RISCOS FEMININOS|01
P A R A F A L A R D E N Ó S
Por Cristiane de Mesquita Alves
Parece que há uma fenda, um buraco negro talvez – se pensar ironicamente em Freud em relação a falar de nós – que possivelmente nascemos mulheres ou não nascemos mulheres, mas, que a identificação com o corpo fêmeo fez com que Beauvoir (2009) escrevesse uma das pautas mais importantes dos estudos feministas, ao afirmar que não nascemos mulheres, tornamo-nos mulheres.
Na
esteira dessa filosofia, formou-se uma busca incessante para nós que buscamos,
lutamos, insistimos, resistimos ao longo dos séculos de lutas pelas ondas do
feminismo, ocupar um lugar nos âmbitos sociais onde pudéssemos expor nosso
pensamento, nosso lugar de fala a partir de nós mesmas, cansadas de não nos
vermos do jeito que somos refletidas pelo pensamento patriarcal que nos
esculpiu com a insígnia do objeto, que categorizou a mulher na condição de inferiorização,
colocando-a na subalternidade social e ratificando tal posição a cada sociedade
que foi se organizando, adaptando, desenvolvendo no percurso da História.
Se
passarmos rapidamente pela História a construção da identidade feminina forjada
pelo patriarcalismo foi moldada na ideia de subserviência (para não discutirmos
os conceitos de servidão e escravidão por enquanto) destinada a servir o
homem, desde a organização da sociedade
dos povos não-nômades, passando pela Antiguidade Clássica, Cristianismo (estão aí
as narrativas bíblicas que servem até hoje como muitos exemplos para aquelas
que ainda não compreenderam o papel social da mulher), perpassando pela
formação do pensamento ocidental da dita era renascentista, iluminista, moderna
e vamos recorrer ao momento pós-moderno, considerando a cronologia de Danto
(2006), o qual conceitua a pós-modernidade como um estilo artístico a partir de
1960. Segundo Danto o “moderno passou a parecer cada vez mais um estilo que
floresceu de aproximadamente 1880 até 1960 a partir de então, tem-se o que se
denomina pós-modernidade.” (Danto, 2006, p. 13).
Na
Literatura, que é nosso lugar de fala, não podemos esquecer o movimento do Romantismo
da primeira metade do século 19, que a meu ver representou, grosso modo, um
fôlego, para a escrita feminina, um fôlego, não a liberdade de
expressão que continuava para a mulher - uma balela. O slogan Liberdade,
igualdade e fraternidade para a autoria feminina que usou a Literatura para
demonstrar suas ideias, suas experiências, seus sentimentos, sua visão de
mundo, ainda continuou no plano de uma idealização romântica, quando não muito
– uma utopia – se olharmos do ponto de vista da palavra igualdade, que já na
segunda década do século 21, não mudou muita coisa.
Por outro
lado, a Literatura, a Arte, o pensamento científico, quando não o próprio
religioso[1], foi responsável por
provocar nas mulheres a busca por sua própria imagem social a partir dela mesma.
Por este motivo, a produção litero-artística serve como um quadro social do
pensamento feminino de uma determinada época em que cada uma dessas grandes
mulheres viveu.
Nesse
contexto, quando a multiartista e produtora cultural Marta Cortezão lançou um
convite para que eu assim como as demais mulheres que assinam uma coluna nesse Feminário
Conexão, eu pensei em riscar pequenas considerações sobre o universo das
feminilidades, femininidades, as questões que nos provocam a pesquisar, a
entender, a buscar o que nós mesmas somos. Eu uso o nós para se referir bem ao
gosto da premissa do tornar-se mulher de Beauvoir (2009) mesmo! Do
autoidentificar-se como mulher, do se ver mulher, do sentir mulher, do pensar
mulher... e aqui – eu me coloco como mulher cis, abraçando minhas souer
lésbicas, binárias, trans... toda aquela que se vestiu com o manto feminino e
feminista sobre o seu corpo.
O título
da coluna Riscos femininos dialoga com o meu primeiro livro solo de
poesias Riscos de mulher ... e eu costumo explorar bastante o sentido
ambíguo da palavra “risco” bem pontuado pela professora e pesquisadora de
estudos feministas Joyce Amorim (2021), prefaciadora do meu livro. Risco por
alertar, denunciar o risco que temos e vivemos diariamente por ter vindo do
ventre como mulher - que ainda não encontrou o respeito devido, a equidade e o
direito à vida no mundo em que o falocentrismo impera. Outro sentido, risco
– o ato cotidiano para se referir à escrita, pois, uma de minhas filosofias de
vida é escrever para falar de nós. Escrever para valer os sacrifícios das que
vieram antes de mim e deixar registrado pela escrita – em especial - a
literária de todas aquelas que lutaram para que eu tivesse nesse momento a
oportunidade de escrever e expor o que penso, bem como as que me leem têm o
direito de saber um pouco a respeito do que essa mulher faz para contribuir e
somar com as nossas lutas feministas diárias.
Nessas
palavras introdutórias, risco algumas inquietações de mulher que vivo e
pesquiso e apresento-me como mais uma colaboradora desse espaço de construções
poéticas e reflexões sobre o feminismo e feminino procurando desmistificar a
cultura a respeito do patriarcado criado para a mulher e valorizar a divulgação
das ideias pensadas pelas mulheres no que tange a suas narrativas de vida.
Referências
AMORIM, Joyce Cristina Farias de. Prefácio. In: ALVES, Cristiane de Mesquita. Riscos de mulher. 1ª ed. São Paulo: Editora Todas as Musas, 2021.
BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo. Trad. Sérgio Milliet. 2ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009.
DANTO, Arthur C. Após o fim da arte. A arte contemporânea e
os limites da História.
Tradução de Saulo Krieger. São Paulo: Odysseus Editora, 2006.
[1] Um exemplo disso pode ser a escritora mexicana que viveu entre os anos de 1648 1695 Sóror Juana Inés de la Cruz. Dramaturga, filósofa e freira que revolucionou o pensamento crítico em uma época histórica que a Igreja Católica ainda se mantinha no poder e controle para ditar e regrar os costumes e valores sociais.
Pertinente reflexão! Necessário se faz refletir cotidianamente sobre o SER MULHER. Parabéns Cris Mesquita!
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