DIVULGA E PROMOVE A LITERATURA CONTEMPORÂNEA DE AUTORIA FEMININA DO/NO CIBERESPAÇO.
domingo, 21 de maio de 2023
LIÇÕES DE SILÊNCIO: A MAIOR AVENTURA TERRESTRE - Por Rita Alencar Clark
sexta-feira, 19 de maio de 2023
UMA CARTOGRAFIA DA ESCRITA DE MULHERES: ENTREVISTA COM ANA ELISA RIBEIRO, POR GABRIELA LAGES VELOSO
UMA CARTOGRAFIA DA ESCRITA DE MULHERES |06
ENTREVISTA COM ANA ELISA RIBEIRO
Conforme a ativista Malala Yousafzai, "quando o mundo todo está silencioso, até uma voz se torna poderosa”. Diante disso, a literatura é uma importante arma de combate contra as desigualdades de gênero, ao dar voz e poder às mulheres. Na intenção de mapear as margens e abrir espaço para as novas vozes sociais, nossa coluna intitulada Uma Cartografia da Escrita de Mulheres tem como principal objetivo promover a valorização de escritoras contemporâneas, através de entrevistas. Hoje, temos a honra de receber Ana Elisa Ribeiro, uma importante escritora para a literatura brasileira atual, ganhadora do Prêmio Jabuti (2022).
ENTREVISTA COM ANA ELISA RIBEIRO:
Arquivo pessoal da autora |
Ana Elisa Ribeiro é mineira de Belo Horizonte, nascida em 1975. É bacharel e licenciada em Letras pela UFMG, com mestrado e doutorado em Estudos Linguísticos. É professora titular do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais, o CEFET-MG, onde atua na formação no nível médio, em Letras e nos estudos de Edição há vários anos. É autora de livros de poesia, conto, crônica, infantis, juvenis e técnicos. Em 2022, celebrou os 25 anos de suas publicações em livros. Começou em 1997 com a coletânea de poemas Poesinha, publicada em uma coleção, isto é, os coletivos editores e publicadores sempre fizeram parte de sua vida. Em seguida, publicou Perversa, em 2002, pela editora Ciência do Acidente, uma das primeiras “independentes” brasileiras, em São Paulo. Daí em diante não parou mais. Foram nove livros de poesia, três de crônicas, um de contos breves, três infantis e três juvenis. Em alguns casos, as obras foram premiadas, como o poemário Álbum, de 2018, pela editora mineira Relicário, que antes obteve o prêmio nacional Manaus; o Dicionário de Imprecisões, de 2019, pela Impressões de Minas, finalista do Prêmio Jabuti em 2020. O infantil Pulga atrás da orelha foi duas vezes distribuído pelo Clube Leiturinha, além de estar em kits de prefeituras e no PNLD. Seu juvenil Romieta e Julieu (RHJ, 2021) ganhou o Prêmio Jabuti de 2022. A autora tem textos publicados em outras línguas, em revistas e coletâneas internacionais, impressas e eletrônicas. As publicações mais recentes são séries de poemas nas revistas Toró e Desvario. A produção infantojuvenil de Ana Elisa Ribeiro segue no PNLD e é reconhecida pela Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil. Enquanto isso, ela também é editora, dirigindo coleções de poesia e prosa. Na editora paulistana Peirópolis, por exemplo, ela ajuda a pôr de pé a Biblioteca Madrinha Lua, só com mulheres brasileiras contemporâneas. No selo Autêntica Contemporânea, ajuda a compor um catálogo de romances nacionais e traduzidos, de autoras e autores de várias partes do mundo. Seu título mais recente é o poemário Menos ainda, pela Impressões de Minas, lançado no final de 2022. Em 2023, sairão alguns livros para públicos diversos. Ana Elisa coordena, com duas colegas, o grupo de estudos Mulheres na Edição e é membro do GT A Mulher na Literatura, da ANPOLL.
Como você começou a escrever?
Comecei nas últimas folhas dos cadernos da escola. É nelas que me lembro de ensaiar uns poemas, umas rimas ruins, escrever recados para jamais serem lidos, desabafar, imitar autores admirados, copiar trechos de textos que eu admirava, escrever pequenas narrativas, depois arrancar, rasgar, jogar fora. Sentir uma vergonha, mas também um impulso de escrever mais. Não mostrava a ninguém, mas pode ser que, acidentalmente, na virada do ano letivo, alguém tenha lido alguma coisa desses cadernos velhos. Depois passei a escrever em folhas soltas, numa máquina de datilografar que peguei emprestada do meu pai. Aí já era uma vontade de ver os textos impressos, mudou a chave. Escrever passou a ter um vetor: publicar. Da máquina dele passei a outra, e dela ao computador. Acho que também usei agendas para escrever, como se fossem diários, ou quase.
Em 2022, você celebrou os seus 25 anos de publicações em livros. Qual é o significado desse marco para sua carreira literária?
Até hoje tenho dúvidas se tenho uma carreira. É que a autoexigência faz aparecerem umas frustrações, os tamanhos das coisas ainda são frouxos dentro dos moldes dos planos e dos sonhos. Mas às vezes eu caio em mim e acho que, sim, é uma carreira, inclusive persistente. São 25 anos. O problema é confrontar o que a gente quer e o que realmente acontece. Quando me dei conta dos 25 anos de publicações em livros (1997-2022), achei que devia dizer algo, fazer um livro, pensar nisso. É bom, mas também é para se refletir. Perguntas duras como: o que eu fiz da minha vida até aqui? Insisto muito, me defronto com muitas coisas incontroláveis e incontornáveis. Não tem a ver com esforço, tempo de estrada, quantidade de livros, nada. Isso era ilusão de 25 anos atrás. E muito do que nunca aconteceu não é atestado de incompetência. Tem relação com outras tantas coisas que independem da minha escrita. Talvez dependam mais das relações sociais que não tenho, da marcação geográfica de tudo, da má distribuição de recursos e valores etc. O que celebrei foi a existência dos meus livros e a minha coragem ainda vigorosa. O livro que lancei por isso, o Menos ainda, é a celebração de uma carreira literária oclusa, mas com uma ironia elegante.
