sexta-feira, 26 de agosto de 2022

ENTRELAÇOS - ENTRE PERNAS E ABRAÇOS, POR ALE HEIDENREICH




 ENTRELAÇOS - ENTRE PERNAS E ABRAÇOS |01


Por Ale Heidenreich

🌶 ATRÁS DA PORTA 🌶



♡ Há amores que esvaziam.
Se não preenchem,
vazios são. 
A.H.♡

Fez sexo sem amor, mas com vontade. Só queria mesmo era que lhe fizesse ter um orgasmo. Dos grandes! Falava-lhe ao ouvido palavras ordinárias que excitavam mais a ela que a ele. Mas esse era o seu objetivo.

Ela estava quase alcançando o ápice da loucura, quando ele interrompeu o ato e a mudou de posição. 

“─ Ódio! Quem ousa me roubar o orgasmo? – Filho da puta!” Pensou.

E, enquanto ele a torturava com aquela posição desconfortável e dolorosa, veio uma frase em sua cabeça que a fez lembrar que não é obrigada a nada: “Homem que fode mal, tem que saber que faz sexo ruim!” E foi aí que o interrompeu também e disse: ─ Não meu querido, eu quero é aquela outra posição que eu estava! E é assim que eu vou gozar!”

Encostou-se e o puxou pra cima de si. “­─ É assim que eu quero! Você entre as minhas pernas!”

E o apertou tanto, o beliscou tanto! E lhe falou tantas putarias aos ouvidos! E lhe mordeu tanto as pequenas orelhas. E quando o bendito, merecido e sagrado orgasmo veio, quase morreu sufocada com os próprios gritos contidos!

A porta da varanda do quarto de hotel, no primeiro piso, que dava para um grande terraço, estava aberta, e abria-se para um lindo parque verde. Seus costumeiros gritos poderiam ter chamado a atenção dos passantes e distraídos comensais, que degustavam suas comidas e bebidas no terraço logo abaixo, na calçada do hotel.

Deixou um “sorriso Mona Lisa” estampar-se nos cantos de sua boca, imaginando as sirenes da polícia, carros do bombeiro e da ambulância, depois de ter seu orgasmo denunciado como crime de conduta moral ou atentado ao pudor. Riu de si mesma...

Mas, isso era só um reflexo do pós-orgasmo, onde se pensava em bobagens ou em mais nada, quando se tinha um braço aconchegante para o repouso póstumo.

Olhava as cortinas brancas esvoaçantes, sob o sol de finalzinho de tarde. Era bucólico. Parecia cena de filme de época: cortinas finas ao vento. A brisa balançando uma guirlanda rodopiante de cristal. O sol morno. Os pássaros cantarolando. O bosque no parque. O céu azul.

Mas ali não existia carícias nem repouso em abraço. Só um olhar pidão e carente, desejoso do brinquedo prometido. Fez-se de difícil, mas ao fim cedeu e não tirou o doce da boca daquela criança.

Ele lambuzou-se todo naquele prazer de menino-homem-carente, e ela, ao final, contentou-se em ouvir a frase que declarava o seu triunfo:

“─ És muito gostosa!”

Conversaram sobre coisas sem importância. Ducharam-se, como que para limpar a impureza impregnada daquele pecado. “─ Deus tá vendo!” Ouvia dela mesma. “─ Deus perdoa!” Dizia para ela mesma.

Trancaram o quarto atrás de si, e colocaram a chave sobre o balcão vazio daquele hotel discreto e aconchegante. Saiu desfilando “a la madame”, com seu chapéu e vestido pretos, do mesmo modo como entrou.

Entrou no carro do rapaz e, momentos depois despediram-se. Cada um tomou a sua estrada.

O resto, ficou atrás da porta.

Não era puta e nem vadia. Era mulher.


Ale Heidenreich
Foto do arquivo pessoal

Ale Heidenreich é brasileira radicada na Alemanha desde 2004, mas segue incondicionalmente apaixonada pelas suas origens, Recife/PE. Seus poemas encontram-se registrados em diversas antologias e coletâneas espalhadas pelo Brasil e Europa.  É nas palavras que se encontra, e através delas conecta-se ao seu interior, externando, em forma de poesia, os sentimentos contidos.

quinta-feira, 25 de agosto de 2022

CONTE-ME UM CONTO, POR MARGARIDA MONTEJANO

 


                 CONTE-ME UM CONTO|06

A   M Ã O   E   O   E S P E L H O

Por Margarida Montejano

Era uma sexta-feira comum numa cidadezinha pacata do interior de São Paulo.  Éramos jovens funcionários de um banco, na casa dos 20 anos. Eu, Márcia e meu amigo Jorge sentados em guichês coligados, esperando os clientes do banco chegarem.

