a arte de compor essas
pequenas canções em catorze versos, de maneira que passa a encarar essa coleção
como uma simbólica Ode à dedicação na Arte de escrever e externar aquilo que ao
autor sufoca, mas é capaz de encantar o leitor e, como antecipei, fazer
refletir...
[foto arquivo pessoal da autora] |
“O Barba Azul”, “É Apenas por Enquanto” e “Relativo”
completam o que vou chamar de primeira estrofe. Cada Conto com sua
peculiaridade. A gente se demora em pensar no fato de que até as
características ditas ou vistas como negativas nos rotulam, classificam e nos
põem no círculo das atenções sejam elas quais forem, mas, se nos despimos
dessas características é como se desaparecêssemos! Dia desses, conversando com
uma aluna, menina linda e gentil, me dizia que sofrera bullyng porque era gordinha quando começou a frequentar a escola,
de forma que se esforçou para emagrecer e teve que suportar muita fome se
privando das guloseimas que a mãe, uma doceira, fazia. Quando conseguiu
emagrecer bastante passaram a chamá-la de “sem corpo” numa alusão de que a
mesma, embora na puberdade, tinha corpo de criança... Assim torna-se fato a
conclusão de que mudar não vai agradar a todos e a gente pode, na melhor das
hipóteses, perder a única atenção que nos davam... É aí que a gente cai na real
de que toda a sensação de falta de sentimento pode-se dizer que “é apenas por
enquanto” e se o que pensam de nós ou os “para quês?” da vida são relativismos,
nos resta valorizar a percepção de que algumas coisas, que são tão comuns em
nosso cotidiano, como legumes que nos são servidos à mesa e dos quais fazemos
pouco caso, porém quando vistos nas barracas de feira, encaramos a realidade do
quanto custam e do quanto fazem diferença no orçamento e, principalmente, na
nutrição física que pode ou não vir a gerar ótimas ideias na mente e se
tornarão textos que encantarão leitores que se identificam com os cenários
convertidos em palavras.
“Sem Destino”, “O Distinto”, “Para se Pensar” e “As
Laranjas de Alice Mazela” formam o segundo Quarteto do livro e parece
proposital que essa parte do meu “Soneto mental”, enquanto vou lendo, feche com
o conto que empresta o título ao livro da Géssica.
“Ela escuta o barulho horrendo do vidro brigando com o chão”.
Eu nunca pensei assim quando da queda de um frasco de perfume ou com outro
conteúdo. Em “Sem destino” a gente não tem muita certeza de quem está narrando,
porém a quantidade de observações aos detalhes contidos na casa e no jardim,
com a rotina daquela que se vê menina na foto guardada no computador é muito
interessante! Há uma ponte para “O Distinto” que, talvez, nem tenha sido
proposital na organização do livro, entretanto as reflexões acerca do que seria
a “Arte de amar” e a abrupta enumeração de episódios trágicos ocorridos com
pessoas que têm nome, com pessoas que deixam pessoas que, também, têm nome é,
de fato, “Para se pensar”, porque em todos os casos o Distinto, o Amor, esteve
presente e a tudo testemunhou! Até a história de Lucinda e Marcos, a primeira
menina mulher do acaso que vivenciou Movimentos e tormentos, enquanto o outro,
o “bebum”, num apenas tênue interagir com Lucinda é só mais um dos “pirões
perdidos” para o mundo e Alice? Sem mazelas, a não ser no nome, narra sua
epopeia e se torna aquela que já não irá mais ouvir a velha pergunta: “Ainda
estás aqui”?
[arquivo pessoal da autora] Gessica Menino é mãe do Christopher, uma das vencedoras do concurso literário nacional “Novas Contistas da Literatura Brasileira”, pela Editora Zouk, com o conto “As curvas do tempo”, publicado em 2018 e um dos ganhadores do Concurso Literário Internacional da Academia Fluminense de Letras 2018, na modalidade conto, com o texto intitulado: “A vida de um casal de professores”. Autora do conto “Sem perder o ritmo”, publicado em 2020 na antologia “O lado poético da vida” e lançou “As Laranjas de Alice Mazela” pela Editora TAUP (Toma Aí Um Poema 2021)”. |
Nesse ponto entramos no primeiro “Terceto” ou se
preferirem, na terceira estrofe ou parte do livro com “Uma Descoberta”, “Um Dia
Solene ou Sublime” e “Sois”...
“Uma descoberta” narra a autoconsciência de Bianca que “Escrevia
todas suas ideias, pensamentos e emoções a qualquer tempo apropriado com a
esperança de algum dia publicá-los, mas havia tanta comoção desastrosa de tudo
que acontecera”. Ela alimentava em si um
fio de esperança que acabou, nesses nossos tempos pandêmicos, se tornando
realidade para tantos que, como Bianca, se descobriram escritores... E não é um
dia sublime aquele em que você tem nas mãos um livro, filho precioso contendo
em seu interior muito mais que um filho gerado no útero? Ou você pode fazer um
paralelo com um pequeno pássaro morto que pode simbolizar um breve ciclo que
pareceu longo dado a quantidade de momentos complicados, mas que, pela força do
vento das mudanças, alimentou a terra, como um livro alimenta intelectualmente
aqueles que o leem... E é aqui que, eu que leio elas, uso as palavras da Géssica Menino: “Pois sois belas, sois uma beleza de conquista, uma guerreira
da vida, a geradora da fonte inesgotável, a desculpa alheia de espinhos. Sois
tudo e nada ao mesmo tempo em que carrega consigo um silêncio arrebatador e um
grito de um vencedor. Sois”.
A Chave de ouro ou segundo Terceto desse meu Soneto mental
no qual inseri esse livro se descortina com “A Letra C”, “A Porta Azul” e “A
Menina do Laço de Fita”...
Sem se prender a aliterações ou que chamaríamos de
tautogramas a Géssica mostra um personagem dessa era do “teclado” procurando
aquela palavra certa e conclui consternadamente que o mundo se encontra
convalescente...
“Era uma manhã ensolarada com raios de sol que despojavam
como um suco de laranja avassalador gritando ou em confronto com um copo de
vidro”. Você já olhou para si, de longe, com um binóculo? Já se viu em sua
rotina, se olhou mais velha, mais nova outra vez e guardou na mente uma
referência qualquer como uma barreira entre você e você mesma, tipo uma “Porta
azul”?
E com ela o livro termina, mas um novo ciclo começa porque
todo esse despir de alma poética, a meu ver, mostra “A menina do laço de fita.
Agora, atormentada, desiludida, envergonhada. Perguntava a si mesma: Onde
estava o amor”?
Quem escreve e descreve com essa forma singela e sensível,
talvez nem saiba, mas permite que muitas pessoas se vejam nesses cenários e
entendam o quanto “tudo vale a pena se a alma não é pequena” como cunhou Pessoa
a nos dizer que pessoas somos e pessoais são os nossos sonhos e, em vez de
limão, que tal uma laranja? Que tal as de Alice Mazela? Ou será Géssica Menino?
Uma leitura muito recomendável! Divirta-se!
[foto arquivo pessoal] |
Ronaldo Rhusso: autor anual de “Meditações para o Pôr do Sol” da Casa Publicadora Brasileira pela União Sudeste dos IASD, do Compêndio poético “2016, o Dia, o Tema e o Poema” (produção independente) e de “Atos de Jesus” pelo Clube de Autores (2022), além de cordéis em parceria com membros da Academia de Cordel do Vale da Paraíba. Escreve, principalmente, no site “Descanso das Letras” e em seu blogue particular “A Sós Com a Poesia”.