Por que você escreve?
Porque eu gosto. Acho gostoso e me dá certa sensação de alívio.
Quais escritoras(es) te inspiram?
Já mencionei escritores que fizeram parte da minha formação e volto a falar neles, porque foi isso que aconteceu mesmo: Paulo Leminski, Manuel Bandeira, João Cabral de Melo Neto, Graciliano Ramos, João Guimarães Rosa. Lamento que sejam só homens, até aí, mas só fui tomar consciência disso recentemente, quando a discussão sobre o ler mulheres gritou mais alto. Não sei quem me influencia hoje. Leio muita coisa, mas me sinto mais refratária na hora de escrever. De certo modo, levei anos, mas encontrei minha voz literária. Não sei mais com que ela se parece. Ou se é preciso se parecer com algo. Minha prosa é que vem sendo mais testada, nos últimos anos. Quando leio algo bom, ou melhor, algo que me agrada, sei dizer que aquilo é algo que me impressiona, me agrada, me admira, mas não chego a pensar que seja uma influência. Hoje, na poesia, por exemplo, me revolvo de delícia quando leio a portuguesa Adília Lopes. E queria que ela me jogasse umas luzes.
Conte-nos sobre o seu livro Álbum (2018), que obteve o prêmio nacional Manaus. Como foi o processo de escrita? Quais temáticas você aborda? Onde podemos adquiri-lo?
O Álbum nasceu de uma ideia mais projetada. Os livros de poemas anteriores eram coletâneas de textos escritos meio aleatoriamente. O Álbum nasceu da ideia fechada de responder ao álbum de fotografias que minha mãe faz para cada um dos quatro filhos. Então escrevi os poemas com um norte nítido. Nesse sentido, é meu primeiro livro-projeto, tinha uma espécie de planta baixa. De certo modo, isso dá uma coerência ao conjunto e os júris gostam. Não sou só eu que já notei esse aspecto. No Álbum as fotografias de família são o eixo. O resto vem a reboque: memória, afeto, ancestrais, morte, aborto, gravidez, amor, desamor. O livro está ativo no catálogo da excelente Relicário Edições, fácil pela web e também em algumas livrarias.
Comente sobre Dicionário de Imprecisões (2019), que foi finalista do Prêmio Jabuti (2020). Explique o título e suas implicações no sentido/proposta da obra, e onde podemos adquiri-la.
O Dicionário também tem essa característica do projeto. Meu filho me disse uma frase e eu tive o clique de pensar em um dicionário que imprecisasse as palavras. Um dicionário poético, sem compromisso com a verdade, declaradamente (porque nenhum tem mesmo). Não sou a primeira a ter essa ideia, mas num livro inteiro isso parece ter agradado a algumas pessoas. Em 2020, o júri de poesia do Jabuti indicou o livro entre os finalistas. Foi uma alegria compartilhada com a editora Impressões de Minas, com a qual tenho feito meus trabalhos poéticos mais recentes. Também é um livro ativo no catálogo da editora, pela web e em algumas livrarias.
E quanto ao seu livro Romieta e Julieu (2021), que ganhou o Prêmio Jabuti (2022)? Qual é o mote desse livro? Onde podemos adquiri-lo?
Engraçado que os livros juvenis geralmente são textos que pensei por muito tempo e demorei a executar. Eles vêm num ambiente de diversão. Rio enquanto escrevo. Geralmente são jatos, porque estavam sendo gestados há tempos. A editora é que me dá um empurrão: você tem algo aí na manga? E eu sempre tenho. O mote é a história clássica e muito popular de Romeu e Julieta, só que atravessada pelas tecnologias de hoje. O Jabuti em 2022 foi também uma alegria que compartilhei com a RHJ, que me edita há mais de uma década e sempre aposta nas minhas aventuras. Gosto muito do jeito como as coisas saem lá. O livro está ativo no site da editora, na web e em algumas livrarias também. Depois do prêmio, mais lugares se interessaram em ter a obra. E vem mais por aí.
Fale sobre as suas participações em concursos e prêmios literários, como, por exemplo, o Prêmio Jabuti (2022).
Não fui uma pessoa que entrou em muitos prêmios. Às vezes é trabalhoso e frustrante. Mas de vez em quando me animei e fui. No caso do Manaus, é um prêmio para inéditos, isto é, você precisa guardar absoluto segredo. É como outras premiações: Sesc, Paraná, Cepe etc. Já o Jabuti é um prêmio para obras publicadas. As editoras é que inscrevem os livros, ou você, se for autopublicado ou independente. É o caso também do Oceanos e de outros. Como jurada, estive em alguns prêmios, em prefeituras, no estado de Minas Gerais, no Sesc e mesmo no conselho do Jabuti, em ano anterior. É bom saber como isso funciona por dentro e ampliar a confiança na seriedade das coisas.
Mais do que escrever, é necessário fazer ecoar nossas vozes. Qual é a importância do ato de publicar, para você?