Sim. Trabalhávamos como caixas bancários, naquele tempo em que não havia caixas eletrônicos e o atendimento era mecânico e humano simultaneamente, tínhamos que executar as operações monetárias e, ao mesmo tempo, agradar o cliente, pois era essa a política para se manter no emprego.  Pois bem. Havia alguns dias no mês em que o trabalho era raro. Tínhamos que nos cuidar para não cochilar.

Num desses dias, apesar de me mostrar sempre animada e criativa para passar o tempo, estava meio entediada, pois as horas não passavam. Foi então que meu colega Jorge provoca, dizendo: 

─ Não é você que sempre arranja um jeito de nos animar? Qual talento usará hoje para que o tempo passe depressa?

Pensei um pouco e, como adoro ser desafiada, fui logo dizendo:

─ Me dê tua mão!

─ Por quê? Vai me pedir em casamento?

Olhei paro os olhos dele e falei sério:

─ Jorge. Dentre os talentos que tenho, há um que você não conhece. Eu leio mãos. Pratico quiromancia.

Ele olhou-me incrédulo, duvidando. Foi então que o desafiei:

Vamos! Me dê sua mão esquerda!

Ele, em meio àquela calmaria, olhou e viu que não vinha ninguém em direção aos caixas. Esticou o braço e estendeu a mão.

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Foi aí que tudo começou. Como alguém que entendia do assunto, fui logo lançando meu olhar na direção das linhas daquela mão jovem e magrela, que se encontrava, naquele momento, úmida de suor. Estava meu companheiro nervoso e eu me divertindo um bocado.

Anda, Márcia! Por que essa demora? Dizia meu colega aflito com receio que chegasse algum cliente.

Séria, como se visse algo nas linhas de sua mão, relatei a ele o texto que em minha mente se formava:

─ Jorge. Você irá se transferir de agência… será promovido em breve e, após formar-se na faculdade, se casará com uma jovem que não é a sua atual namorada. Pronto.

Importante dizer que as palavras descritas a ele eram uma projeção possível, pois eu o conhecia há um bom tempo: ele era um bom funcionário, dedicado e com potencial para liderança, logo uma promoção teria muita chance de acontecer. A transferência, uma possibilidade real para todos nós que lá trabalhávamos, também era fato. Muito bem. Com relação ao futuro afetivo de Jorge, eu também já tinha os dados. Ele estava terminando o curso superior e o namoro dele, pelo que ele mesmo contava, ia de mal a pior.

Conclusão. Brinquei com Jorge e fiz a previsão de seu futuro considerando as possibilidades.

Ele ficou pensativo, mas logo os clientes vieram e tratamos de esquecer essa brincadeira de desocupados. Seguimos por cerca de uns três meses trabalhando, levando a sério as atividades a nós confiadas e nos ocupando de passar o tempo com criatividade, o tempo que nos rodeava.

Jorge, um belo dia me chama e diz:  

Márcia! Não é que você adivinhou mesmo! Recebi uma promoção e terei de me mudar de cidade.

Que bacana, amigo! Eu disse surpresa! 

Fico feliz por você!

E assim Jorge foi para outra cidade, outra agência e eu fiquei sem meu companheiro de trabalho e de assuntos aleatórios.

Não é que, em uma manhã, eu ainda não havia assumido os trabalhos no caixa, pois faltavam 50 minutos para a agência bancária abrir, uma funcionária me chama e avisa que havia uma mulher à minha procura, dizendo-se ser a mãe de Jorge. A dona Odete.

Fui, é claro, atendê-la, como fazia com todos que me procuravam na agência. Ofereci a ela um café e já embalei na pergunta:

Bom dia, dona Odete! Em que posso ajudá-la?
Ela pediu para falar comigo em particular. Levei-a até a cozinha que estava vazia naquele momento.

─ Márcia! Leia minha mão? Disse-me ela de forma direta.

 O quê? Engasguei com o café. Não estou entendendo!

