quinta-feira, 14 de janeiro de 2021

Dona Elvira




Para ouvir o podcast clique AQUI.

Ela se foi tão inesperadamente
E não houve tempo para adeuses
E agora anda-se 
Pelos cantos de nossa morada
Para ler as marcas 
Da sua ausência-presença

E existem coisas
Não recolhidas
Livros ainda abertos
Pertences soltos
Perfumes no ar
E pequeninas vaidades
Que ficaram, ali,
Como a esperar
Que contemos suas histórias

É assim mesmo!

A saudade vai tomando conta de tudo
Até que o simples cantar
De um pássaro
Num fim de tarde
Vai provocar lágrimas

O cheiro de comida deliciosa
Vai lembrar bons momentos

Uma data
    Um aniversário
       Uma comemoração
          Uma surpresa
             Uma viagem
                Uma foto
                   Um mimo

Tudo vai ficar
Bem vivo na memória

E a saudade, dona de tudo,
Vai passear lentamente
Nas terras 
Onde ninguém andou…

E a saudade, dona de tudo,
Vai lembrar, sempre,
Que essa dor não vai passar
    Dias
      Meses
         Anos
Serão um mero detalhe
De uma história
Que começou agora
E não terá fim

A saudade agora escreve
A segunda parte da minha história
Sem a presença física
De Dona Elvira, minha mãe!

(15/08/2020)




 

domingo, 10 de janeiro de 2021

A ESCRITORA POR TRÁS DA PERSONA: ENTREVISTA COM CIDA AJALA, POR ROBERTA GASPAROTTO


ENTREVISTA COM CIDA  AJALA/02

MEU TREM BALA NÃO PARA

POR ROBERTA GASPAROTTO


No meio da conversa com a compositora e escritora paulista, Cida Ajala, lembrei daquela frase de Clarice Lispector: “eu tenho medos bobos e coragens absurdas”. Conversamos durante mais de uma hora por vídeo, Cida estava linda, toda de vermelho, incluindo batom, chapéu e esmalte. “Amo vermelho”. Não é para menos, vermelho é a cor que mais simboliza a vida, e se tem algo que essa bela mulher de sessenta e nove anos tem de sobra, é uma enorme vivacidade. 

Cida cresceu em uma família de músicos, de modo que desde quando se entende por gente, esteve cercada por instrumentos. Com seu tio, muito pequena aprendeu a tocar violão. E depois, viola, e depois, harpa. Aos doze anos, compôs sua primeira letra de música, para o seu então namorado, que viria a se tornar marido. 

Para ela o processo de escrita e o arranjo da melodia, acontecem  simultaneamente. À medida que escreve, a melodia ganha forma e a música é composta. Na sua concepção, escrever é uma forma de louvar e agradecer a Deus, por isso, suas letras sempre tocam em temas pungentes, como a natureza, os animais e o amor.

A vida de shows começou quando tinha  cinquenta e nove anos, e de lá para cá, não parou mais. Cida e sua banda percorrem várias cidades, em especial, interior de São Paulo e Mato Grosso. Canta todos os estilos, mas seus xodós são o sertanejo de raiz e a música latina. Um momento de grande emoção foi apresentar-se na famosa festa de Barretos, "meus músculos pulavam igual pipoca". Em todas as apresentações, canta um hino de louvor a Deus. Costuma cantar “Quão Grande és tu”. Nesse momento, muitos da plateia se emocionam. “Certo dia, após um show em minha cidade, um homem grande, forte e todo tatuado, veio falar comigo... Parecia um bebê chorando, ficou muito emocionado”. 

Para essa mulher de ideias fervilhantes, nem a pandemia foi motivo de calmaria: idealizou e pôs em prática o projeto Musicando sua Poesia, com a presença de dezoito escritores. Para ela, a maior alegria foi perceber o contentamento dos participantes ao verem seus poemas transformados em linguagem musical. Um deles, começou a dançar, tamanha era sua alegria. Outro projeto realizado durante a pandemia é o “live em família”, onde as pessoas a contratam para cantar músicas que gostam. Um  sucesso garantido é a música “beijinho doce”. Casais dançam, se abraçam, rolam beijinhos pra lá e pra cá. 

Perguntei sobre algum momento especial que a marcou, “ foi num encontro, lá no Ministério da Música, em Jaciara, no Mato Grosso. Chegando na igreja, havia na porta alguns moradores de rua. Um deles, me vendo com violão, disse que já tinha sido maestro e perguntou se poderia tocar. Ele não só tocou belamente, como me emocionou profundamente. Após, fui fazer meu show dentro da Igreja, e no meio da apresentação, vi um homem bem vestido, sorrindo para mim. Ao final, fui até ele e, para minha surpresa, era o maestro que, horas antes, estava na porta da Igreja. Esse encontro marcou  a minha vida”. 