Publicar foi secundário na minha vida, mas já na adolescência eu comecei a pensar em pôr meus textos para circular. Nosso ambiente comunicacional e tecnológico era completamente outro. Até que fiz muito, num mundo analógico em que as pessoas pareciam muito mais distantes. Para se publicar é imprescindível conhecer gente. A Internet tornou todo mundo mais próximo, mas também criou um ambiente de burburinho muito maior. É mais difícil hoje, nesse sentido. Publicar é importante para que eu torne minha escrita algo profissional, intencionado. Não escrevo mais apenas para desabafar, como fazia na adolescência. Escrevo porque entendo que essa atividade seja parte da minha vida profissional. Tenho mais clareza de que quero ser lida e de que mereço alguns retornos pelos livros que conseguem circular.
Como convidada da nossa coluna Uma cartografia da escrita de mulheres, qual mensagem você deixa para a nova geração de escritoras?
Há muitas escritoras da minha geração que começaram a escrever agora. Há escritoras de gerações anteriores que estão na luta há muito mais tempo; há pessoas nesse esforço, como eu e algumas pessoas da minha faixa etária. Há jovens e recentes escritoras que atuam no mesmo espaço simbólico. É difícil dizer sobre gerações no sentido etário. As escritoras que estão no mundo comigo, tenham a idade que for, sentem coisas parecidas com o que eu sinto. Elas têm dúvidas, desejos, pretensões, ambições, frustrações etc. Hoje o mar está para sereias. Muitas mulheres escrevendo e publicando. Mais: tornando-se mais visíveis na paisagem literária. O que penso que pode ser interessante é evitar o deslumbramento, o alumbramento, até se esquecendo das colegas; para equilibrar isso, muitas são bastante conscientes do significado dessa tomada de posse do espaço – discursivo, mas também físico nas vitrines. Não sei bem o que dizer às minhas colegas. Elas raramente me perguntam algo, então só observo mesmo. O que eu penso é que precisamos arranjar um jeito nosso de fazer bem as coisas.
Contatos da escritora:
Instagram: @anadigital
E-mail: anadigital@gmail.com
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sexta-feira, 31 de março de 2023
LIÇÕES DE SILÊNCIO: HÁ TANTO O QUE SE FALAR
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HÁ TANTO O QUE SE FALAR
Ontem, não posso dizer que fui surpreendida, ao abrir as redes sociais a primeira notícia que vi foi da moça no transporte público, indignada, com o celular do abusador na mão, gritando e denunciando o criminoso ao seu lado, o qual se mantinha impassível, como se não fosse com ele, assim como os outros homens, todos testemunhas oculares do (hoje) crime de Importunação Sexual, previsto pelo Código Penal Brasileiro e reforçado pela Lei No. 13.718/2018, com pena de um a cinco anos de prisão.
Revoltou-me, mais ainda, o fato de nenhum, NENHUM homem que estava no mesmo veículo, mesmo com provas explícitas, não se indignarem, não se manifestarem, pareciam estátuas de sal, impassíveis diante da “normalidade” do caso, afinal, isso é corriqueiro, diário, faz parte da cena urbana, do caos da vida cotidiana… pra eles né?! só pode!
Tanto tempo caladas, assustadas, acuadas, passando todos os constrangimentos e importunações, parece que nos acostumamos a “costurar” a boca, engolir o choro e a raiva, seguir em frente. Minha mãe , de certo, passou por isso ou coisa pior, nossas tias, primas, amigas, conhecidas, vizinhas…mas todas caladas. Tem um momento que calar não faz mais sentido, a mudez corrobora com futuras agressões, nossas filhas, netas não merecem receber de nós o legado da covardia, que espécie de mulheres somos que “passa pano” para abusador, confortável em sua condição de macho predador?! Não me calo. Chega. Estou farta. Tenho medo? Diariamente. Minhas filhas estão no mundo, vivendo suas vidas com dignidade, alvos, portanto, de todo tipo de importunação. Rezo, fervorosamente, rezo para que passem ao largo desses traumas.
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Uma vez, nunca pude esquecer, quando criança, devia ter por volta de 8/9 anos estava com minha mãe numa daquelas lojas de material escolar, no Rio de Janeiro, as aulas estavam quase começando e pais e mães se amontoavam para comprar os itens da lista em promoções. Lembro bem, centro da cidade, Casa Mattos, quase 6 horas da tarde, um empurra-empurra, gritaria, criança chorando, o caos total. Imprensada entre minha mãe e uma senhora, eu estava imóvel. Senti uma espécie de “lambida” no meu braço, mas como disse , não podia me mexer. Num esforço, puxei o braço com força, dei um grito, mas não fui ouvida, todos gritavam. Olhei para trás e vi o homem fechando o zíper apressado, empurrando as senhoras. Apertei a mão de minha mãe o máximo que pude e fiquei em estado de choque olhando aquele líquido viscoso escorrer pelo meu braço inocente de criança, sem ao menos saber o que era. Não pude falar, não pude gritar, senti uma estranha vergonha, puxei a mão de minha mãe mais uma vez e tive engulhos. Ela me levou para fora da loja e botei para fora, ali mesmo, junto com o vômito, o nojo, a angústia, a revolta e a desproteção do mundo. Tudo que queria era chegar em casa e tomar um banho, que lavasse tudo, meu corpo, minha alma, minha memória.
Quando vi a reportagem da moça no ônibus, esse mesmo engulho voltou ao meu estômago, só que dessa vez não calarei, minha mãe, guerreira que foi, a poupei de saber desse evento, mas minhas filhas não, pois esse jogo de caça e caçador não prescreveu ainda. Elas precisam estar atentas, prevenidas, fortes e prontas para lidar com os abusos até que o mundo mude. Até lá, restam-me as palavras.
Fiz este poema alguns dias atrás, não o publiquei ainda, talvez esperasse pela ocasião, talvez esperasse pelo mote. Ele veio: pela moça corajosa do ônibus, pela criança violada que fui, pelas mães acuadas, impotentes.