 Márcia, você leu a mão de meu filho e você acertou. Está acontecendo tudo o que você viu nas mãos dele. Ele se mudou de agência e cidade, foi promovido a gerente e você acredita que ele rompeu com a Cris e está super apaixonado por Paula?

Naquele momento lembrei-me de minha travessura lendo, de forma inconsequente, as mãos de Jorge. Tremi nas bases. Respirei e expliquei a ela que eram coincidências, pois eu havia brincado com Jorge. Que não lia mãos.

Ela foi logo pegando em minhas mãos e oferecendo as suas, implorando para que eu as lesse.

Dona Odete. Ouça-me. Eu brinquei com Jorge. Não leio mãos, repeti:

Ela com os olhos cheios de lágrimas me implorou. 

Moça. Por favor! Diga-me alguma coisa, pelo menos! Eu estou a um passo de explodir, de fazer uma loucura! 

Estava desesperada, com os olhos tomados de lágrimas. Era visível a necessidade daquela mulher de ser ouvida. De receber atenção. De um ombro, um colo, uma palavra!  Sentamo-nos no banco daquela cozinha gelada como todo ambiente bancário, peguei as duas mãos da senhora aflita à minha frente, e disse:

Fala-me: o que está acontecendo? Rendi-me ao pedido.

E ela falou da traição e separação do marido que tanto amava, das dificuldades que tinha com os filhos mais novos e do medo de não conseguir lutar e seguir sozinha, pois estava a ponto de desistir de tudo. 

Ela desabou ali e contou-me de suas dores. A mim, uma mulher desconhecida.

Ouvi com atenção cada palavra. Ela chorou e eu chorei junto com ela. Quando ela parecia mais calma e recomposta, eu disse:

Odete. Vou lhe chamar assim. Não preciso ler tua mão. Você vai vencer essa tormenta, porque você é mulher e, por isso, é forte. Vai enfrentar a adolescência dos filhos com coragem, porque você é mãe e os ama e vai ainda ser muito feliz. É esse o seu desejo e também porque o mundo não acaba quando um casamento não dá certo. Creia nisso! Acredita. Tudo se encaminhará! 

Ela secou os olhos vermelhos com as mãos. Agradeceu-me por ouvi-la e saiu. 

Naquele dia, a agência lotou de clientes e eu mal tive tempo de pensar no que havia se passado na cozinha. De organizar as ideias. De respirar, de entender o ocorrido naquela manhã.

Passou o tempo, desliguei-me do banco, formei-me professora, casei-me e fui morar no Rio de Janeiro. 

Um belo dia, em visita à cidade natal, estava eu na farmácia São José, sendo atendida por um balconista, quando, dentre outros clientes que também esperavam no balcão, uma mulher reconhece minha voz e, sem demora, me aborda!

Moça. Dá licença. Você não é a Márcia que trabalhava no banco com o Jorge, meu filho? 

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Eu gaguejo, olho nos olhos dela e a reconheço. Estava mais envelhecida, mas ainda muito bonita. A senhora é a…

Odete. Sim, mãe do Jorge! 

Enquanto o balconista providencia minha compra, converso com ela:

Olá Odete! Prazer em vê-la! Eu disse meio espantada.

Como a senhora está? E seu filho? Eu gostava muito de trabalhar com ele!

Ela esperou eu terminar de ser atendida, puxou-me pelo braço num canto da farmácia e foi logo dizendo:

Nossa, menina! Como eu a procurei! Muito obrigada! Preciso dizer que tudo o que você falou para mim, naquela cozinha, aconteceu! 

Emocionada pegou minhas mãos e apertou-as como se quisesse transpor a mim sua energia. Sua gratidão.

Aos poucos fui me desvencilhando das mãos da bela senhora e fiquei por uns segundos olhando-a. Um tempo de um raio ou de uma eternidade durou a cena. Só sei que foi o suficiente para lembrar-me de tudo o que aconteceu e pude dizer a ela, com detalhes, o que senti naquela manhã no banco.

Dona Odete. Naquele dia eu não fiz a leitura de sua mão. Eu não podia atender seu pedido, porque seria imprudente fazer aquilo. Mas, eu fiz a leitura das minhas mãos, das nossas mãos. 

Quando a ouvi, entendi o quanto precisamos, nós mulheres, umas das outras e, não importa o quanto somos próximas ou distantes, nos fortalecemos quando estamos juntas. Quando nos ouvimos, quando nos damos as mãos!