Ao final da nossa deliciosa conversa, Cida me presenteia, cantando a música “Aleluia”. Momento divino! E eis que, esse mulherão que parece não ter medo de nada, me faz a seguinte revelação: “tenho medo do escuro, e sempre durmo com uma luzinha ligada”. Gente de verdade, é assim, tem medos bobos, e coragens absurdas!  

Sua frase: “para Deus, nada é impossível, tem que sonhar, acreditar, ter fé e agir”. (Lucas I, 37)


FILHO DA NATUREZA 


Gosto de viver nos campos

Ouvindo o cantar dos pássaros 

Gosto do amanhecer

Sentindo o cheiro de mato


Gosto de ver animais

Estrelas noites de luar

Gosto da brisa da noite

E do sol quente que esquenta a gente


Gosto de dormir tranquilo 

Ouvindo o cantar dos grilos

Gosto do alvorecer

Olhando tudo florecer


Gosto das águas dos rios

Que correm calmas cristalinas

E ver as plantas brotando

Nos campos e nas colinas


Amanheço e anoiteço 

Sempre com muita alegria 

Trabalho todos os dias não sei o que é monotonia


Olho o sol nascer sozinho 

E a noite que vem de mansinho

E a chuva que cai no chão 

É uma benção para plantação 


Eu gosto tanto de viver

Em contato com a natureza

No meio de tanta beleza 

Eu nunca sei o que é tristeza


Não me importo 

Que me chamem

De caipira ou bicho do mato

Somente afirmo com certeza

Sou filho da natureza. 


***


NOSSA HISTÓRIA DE AMOR


Quando eu te conheci

Foi num domingo

Bem no cinema

Eu fui te encontrar

Você olhou para mim

E eu fiquei

Apaixonada a te esperar


Então o filme iniciou

E sorridente me perguntou

Posso sentar-me 

Aqui do seu lado?

Já tem alguém? Ou está ocupado?


E o corpo tremia!

O que dizer não sabia!

E foi tanta emoção!

Ao pegar minha mão!

Nosso primeiro beijo!

Foi no portão ao luar!


O Cine Presidente 

Foi que marcou

Lá nossa história

Iniciou

Depois desse namoro

Veio o noivado

E o casamento

Tão esperado


Aí depois dessa união

Vieram os filhos

Netos que bom

Foi se formando 

Minha família

Cheia de amor e alegria


E o tempo foi passando

E a juventude acabando

Mas nós dois bem juntinhos

Como sempre se amando


Agora infelizmente 

Foi para sempre

Está no céu a me esperar

Nossa História de Amor...

Nunca irá se acabar...


ESTA SOU EU, por Cida Ajala:

Maria Aparecida Ajala Jesus, nome artístico Cida Ajala, cantora, compositora, integrante da Orquestra de viola Caipira, do Prenap,  filiada a Associação Prudentina dos escritores-APE, participante do Coral Santa Rita. Já se apresentou em grandes shows como, por exemplo, Barretos, 3°Festival de Chamamé, com as Galvão, Perla Paraguaia entre outras. Cida Ajala recebeu várias homenagens e premiaçãos como compositora: Nevado de oro da Argentina e também, no Brasil: arte em movimento, prêmio Benjamim Resende, Compositora Revelação entre outros.  Algumas de suas particularidades: não dorme no escuro,  tem muita fé e  é orante!  Todos gostam de suas esfihas, em especial os filhos e netos. Ama laranja e tomate e acredita que com Deus tudo na sua vida sempre  dá certo!


Podcast Episódio 2, poema "Mulheres Chovem", de Myriam Scotti (Português/Espanhol)

Podcast Episódio 1






Podcast Episódio 2 - Poema "Mulheres Chovem" (Português) e "Mujeres Llueven" (Espanhol), de Myriam Scotti (Livro "Mulheres Chovem"/ Editora Penalux, 2020). Clique AQUI para ouvir o podcast


MULHERES CHOVEM


Como a chuva que cai p’ra limpar

Nuvens carregadas que se espremem,

Tantas mulheres chovem p’ra vazar

O que um coração quebrado sente.

 

Pois que o choro nunca é fraqueza,

É natureza a cuidar do corpo,

Levando os rejeitos para longe,

Devolvendo o sorriso que se esconde.

 

Chuva que limpa céu torrencial,

Lágrimas que lavam a alma triste,

Aliviam dor exponencial,

Sem levar em conta dor que persiste.