HÁ TANTO O QUE SE FALAR
Há tanto o que se falar de sombras
Há tanto o que dizer e nos calam
Nossos corpos, um dia de menina,
Tanto sangraram, vazaram, reclusos nos
Pântanos da alma, feridas tantas de tempos
Passados, somam distâncias no peito oco
Entre o que somos hoje e um dia fomos.
Carregam nas mãos, sujas, inocência
E medo, alisando em mácula nódoa
A pura hipocrisia, roçam, importunam,
Desdenham e ferem. Viris. Impunes.
Flanam em festas, em bares, em becos
Buscam prazer em líquidas doses
Para amaciar, das moças, as resistências.
Um cheiro de nojo que sobe e engulha
Rasga a carne, que nos habita e veste,
Subindo a saia sem consentimento ou pudor.
Sempre assim, por baixo dos panos, estamos sós.
Olhos que fingem não ver o que está exposto
Para depois, quando tudo se consumar, negar.
Não, não foi a saia, não foi o corpo, foi a violência!
Milênios de violação, abusos e sequestros
Transformam meninas em mulheres amputadas
Sobreviventes de um destino não traçado, cruel.
Aprisionadas por dentro, temendo expor a fêmea
Sedenta, que sempre foi, temendo seu próprio corpo
E desejo, por fim, exausta, sucumbe à invisibilidade.
Há tanto o que ser (re)visto sob o sol dos dias
Há tanto o que ser falado dessas dores e noites
Que, quando nos levantarmos todas, isso é certo,
Nossa voz explodirá numa aurora nuclear irrefreável.
Indomável.
Rita Alencar Clark
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quarta-feira, 22 de março de 2023
MOSAICO DE IDEIAS: UM TANGO PARA EULÁLIA, POR SANDRA SA'NTOS
[Imagem Pinterest] |
MOSAICO DE IDEIAS - SEMEANDO PALAVRAS E COLHENDO BORBOLETAS
U M T A N G O P A R A E U L Á L I A
POR SANDRA SA'NTOS
Pela música que invade nossas almas, por um sonho, pela dança, pela poesia, e principalmente pela nossa liberdade. Dancemos com Eulália.
O hotel em que estavam hospedados era antigo, chique e pretensamente “Cult”. Tão refinado quanto ultrapassado, lindo mesmo assim. Eulália estava com Jairo em Buenos Ayres para algo que ela considerava uma espécie de lua de mel.
Para ela que crescera em uma família humilde, tudo era novo e deslumbrante. A cidade era especial, as pessoas que passavam pelas ruas combinavam tanto com o cenário que pareciam colocadas ali, apenas para enriquecê-lo. Figurantes escolhidos cautelosamente em um set de filmagem. Mas, apesar da beleza do ambiente, e de toda a preparação para essa viagem, ela tinha uma terrível sensação de estar no lugar errado.
Apaixonara-se
loucamente por Jairo, um argentino bonito e alguns anos mais velho, responsável
pela reviravolta em sua vida. Uma paixão incontrolável os envolvera, e há pouco haviam
se assumido como casal pois, até então, eram amantes acostumados com a clandestinidade.
Talvez, por isso a incômoda sensação de não merecer estar bem a inundava. Tentava
bravamente afastar os pensamentos conflitantes que lhe povoavam a mente,
acreditando que a aura de criminalidade, ficaria para trás. Depois de tudo o
que enfrentaram para ficar juntos, seria natural sentir-se em paz na companhia
dele, porém, pelo contrário a sensação de alegria insistia em se afastar.
-
Talvez seja apenas uma questão de tempo. É tudo muito recente. – Pensava
consigo mesma.
Jairo
de todas as formas possíveis, fazia com que ela se sentisse amada. Mas, agora ali
longe de casa, a única coisa que ela sentia era medo e insegurança, além de uma
latente intuição lhe tirava a tranquilidade. O homem por quem se apaixonara, em
alguns momentos, parecia-lhe um estranho, e Eulalia via pequenos sinais que a
incomodavam em suas atitudes. Algo não estava certo.
-
Será que nos precipitamos? Será que eu me precipitei? – Inconformada com
a sensação, estava decidida a fazer o que fosse possível para sentir-se mais
calma, afastando como podia os pensamentos para longe.
Saíra
de um relacionamento regado a solidão e precisava da atenção que Jairo lhe
dava. Mas, havia um “mas” pairando como uma névoa sobre sua cabeça. Tudo se
parecia demais com uma mentira. Um lado de sua mente, já havia decretado que
tudo não passava de uma grande mentira que agora, ela teria que conviver. Assim,
forçava-se a ficar imune aos alertas de sua intuição.
-
Como posso não me sentir feliz na companhia dele? Agora que já estou aqui preciso relaxar e
aproveitar todos os momentos – Concluiu, ensaiando uma mudança de postura.
Haviam
passeado de mãos dadas pela primeira vez sem incomodarem-se com as pessoas ao
redor. Agora assumidos, poderiam fazer coisas de gente normal, livres como
nunca se permitiram antes. Almoçaram em um restaurante maravilhoso, foram as
compras e tudo parecia perfeito. Desde que chegaram ela sentira-se extremamente
bem recebida em todos os lugares que passaram, Eulália sentia-se quase uma
conterrânea, na verdade, seu biotipo realmente fazia com que ela parecesse
muito com uma filha da terra. Mesmo assim, para ela, algo estava fora do lugar.
Naquela
noite, Jairo havia prometido levá-la para conhecer a noite portenha e seus
encantos, Buenos Ayres e sua famosa boemia. Eulália tinha um lado que apreciava
a beleza das noites e sentia uma curiosidade romântica acerca dos seres que
vagam solitários de bar em bar.