Ela me olhava atenta e eu respirei fundo e continuei:

 Quanto às palavras ditas naquele dia, é preciso que eu lhe diga: mirei os seus olhos marejados e, naquele momento, eles pareciam um espelho. Um espelho refletindo… e, o que eu neles lia e repetia em voz alta, eram os seus desejos.

Sou também grata por aquele momento, Odete! Aprendi muito. Boa sorte a você querida!

Sequei meus olhos com uma sensação estranha, mas feliz. Me despedi dela e saí da farmácia com o espelho na mão, o qual eu acabara de comprar.

(Margarida Montejano, in Fio de Prata, 2022)


quarta-feira, 24 de agosto de 2022

NA TRILHA DO FEMININO: FATO E FAKE NOS DITADOS POPULARES, POR RILNETE MELO

 


N A   T R I L H A   D O   F E M I N I N O|01

FATO E FAKE NOS DITADOS POPULARES 

       

          Eu cresci ouvindo uns ditados populares que, embora ainda não usando o termo “Fake News”, nunca os tive como “Fato” no meu universo feminino. Na cama dessa vã cultura popular, da sabedoria do senso comum, da frase de efeito que tem por finalidade advertir ou aconselhar alguém, eu não deito a minha cabeça. Eis alguns desses famosos discursos proverbiais usados como ferramentas para propagação da misoginia e do preconceito contra a figura feminina, que eu desabono:

           — “Amor de pica bate e fica".

        Sou poeta, gosto de rima, mas essa não bate nas minhas inspirações e inquietações femininas... Acredito que bate no machismo do homem, na sua pretensiosa e fálica relação amorosa ou na cabeça de alguma pessoa insaciável inveterada, pois convenhamos que sexo é gostoso,  dá prazer, é uma necessidade fisiológica,  mas não fica e não sustenta a alma e a ternura feminina. (É Fake!) Para trazer o fato recorro a Nelson Rodrigues quando ele diz:

      “A maior tragédia do homem ocorreu quando ele separou o amor do sexo. A partir de então, o ser humano passou a fazer muito sexo e nenhum amor. Não passamos do desejo, eis a verdade. Todo desejo, como tal, se frustra com a posse. A única coisa que fica além da vida e da morte é o amor”.

         — “Mulher de malandro quanto mais apanha mais se apaixona"

       Um discurso extremamente agressivo e depreciativo! Para mim, trata-se de um provérbio com a pretensão de normalizar a violência doméstica.  Evidencia-se nesse dito popular a absolvição do agressor e a condição subalterna da mulher, que por muitas vezes se condiciona a agressão por condições econômicas ou mesmo ameaças,  e nunca, jamais, por gostar de apanhar, pois geralmente o relacionamento inicia com amor e carinho e por estreitamento da dependência vem a violência, que às vezes culmina na morte. Que esse fake fique bem longe de nós, pois precisamos nos unir para combater a violência de gênero (isso é fato!)

         — “Mulher tem que esquentar a barriga no fogão e esfriar no tanque"

       Aqui a mulher é vista como objeto do lar e do machismo exacerbado, que vem desde os tempos remotos.  Discurso ideológico que nos condiciona à submissão e jamais  favorece  a igualdade de gênero. Isso é Fake! Atualmente observa-se uma presença significativa de mulheres esquentando a barriga atrás das escrivaninhas e outros objetos profissionais,  esquentando a mente em muitas áreas de conhecimento e esfriando  a cuca com prazeres proporcionados por sua capacidade e talento. O fato é que precisamos lutar muito ainda por nossos direitos,   pois os homens ainda são maioria quando se trata de reconhecimento...

        Vamos esquentar nossas barrigas onde a gente quiser!

         — Em briga de marido e mulher, não se mete a colher"

        Frase que eu, minha avó e minha mãe crescemos ouvindo e vendo muitas mortes acontecerem, por omissão condicionada a esse discurso/mantra sem fundamento.  

         Frase de efeito Fake!

        Não podemos desconsiderar  a relevância das campanhas, os debates e a divulgação desse assunto na mídia, pois tem favorecido a  ação da vítima pelo pedido de socorro. Não podemos ser omissos a esse tipo de comportamento tóxico, a esses  relacionamentos abusivos dentro de quatro paredes, onde o silêncio sufocante da mulher é amordaçado pelo medo.  Vamos quebrar esse muro, entrar nessa briga, salvar uma vida  e meter a nossa colher sim! Isso é Fato!