 

Desafio se há mulher que chova

Sem transbordar angustia que insiste.

(SCOTTI, Myriam. Mulheres Chovem. Guaratinguetá (SP): Penalux, p. 26, 2020)

***

MUJERES QUE LLUEVEN


Traduçao de Marta Cortezão

Como la lluvia que cae para limpiar

Nubes cargadas que se exprimen

Tantas mujeres llueven para filtrar

Lo que el corazón roto percibe.

 

Porque el llanto nunca es debilidad

Es la naturaleza cuidando al cuerpo,

Llevando lejos lo que causa el llanto,

Devolviendo a la sonrisa su encanto.

 

Lluvia que limpia el cielo torrencial,

Lágrimas que lavan el alma triste,

Alivian el dolor exponencial,

Sin hacer caso a la pena que persiste.

 

Me pregunto si hay mujer que llueva

Sin desbordar  la angustia que insiste.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2021

LIVROS & ENCANTAMENTOS: O CORAÇÃO É UM MÚSCULO QUE PULSA, SENTE E PENSA - CONSTANTEMENTE, POR ROBERTA GASPAROTTO


LIVROS & ENCANTAMENTOS/03

'O CORAÇÃO PENSA CONSTANTEMENTE', DE ROSÂNGELA VIEIRA


POR RBERTA GASPAROTTO


Qual o gostinho de ser uma das primeiras leitoras a ter acesso a um livro profundo e ao mesmo tempo delicioso? Eu pergunto e eu mesma dou a resposta: me senti como tendo a chave para abrir um tesouro, o que é bom, e ao mesmo tempo, senti uma responsabilidade danada sobre o que fazer com o tesouro recém descoberto.  

Nessas minhas reflexões sobre 'O Coração Pensa Constantemente', da nossa querida Rosângela Vieira Rocha, lançado pela editora Arribaçã, espero que eu faça jus (nem que seja um pouquinho) à imensidade da obra. 

Em uma época em que muitos usam a faculdade de pensar com o objetivo de travar batalhas e ganhar discussões, Rosângela nos convida a usar essa importante ferramenta com o objetivo de estabelecer conexões.

O coração da narradora do livro, Luísa, é um músculo que pulsa, sente e pensa, constantemente. É a partir desse pensar-sentir, ou melhor, sentir e pensar sobre o que sente, que ela refaz caminhos e , principalmente, revivifica suas relações de afeto.

Em suas ações, a narradora realiza uma deliciosa e inteligente subversão, ao inverter a equação tão em voga em nossa contemporaneidade: de uma vida em favor da racionalidade, para a racionalidade em prol da vida e dos encontros.

Seu pensar é sempre a partir do coração, e é com esse recurso que Luísa procura entender o mundo, suas emoções e, também, o outro.  Sendo que o outro mais especial, é sua irmã Rubi. 

Há momentos belíssimos , e alguns muito engraçados, dessas duas irmãs que nutrem profundo amor entre si, mas não só. Como humanas que são, outros sentimentos também comparecem em cena, e Luísa usa de sua extraordinária habilidade de pensar os sentimentos, para dar conta de desenrolar muitos nós cegos. 

Preciso dizer que Rosângela foi muito generosa com seus leitores: através de Luísa temos a oportunidade de refletirmos sobre como anda nosso sentir-pensar-agir. Mais que isso: aos interessados, Luísa aponta, de certa forma, o caminho das pedras.

Além disso, as emoções são, no meu ponto de vista,  a personagem principal do seu maravilhoso e potente livro: há que se ter a coragem de investigá-las, e muitas vezes enfrentá-las para seguir em frente e não estagnar no caminho.

Ao fim da leitura, temos a confirmação de que o esforço da narradora em  percorrer seus percalços,  e em aceitar os tropeços alheios, deram frutos.

Em uma das frases finais, Luísa reflete sobre a vida, e também, sobre a morte, que um dia inevitavelmente virá, assim como veio para uma das pessoas que ela mais amou, sua irmã. 

Ao final, a narradora acolhe com bravura tanto a sua vida, quanto a sua morte: serenidade e maturidade alcançadas só para quem viveu uma existência que fez sentido para si.




terça-feira, 5 de janeiro de 2021

Amor de papel


Poema/03

PARA OUVIR PODCAST CLIQUE aqui

 

Por Fernanda Caleffi Barbetta

 

Disse que queria fazer

amor

comigo,

e eu não sabia que

amor

se fazia,

como se faz um

barquinho

a partir de um pedaço de papel,

em branco,

dobrando e

vincando a folha

entre o indicador e o polegar

até ela ganhar forma.