Em
sua ingenuidade, acreditava que todos os boêmios eram artistas, compositores ou
músicos. Nem de longe, se permitiria imaginar criaturas tristes e solitárias
vagando sem rumo, objetivos ou sem esperança. Para ela, Jairo meio que
retratava essa fantasia, o via como um lindo boêmio, e essa noite prometia. Tango,
vinho, boas risadas e muito romance.
Olhando-se
no espelho ordenou a si mesma para que fosse feliz. Decida a mudar sua postura,
preparou a banheira e deleitou-se com um longo banho, chegando mesmo a
adormecer naquela água perfumada e cheia de espuma, enquanto Jairo participava
de mais uma reunião de negócios com os produtores de uva. Precisavam encaminhar
detalhes da próxima safra, e sua rotina fazia com que se dividisse entre a
Argentina e outros países, incluindo o Brasil.
Maquiou-se,
e vestiu sua roupa especial, um belíssimo vestido que Jairo lhe dera
especialmente para a ocasião. Um tomara que caia, em tafetá preto, que parecia
ter sido feito sob medida, lindo e tão caro quanto seu salário de um mês. Já
vestida, parou para admirar-se no espelho, tudo estava perfeito. Mesmo assim, sentiu-se
estranha. Ela nunca gastaria tanto dinheiro em uma peça de roupa.
-
Talvez deva me acostumar com esse tipo de luxo. – Concluiu terminando a
maquiagem e aprovando sua imagem. Estava pronta para a tão esperada noite de
tango, mas ali em frente ao espelho apesar de toda a produção, o que viu foi um
par de olhos tristes.
-
Acho que vou colocar mais rímel, um pouco mais de blush e talvez disfarce.
– Foi o que fez.
Eulalia ainda ouvia os insultos e sentia os
olhares de desaprovação quando a notícia de seu divórcio se fez conhecida. Fora
julgada e condenada por amigos e familiares, enfim, todos os que não se deram
ao trabalho de perguntar o porquê. Preferiram fingir não saber o que é possível
se viver ou morrer entre quatro paredes. Houve uma espécie de escolha e na caça
às bruxas, as mulheres sempre perdem.
-
Santa hipocrisia, eu me separo pra viver minha vida com mais dignidade e sou
tratada como uma puta. Elas preferem manter as aparências? Então tudo bem, não
sei se perdoo, mas com certeza eu supero. A escolha foi sua. Você buscou a
liberdade e conseguiu. Agora, bora ser feliz dona Eulália! É uma ordem!!! - Falou
em voz alta, certificando-se que a mulher de olhar triste que via refletida no
espelho entenderia o recado. Deu uma última ajeitada nos cabelos, e saiu do
banheiro.
Jairo
já a esperava sentado confortavelmente em uma bela poltrona estilo retrô. Ao
vê-la abriu seu enorme sorriso cheio de dentes, pulou em sua direção envolvendo-a
nos braços. Ela, uma mulher pequena, ficava completamente escondida no enorme corpo
de Jairo e aquele abraço, aquele carinho, aquela demonstração de conforto eram
para ela a representação de um excelente momento pro relógio quebrar, e o tempo
parar de andar. Um lapso de momento em que Eulália acalmou-se.
-
Meu Deus como está linda! Me deixa ver como ficou nesse vestido, minha nossa!
Eu sou muito sortudo, o homem mais sortudo de toda Buenos Ayres. - Exclamou
Jairo enquanto a girava imitando um passo de dança. Findo o rodopio, olhou-a
nos olhos e a beijou com a ternura e a potência que lhe eram características.
Seu amor era uma bomba de sensações controversas e irresistíveis. Era um homem
bonito com uma figura altiva, de gestos cautelosos e postura de leão. Trajava um terno caro e bem cortado, que na
verdade era a forma que usualmente se vestia.
-
Vamos bela senhora Blanco? Senhora Eulália Blanco! Fica chic não acha? - Disse-lhe
dando-lhe o braço, e empregando seu próprio sobrenome a ela.
-
Senhor Jairo Blanco! Devo pressupor que isso seja um pedido de casamento? - Completou
Eulália rindo.
-
Vamos bela senhora, a noite nos espera. – Continuou sem responder sua pergunta. Sorrindo e rodopiando sobre si mesmo, ensaiou pequemos passos de dança enquanto
atravessavam o corredor de seu quarto de hotel.
Na
verdade, casamento não havia passado na cabeça de Eulália. Durante o curto
período em que estavam juntos, apesar do envolvimento avassalador, se viam
pouco e Eulália tinha consciência quanto a diferença de idade, e de vida entre
os dois. Não haviam conversado sobre essa possibilidade, na verdade nem sequer
haviam viajado juntos antes. Ela se envolvera com um homem que trabalhava muito
e adorava seu trabalho, haviam se conhecido em uma convenção já que Eulália era
secretária em uma empresa de eventos.
No
elevador, Eulália assistiu confusa Jairo sacar o celular para checar se tudo
estava encaminhado no que se referia aos convites e reservas dos convidados
daquela noite.
-
Convidados, que convidados? Deus do céu, quantas pessoas estarão lá? -
Perguntou a si mesma indignada, pois naquele mesmo dia ele havia trabalhado. Imaginou que a noite fosse só deles. Tudo o que desejava era uma
noite de romance, como ele a havia feito acreditar que seria.
Algo
desabava a sua frente escancarando o que esse talvez viesse a ser a sua vida
com ele, escancarando talvez o motivo de suas incertezas. Talvez nunca
conseguisse ser importante o suficiente para ele, talvez não seria como agora,
sequer consultada sobre algo que também a envolveria. Talvez, os negócios estivessem
sempre entre os dois.