@rilnetemelo - Uma Voz Nordestina


Rilnete Melo
Foto do arquivo pessoal

Rilnete Melo é brasileira, maranhense, graduada em letras/espanhol, escritora, cordelista membro das academias ACILBRAS, ABMLP e AIML, participou de várias antologias nacionais e internacionais, autora do livro “Construindo Versos" e autora de cinco cordéis. 

segunda-feira, 22 de agosto de 2022

RISCOS FEMININOS: PARA FALAR DE NÓS, POR CRISTIANE DE MESQUITA ALVES



RISCOS FEMININOS|01


P A R A   F A L A R   D E   N Ó S


Por Cristiane de Mesquita Alves


Parece que há uma fenda, um buraco negro talvez – se pensar ironicamente em Freud em relação a falar de nós – que possivelmente nascemos mulheres ou não nascemos mulheres, mas, que a identificação com o corpo fêmeo fez com que Beauvoir (2009) escrevesse uma das pautas mais importantes dos estudos feministas, ao afirmar que não nascemos mulheres, tornamo-nos mulheres.

Na esteira dessa filosofia, formou-se uma busca incessante para nós que buscamos, lutamos, insistimos, resistimos ao longo dos séculos de lutas pelas ondas do feminismo, ocupar um lugar nos âmbitos sociais onde pudéssemos expor nosso pensamento, nosso lugar de fala a partir de nós mesmas, cansadas de não nos vermos do jeito que somos refletidas pelo pensamento patriarcal que nos esculpiu com a insígnia do objeto, que categorizou a mulher na condição de inferiorização, colocando-a na subalternidade social e ratificando tal posição a cada sociedade que foi se organizando, adaptando, desenvolvendo no percurso da História.

            Se passarmos rapidamente pela História a construção da identidade feminina forjada pelo patriarcalismo foi moldada na ideia de subserviência (para não discutirmos os conceitos de servidão e escravidão por enquanto) destinada a servir o homem, desde a organização da sociedade  dos povos não-nômades, passando pela  Antiguidade Clássica, Cristianismo (estão aí as narrativas bíblicas que servem até hoje como muitos exemplos para aquelas que ainda não compreenderam o papel social da mulher), perpassando pela formação do pensamento ocidental da dita era renascentista, iluminista, moderna e vamos recorrer ao momento pós-moderno, considerando a cronologia de Danto (2006), o qual conceitua a pós-modernidade como um estilo artístico a partir de 1960. Segundo Danto o “moderno passou a parecer cada vez mais um estilo que floresceu de aproximadamente 1880 até 1960 a partir de então, tem-se o que se denomina pós-modernidade.” (Danto, 2006, p. 13).

Na Literatura, que é nosso lugar de fala, não podemos esquecer o movimento do Romantismo da primeira metade do século 19, que a meu ver representou, grosso modo, um fôlego, para a escrita feminina, um fôlego, não a liberdade de expressão que continuava para a mulher - uma balela. O slogan Liberdade, igualdade e fraternidade para a autoria feminina que usou a Literatura para demonstrar suas ideias, suas experiências, seus sentimentos, sua visão de mundo, ainda continuou no plano de uma idealização romântica, quando não muito – uma utopia – se olharmos do ponto de vista da palavra igualdade, que já na segunda década do século 21, não mudou muita coisa.

Por outro lado, a Literatura, a Arte, o pensamento científico, quando não o próprio religioso[1], foi responsável por provocar nas mulheres a busca por sua própria imagem social a partir dela mesma. Por este motivo, a produção litero-artística serve como um quadro social do pensamento feminino de uma determinada época em que cada uma dessas grandes mulheres viveu.

Nesse contexto, quando a multiartista e produtora cultural Marta Cortezão lançou um convite para que eu assim como as demais mulheres que assinam uma coluna nesse Feminário Conexão, eu pensei em riscar pequenas considerações sobre o universo das feminilidades, femininidades, as questões que nos provocam a pesquisar, a entender, a buscar o que nós mesmas somos. Eu uso o nós para se referir bem ao gosto da premissa do tornar-se mulher de Beauvoir (2009) mesmo! Do autoidentificar-se como mulher, do se ver mulher, do sentir mulher, do pensar mulher... e aqui – eu me coloco como mulher cis, abraçando minhas souer lésbicas, binárias, trans... toda aquela que se vestiu com o manto feminino e feminista sobre o seu corpo.