Não sei se foi

amor

o que fizemos,

mas a folha,

que não é mais branca,

rasgou.





 

ELES LEEM ELAS: RASGA OSSOS, POR MARCELO FROTA


Rasga Ossos, de Sabrina Dalbelo/05

 

Por Marcelo Frota

 

Rasga Ossos é um livro de reflexões, de questionamentos. É uma obra de imagens, uma sucessão de estranhamentos. É soco no estômago, um desalento. É palavra/evolução, uma montanha-russa, um espaçamento.

Eis o novo livro da autora gaúcha Sabrina Dalbelo, (Penalux, 2020), que adentra no universo literário em um ano em que nada foi lugar-comum, em um tempo em que a arte se entrega a seu papel máximo, ou seja, retratar o tempo presente. Rasga Ossos é tempo presente. Também passado, também futuro.

 

A poesia presente na obra, segundo a própria autora, é um resultado de encontros e desencontros. Entre conhecidos e estranhos. É, aos meus olhos, um reflexo de experiências e vivencias. Um algo familiar entre os estranhamentos dos caminhos da vida. É como um filme de Ingmar Bergman, uma jornada entre a leveza e o lado mais sombrio de uma jornada que nem sempre tem um começo definido, ou um fim estabelecido, mas que em seu meio, se faz matéria de reflexão e silêncio.

 

No poema Cicatriz é artéria pulsante, Sabrina faz uma reflexão divertida e profunda sobre os caminhos da tristeza. A autora constrói por meio de frase envoltas em simplicidade um lamento que nos remete a encontros com presente/passado. “A tristeza é uma amiga. É ferida que deve ser sentida, vivida. Tristeza é para ser abraçada, doída”.

 

Sim, a tristeza é amiga, é companheira, é constante. A tristeza é o intervalo da felicidade. Aquela visita indesejada, que sempre aparece, e, muitas vezes, fica além da hora. Mas que quando vai embora, alivia o clima da casa, tira o peso do corpo. É como cantavam Tom & Vinicius: “Tristeza não tem fim, felicidade sim”. Tristeza tem intervalos, às vezes curtos, às vezes longos, mas fim não tem. Tem recessos, tem intervalos.

 

Em Medo da vida, poema que remete a preocupações, anseios, receios, paranoias, Sabrina Dalbelo faz um desafio aos medos que estão no íntimo de todos nós. “Quero falar do medo de receber resultado de exame, de vislumbrar um futuro de medicação, fisioterapia, de tratamento, hospital e de, todos os dias, se perguntar o porquê, por que você, por que a estatística veio lhe pegar”.


Viver é ter medo da morte? Medo da doença? Medo da ruína do corpo? Da falha da mente? Viver é uma sucessão de medos, uma eterna estrada de pequenos receios. Ter medo da vida é ter cautela? Não, ter medo da vida é não viver, é não deixar o acaso se tornar real. Não deixar o sonho se tornar palpável. Ter medo da vida é não deixar a vida ser vida, vivida, desfrutada. A morte é natural, e, como disse Cazuza: “Morrer não dói”. Digo eu, “viver dói mais”.

 

Em Na teoria o céu é azul, a tortuosidade da vida cotidiana é matéria para versos “fofinhos”, que escondem, por trás de sua aparente doçura, a brutalidade da realidade do nosso tempo. “nas nuvens branquinhas que pairam no azul/céu azul o passo é manso/o sonho é carinho de mãos firmes/a brisa é fresca como limão taiti”.

 

Nas esquinas das ruas da vida, o mal que ronda por nosso tempo se faz presente. A doença que infesta nosso planeta, o descaso do nosso governo, a incapacidade e desumanidade o presidente “Mito”, o descaso com o que é minoria, a desgraça de viver em tempos em que o homem agride seu semelhante, mata seu semelhante pela cor, pela orientação sexual, pela diferença. O poema “soco no estômago de Rasga Ossos para mim.

 

Em meio à densidade da poesia da Sabrina Dalbelo, termino com a doçura agridoce de Mulher-goiaba: “mulher não escreve memórias/em papel de seda ou de presente/calada/tem filho/faz goiabada”. Lygia Fagundes Teles, a homenageada com o poema, acredito eu, ficaria feliz.

 

Rasga Ossos, como antes mencionei, é um livro para reflexões. Reflexões profundas, e como toda reflexão, ora leva, ora sombria, mas sempre relevante. Leitura de uma vez só, para depois ser revisitada, redimensionada, reinternalizada. Uma jornada de intensidade.


 


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EDITAL ENLUARADAS II TOMO DAS BRUXAS

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