Uma
nuvem de medo surgiu em seus olhos e quebrou seu espírito. Eulália não gostava
de conflitos, e já apreensiva, questionava-se se deveria ou não externar sua
indignação e desconforto. Preferiu calar-se, e engolindo as palavras continuou
apenas observando enquanto Jairo falava, gesticulava e coordenava a tudo com
desenvoltura. Seus olhos encheram-se de lágrimas e ela os baixou para que ele
não percebesse. Mais uma vez, fez o que sempre fizera, calou-se como havia se calado
a vida inteira.
-
Que porra é essa? Não era um jantar romântico? Por que não conversou comigo
antes? Por que não me avisou? – Bradou internamente sem nada dizer. A
insegurança que ela ensaiara dar fim enquanto se arrumava, havia voltado e ele
sequer percebeu. Eulália ainda não sabia, mas Jairo não conseguia ver muito
além de si próprio.
O carro já havia andado alguns quilômetros
quando enfim, a ligação terminou. O motorista, funcionário de confiança de
Jairo, apenas a cumprimentou evitando olhar para ela durante todo o trajeto. Para
Eulália isso foi um alívio, pois afastou o constrangimento de sua visível
decepção. O destino era relativamente próximo do hotel, e a essa altura, seja
lá quem o havia escolhido, fizera um bom trabalho. “La Noche”, um pequeno bar,
no charmoso bairro de San Telmo.
Com
móveis de madeira escura torneada, piso de ladrilhos brancos e pretos
alternados. Lindo, tão lindo que parecia ser parte de outra época. Sentiu-se
entrando em um túnel do tempo, num cenário perfeito, da música aos garçons, das
pessoas aos cheiros que inundavam o ambiente que ostentava um refinamento único
e genuíno.
Estava
encantada e considerou deixar-se levar pelo clima da noite portenha. Talvez não
fosse assim tão difícil transformar aquela em uma noite inesquecível. Ela precisava
desesperadamente sentir-se viva e havia entrado em um mundo de sonho. Estava
deslumbrada.
Como
pôde, sorriu e foi simpática com os convidados de Jairo, mesmo que para ela fossem
apenas estranhos falando uma língua estranha, e que provavelmente só teriam assuntos
que não lhe interessariam. Após algum tempo, abstraiu-se das conversas e
desistiu mostrar-se presente na situação. Desistiu das delicadezas ensaiadas e
da ausência de Jairo que se ocupou a agradar os presentes. Eulália distinguia sua
voz ao longe, já que ele havia se sentado do outro lado da mesa para conversar.
-
Está tão animado e profícuo. Ou será prolixo? Essas conversas são
sempre mais do mesmo e eu não vim aqui para trabalhar. Como ele pode fazer isso
nessa noite? - Riu do próprio trocadilho.
Distraiu-se
analisando tanto Jairo quanto o seu interlocutor, um senhor mais velho que
prestava uma atenção sobre-humana nas palavras em suas palavras.
–
Acho que o homem não colocou direito a peruca. Sim, acho que ele usa peruca.
- Cerrou os olhos prestando atenção aos detalhes que pudessem lhe entregar a
verdade sobre o caso.
-
É, eu estou certa. Aquela quantidade de cabelo sobre sua cabeça não combina
nem com seu rosto, nem com os ralos cabelos nas laterais, e a cor é diferente.
– Concluiu que a partir de então, seria um ótimo passatempo encontrar defeitos
em todos que estavam estragando a sua noite, pelo menos assim, ficaria com uma
expressão risonha o que daria a impressão de estar satisfeita.
Foi
o que fez com o auxílio do garçom um tanto empolgado com a moça que parecia
deslocada. O rapaz, decidira manter sua taça cheia, num bom pretexto para estar por perto
numa espécie de flerte proibido. Ela por sua vez, entregou-se inteira as
delícias do líquido sagrado.
A
imagem de Jairo, aos poucos, desapareceu na fumaça dos cigarros, no som da
música, e na leseira daquele bom vinho. Ele tornou-se apenas mais um no meio de
tantas pessoas e Eulalia já não estava mais com eles. Estava sozinha como nos
longos anos de seu casamento. Estava em um lugar repleto de gente, mas sozinha.
Como
não entendia muito bem o idioma, decidiu colocar mentalmente uma legenda nas palavras
que jorravam das bocas das pessoas fazendo com que a dificuldade de comunicação,
passasse então a diverti-la. Agora a língua que eles falavam já nem era mais
tão estrangeira assim.
A
liberdade etílica, que captura facilmente aqueles não acostumados ao álcool,
fez com que ela se sentisse à vontade consigo mesma. Deixou-se levar pela
vibração do ambiente e assistiu extasiada à apresentação musical de três
senhores que tocavam acordes perfeitos em instrumentos que ela nem conhecia. Teve
a impressão de que o restante dos músicos talvez, estivesse escondido, como era
possível, apenas três senhores, só três, inundarem todo o salão com tamanha magia?
A harmonia daquelas figuras já idosas, se encaixava perfeitamente ao cenário, e
Eulália divagava alternando-se entre o real e a fantasia trazida por Baco.
-
Talvez tenham nascido aqui, têm a mesma idade do bar. Acho que bebi demais.
- Percebendo o absurdo que pensara, decidiu que era hora de comer alguma
coisa, tomar um copo de água, e andar um pouco. Precisava se recuperar antes que
alguém notasse sua embriaguez. Levantou-se com calma e dirigiu-se ao banheiro.
Nem
se deu ao trabalho de comunicar a Jairo. Cuidou em andar de forma leve e cautelosa
para que ninguém percebesse que estava “alta”. Lavou o rosto, retocou a
maquiagem, e sentindo-se melhor resolveu retornar à sua mesa. No caminho de
volta, distraiu-se com os homens e mulheres bem vestidos, e com a alegria que
pairava no ar, sem dúvida era o ambiente perfeito para casais apaixonados.