O título da coluna Riscos femininos dialoga com o meu primeiro livro solo de poesias Riscos de mulher ... e eu costumo explorar bastante o sentido ambíguo da palavra “risco” bem pontuado pela professora e pesquisadora de estudos feministas Joyce Amorim (2021), prefaciadora do meu livro. Risco por alertar, denunciar o risco que temos e vivemos diariamente por ter vindo do ventre como mulher - que ainda não encontrou o respeito devido, a equidade e o direito à vida no mundo em que o falocentrismo impera. Outro sentido, risco – o ato cotidiano para se referir à escrita, pois, uma de minhas filosofias de vida é escrever para falar de nós. Escrever para valer os sacrifícios das que vieram antes de mim e deixar registrado pela escrita – em especial - a literária de todas aquelas que lutaram para que eu tivesse nesse momento a oportunidade de escrever e expor o que penso, bem como as que me leem têm o direito de saber um pouco a respeito do que essa mulher faz para contribuir e somar com as nossas lutas feministas diárias.

Nessas palavras introdutórias, risco algumas inquietações de mulher que vivo e pesquiso e apresento-me como mais uma colaboradora desse espaço de construções poéticas e reflexões sobre o feminismo e feminino procurando desmistificar a cultura a respeito do patriarcado criado para a mulher e valorizar a divulgação das ideias pensadas pelas mulheres no que tange a suas narrativas de vida.

 

Referências

AMORIM, Joyce Cristina Farias de. Prefácio. In: ALVES, Cristiane de Mesquita. Riscos de mulher. 1ª ed. São Paulo: Editora Todas as Musas, 2021.

BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo. Trad. Sérgio Milliet. 2ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009.

DANTO, Arthur C. Após o fim da arte. A arte contemporânea e os limites da História. Tradução de Saulo Krieger. São Paulo: Odysseus Editora, 2006.

 



[1] Um exemplo disso pode ser a escritora mexicana que viveu entre os anos de 1648 1695 Sóror Juana Inés de la Cruz. Dramaturga, filósofa e freira que revolucionou o pensamento crítico em uma época histórica que a Igreja Católica ainda se mantinha no poder e controle para ditar e regrar os costumes e valores sociais.  

@cris.mesquita.52

LINGUAGEM DO BATOM VERMELHO, POR CAROLLINA COSTA

 


LINGUAGEM DO BATOM VERMELHO|12


CURSO: O ESCREVER DO ESCRITOR

Por Carollina Costa

Notar que cada escritor tem sua singularidade é essencial para nós, escritores, enxergarmos que também temos as nossas, mesmo que ainda nos sejam desconhecidas. Foi movida por essa busca que decidi criar um curso que pudesse facilitar esse processo de autodescoberta na escrita.

Com base em algumas lives solo que fiz ano passado no meu Instagram — e atualizando toda informação necessária que aprendi de lá para cá — montei o curso O Escrever do Escritor com o objetivo de, de forma realista, ajudar escritores a enfrentarem o medo da página em branco e conhecerem melhor seu processo pessoal de escrita.

Serão 9 aulas em que irei tratar de assuntos como:

  • a figura do Escritor
  • a relação existente entre os processos de leitura e escrita
  • a relação entre os conhecimentos de linguagem e literários
  • explorar a página em branco
  • o que é a rotina para escritores

Nessa jornada de autoconhecimento criativo também irei propor sugestões de exercícios de leitura e de escrita para aprimorar a escrita e desenvolver mais clareza sobre o processo criativo envolvido.

Se você já é escritor(a), irá explorar mais na sua escrita.
Se ainda não é, esse pode ser seu ponto de partida.

Valor de investimento: R$60,00

Já estou te esperando para nossa primeira aula!



quarta-feira, 17 de agosto de 2022

ENTRELAÇOS - ENTRE PERNAS E ABRAÇOS, POR ALE HEIDENREICH




 ENTRELAÇOS - ENTRE PERNAS E ABRAÇOS |01


Por Ale Heidenreich

NEM GUERREIRA E NEM PRINCESA

 

" Mãe, compra um pai pra mim?"

 

Era essa a pergunta que a menina franzina, olhos tristes (é assim que se manifesta em sua memória) e de cabelos longos, (de promessa) fazia para a sua mãe, todas às vezes que ela saía para ir ao centro da cidade.

" Compro, minha filha!" Respondia aos risos, e se ía.

Era a filha caçula de uma jovem viúva com oito filhos.

A vida nunca lhe fora doce, mas também não era amarga de tudo. Tinha o básico para viver, e o mais importante: o amor de mãe.

Dizem que "a reza de uma mãe, arromba as portas do céu!" E acredito que reza de mãe é isso mesmo. Pois a sua mãe era brava e, como se fala hoje em dia, "uma guerreira".

Ela, como as mulheres de hoje, nem queria guerrear.

A "luta" de uma mãe solo (viúva ou deixada), para criar filhos não é nada fácil. E numa sociedade machista e misógina, então, nem se fala.

A mãe dela, não tinha outra opção, o marido havia falecido a deixando viúva aos 33 anos (e já tinha acumulado a média de um filho por ano). Aos 22 anos, aproximadamente, teve seu primeiro filho, e com 33 já tinha oito filhos, normal para um tempo em que a mulher só "servia" para parir e cuidar da casa. Mas deu o "azar" de o marido morrer e ficar sozinha para criar a "penca de menino". A mais nova com um ano e meio de idade. Criar, entenda-se: dar o que comer, vestir e educar para o mundo.

No caso daquela mãe, o destino, quis assim.

Mas falemos de mães solo, que são propositadamente abandonadas  na gravidez, porque o macho alfa acha que usar o pênis sem preservativo, (que tem o propósito ainda de evitar um filho "indesejado", de evitar se transmitir ou se contaminar com as doenças venéreas da vida  Sim! Elas ainda existem!  irá torná-lo menos macho.

Jogam a responsabilidade da prevenção contra a gravidez unicamente para a mulher, que se bombardeia de pílulas anticoncepcionais, muitas vezes, já desde a adolescência, e que raramente procura orientação médica para isso, correndo o risco já desde remotamente sofrer uma Trombose e vir a perder a sua vida, dentre outras consequências.

A responsabilidade, desde já, colocada no colo das mulheres: engravidou? "Toma que o pacote é teu!"

Dedos em riste, a Sociedade menospreza e as atiram à sua margem. Mais uma vítima sua, da falta de Educação Sexual, ausente nas escolas, e que poderia dar o verdadeiro Empoderamento do Corpo às suas meninas. "Meu corpo pertence a mim!",  e orientar os meninos desde cedo que o corpo das mulheres não é um "parque de diversões" deles, mas um templo da vida, e deve, sim, ser respeitado.

É preciso desmistificar e desconstruir o fato de que o homem pode enfiar o pênis onde quiser, dar as costas e deixar seus rastros, com milhões de crianças órfãs de pais vivos e omissos. Chamar a responsabilidade para ausência proposital e negligenciada, colocando um fardo mais pesado nas costas das mulheres, que igualmente ao homem, também queriam o prazer de um orgasmo, e saiu com um filho não planejado. - O prazer na cama é uma "via de mão-dupla".

Não queremos ser "Guerreiras"! Um título que só serve como "prêmio de consolação", igual que o de "Princesa", colocando a mulher no pódio da "inutilidade".

Mas, se somos guerreiras, seria essa uma "batalha" justa?

 

"Nos  colocam na arena,

Com machados de plástico,

Para derrotar leões ferozes e famintos.

Escudos toscos que nada protegem."

 

[Fragmento de "Nem Guerreira e nem Princesa" por A. H.]


No final das contas, somos intituladas disso e daquilo, mas não aliviam o nosso fardo. Não percebem, que não queremos sair por aí matando leões e nem dando "tchauzinho de miss", queremos apenas e tão somente, o respeito e a visibilidade pelo fato de sermos Mulheres.


"Dias Mulheres virão!"



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CRÔNICAS DA SUSTÂNCIA - HISTÓRIAS DE MINHA MÃE: a curva da Velha Beta... Por Rosangela Marquezi

CRÔNICAS DA SUSTÂNCIA /05   HISTÓRIAS DE MINHA MÃE: A CURVA DA VELHA BETA Rosangela Marquezi Minha mãe... Que ainda brinca! Fonte: Arquivo p...