Voltou
a passos lentos, ciente de que havia demorado mais que o normal, mas agora
sentia-se bem. Constatou que Jairo que trocara de interlocutor, ainda não
voltara para a cadeira ao seu lado, talvez nem tivesse dado por sua falta. Estava
contrariada e decidida a não estragar ainda mais a sua noite quando o anúncio
da apresentação principal lhe atraiu a atenção.
-
Tango! – Exclamou batendo palmas entusiasmada. Ajustou-se rapidamente na
cadeira no mesmo momento em que o prestativo garçom, lhe oferecia mais uma taça
de vinho que ela mais que prontamente, aceitou. Assistiu à apresentação
hipnotizada, pondo-se a calcular o nível de harmonia e entrosamento que um
casal de profissionais da dança deve possuir para realizar com tamanha
desenvoltura aqueles passos intricados.
-
Se o sexo fosse uma música, definitivamente seria o tango. – Concluiu acompanhando
com atenção cada movimento. Mentalmente bailou com eles chegando a inferir se
fora do palco, também seriam um par. Invejou a dança e invejou aquela moça que
rodopiava leve nos braços de seu parceiro. Gostaria de trocar de lugar com ela.
Sem
que Eulália soubesse, era praxe ao fim da apresentação que os dançarinos
escolhessem pessoas entre o público para dançar, como se fosse uma aula. Entusiasmada
acompanhou atentamente toda a movimentação. A moça, após andar um pouco, convidou
um senhor grisalho e tímido de uma mesa no lado oposto do salão. O rapaz sem
nenhuma hesitação, assim que se separou da parceira, buscou por Eulália e a olhou
fixamente. Caminhou em sua direção com a determinação de quem sabia muito bem o
que queria. Queria Eulália. Parou em sua frente, sorriu e estendeu-lhe a mão.
Com
o coração acelerado, mais que depressa ela aceitou o convite e saíram de mãos
dadas rumo a pista de danças. Já no meio do salão lembrou-se de Jairo, dirigiu
seu olhar a ele procurando talvez, um sinal de aprovação que não recebeu. Pelo
contrário, ele a observava com um misto de surpresa e raiva. Sua reação negativa
não a demoveu. Era visível que ele estava perplexo e que se pudesse dizer algo
naquele momento, com certeza a impediria. Eulália olhou a sua volta, e recebeu
a aprovação do bar inteiro por meio de palmas e palavras de incentivo, para ela
e para o senhor tímido que agora sorria. Era isso o que todas as mulheres
naquele bar queriam, e era isso o ela queria. Esqueceu-se de Jairo, e se entregou
ao tango como antes se entregara ao vinho.
Nos
braços daquele estranho fascinante se deixou conduzir como uma amante que flui nas
mãos de seu homem. Olhavam-se fixamente e ela agiu como se dançar lhe fosse
algo costumeiro, como se eles já houvessem ensaiado aquela dança muitas e
muitas vezes.
Há
uma aura que emana de um corpo para outro em uma fluidez simbiótica que vem com
a dança. Quando corpo e alma se misturam a uma melodia tornando-se parte dela de
tal maneira, que entre dois estranhos nasce uma cumplicidade que só existe no
compasso da música. Eles haviam entrado nesse universo.
Naquele
bar antigo nascia uma Eulália atemporal, sem medo de lançar-se ao desconhecido.
Deixou que todas as sensações pulsantes do momento, invadissem sua alma. Uma
Eulália que vivia aquela fantasia sem medo de ser feliz. Ela rodopiou nos
braços daquele homem, nos braços do tango e da poesia que faltava em sua vida. Esqueceu-se
da tristeza e do medo. Ali não havia pecado, havia apenas a euforia da liberdade.
Não
havia passado. O presente era mágico. E quanto ao futuro?
Bem... Nesse ela pensaria depois.
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terça-feira, 14 de março de 2023
#8M: ECOFEMINISMO, URGENTE!, POR NELI GERMANO
[arquivo pessoal da autora] |
#8M: ECOFEMINISMO, URGENTE!
O sistema patriarcal foi construído de forma tão “sedimentada”, que nós mulheres também somos acometidas por ele. Por isso tem sido DIFÍCIL enfrentar esta FERIDA ABERTA, a violência contra as mulheres (no Mundo). Sendo redundante, de propósito, o patriarcado está nas religiões, na política (principalmente na extrema direita), nas instituições jurídicas e educacionais, na garrafa de cerveja, na ditadura dos corpos esculturais e sarados...
Mesmo entre nós feministas, nos percebemos consentir com diversos tipos de “abusos”, tal é a força do patriarcado.
[arquivo pessoal da autora] |
Ensinar os filhos homens a lavar a louça, a cama e a cozinhar é parte, mas muito pouco. Não estou aqui culpando as mães, verbo “essencial” do machismo, é necessário mais, mais diálogo sobre o assunto gênero. Há muita literatura sobre como educar meninas para serem feministas. Há muita literatura para EDUCAR meninos para que não sejam machistas.
Conquistamos muito, fomos
alfabetizadas, não usamos mais pseudônimos na literatura, trabalhamos fora de
casa, conquistamos o voto e o direito de “poder na política”, afinal “das
contas”, o capitalismo precisa de nossos braços e pernas, mas não respeita
nossos corpos.
[arquivo pessoal da autora] |
Nossas pioneiras Simone de Beauvoir, Maya Angelou e tantas outras, que nem sabiam sobre a “terminologia feminista”, fizeram muito para que chegássemos até aqui.
No entanto, o processo civilizatório continua, queremos mais, além de que preservem nossas “corpas”, parem de nós matar e aos nossos sonhos e utopias, precisamos pautar o respeito pelo Planeta. Ecofeminismo, urgente!
Neli Germano
Escritora
Porto Alegre, 8M2023.
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[arquivo pessoal da autora] |
sexta-feira, 10 de março de 2023
LIÇÕES DE SILÊNCIO: ADORÁVEIS MULHERES, POR RITA ALENCAR CLARK
ADORÁVEIS MULHERES
E nessa pegada, já me animei, eu adoro criar histórias na minha cabeça, nos lugares mais insólitos, crio situações imaginárias na minha cabeça ao ponto de rir sozinha do nada e travar diálogos criativos comigo mesma! Tenho até um conto publicado pelo Mulherio das Letras numa coletânea. Audiometria. Minha personagem está sendo levada para solucionar possíveis problemas de surdez. Tal o nível de alienação, mergulhada no seu mundo imaginário… muitas vezes, minha protagonista se depara com os olhos esbugalhados da mãe gritando seu nome! Coisa de criança poeta! “Ah, dona, isso é coisa de gente artista, tenho um primo assim!”, diz o outro personagem , o motorista de táxi, à mãe.
Hoje, desenvolvi até uma técnica para estar, e não estar "presente", por exemplo, numa conversa chatíssima, contudo educada que sou, não interrompo, geralmente quando ouço boçalidades, escárnios machistas e/ou sexistas… é assim, eu faço uma cara simpática e cordial, respeitosa e travo contato visual, a nível íris do olho, contato feito, das duas uma, ou a criatura se perde na piada ou infâmia, ou vomita desastrosamente a narrativa, diante do meu rosto impassível. Acham-me calma, ponderada, educada de certo, quando na verdade estou em uma outra dimensão de espaço/tempo. O mote para voltar à realidade, são dois, previamente combinado com meu cérebro: o silêncio ao redor e o meu nome! Nesse retornar, acontece uma manifestação corporal involuntária: os ombros caem para frente, os joelhos dobram-se ligeiramente e as pálpebras caem, desmoronam sobre o esforço de manter o sorriso. Fico a cara da madrasta da Branca de Neve, sabe? Um horror… e saio me arrastando, imaginando as melhores respostas e caretas de indignação e desprezo! Por fora, uma lady. Meu ringue é outro, meu caro, na página em branco.
Rita Alencar Clark e Rachel de Queiroz/1992 |
Uma certa vez, olha que história, aconteceu de eu ter que ir e acompanhar meu pai a um Fórum de Cultura em Brasília, devia ter uns 28/29 anos, mesas e mesas de debates, palestras, lançamentos de livros, enfim, a Disney dos escritores. Nos colocaram na mesa de Imortais, entre seus acompanhantes. Quando sou apresentada a Rachel de Queiroz, que dividiria a mesa conosco. Como assim?! Não fui preparada pra esse encontro…Só que eu disse isso em voz alta!… e ela puxou uma cadeira ao seu lado. Senta aqui meu bem…que sorriso, meu Deus! Linda, um luxo de ser humano, meus olhinhos brilhavam ao ouvi-la contando da nossa linhagem Cearense, da mesma cidade, Crato, que faz divisa com Exu, ela me ensinava, “Temos o sangue dos Alencar, melhor, dos “de Alencar”. Esse “de” nos diferencia de outras linhagens. Disse Rachel, convencendo-me a crer que somos parentes, "somos herdeiras de Bárbara de Alencar, a primeira mulher presa política no Brasil”. Nossa! "E de José de Alencar, minha mãe era prima do pai dele. Assim como o tio-avô do seu pai". Apresentações feitas, passamos a outro assunto mais agradável a ambas, receitas. Trocamos receitas, ai que delícia, ela me ensinou a fazer Ambrosia. Eu contei-lhe da Receita de “Caldeirada de Tucunaré ao Rio Negro” que fiz para Marina Colasanti e Affonso Romano de Sant'anna, quando fui anfitriã num passeio de barco patrocinado pelo Governo do Amazonas. Como assessora do Secretário de Cultura, tinha que fazer aquilo funcionar, de qualquer jeito. Tudo corria muito bem, todos a bordo, quando o marinheiro me comunica que o cozinheiro não viria e não traria a água mineral. Tem cerveja? Tem guaraná? Bora, eu faço essa caldeirada, tem tudo? ajudantes? tem sim, senhora! A caldeirada foi um sucesso total ! Marina repetiu, Ignácio de Loyola Brandão se fartou, os secretários de cultura, satisfeitos. Vou até a cozinha do barco, olhos arregalados me esperam: "então, dona Rita, eles gostaram? Desconfiaram de alguma coisa?" Gente, vocês não sabem, o que tive que fazer. Não tinha água mineral pra fazer a comida. Só isso. O quê? Fulano, pega água do rio, cadê as panelas? mas vai lá pra proa, não deixa te verem. Fervam essa água, fervam bastante! E subi, levando cervejas, guaranás e bolinhos de Tambaqui fritos com geleia de Cupuaçu. Para deleite de Rachel, que gargalhava gostoso, me pedindo os detalhes da receita. Como rimos! Ela queria investigar… eles nunca souberam que comeram caldeirada com água do Rio Negro? Não! Gargalhamos mais ainda! ...e ficamos nos olhando de mãos dadas.
Agora vão saber!
Por todas as nossas antepassadas, mães que pariram o mundo que vivemos hoje. Por elas, por mim, pelas minhas filhas, mantenho minha voz ativa, pronta, atenta. Como bem diz Adélia Prado : “...a uns, Deus quer doentes, a outros Ele quer escrevendo.”
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[arquivo pessoal da autora] |
Feminário Conexões, o blog que conecta você!
EDITAL ENLUARADAS II TOMO DAS BRUXAS
Clique na imagem e acesse o Edital II Tomo-2024 CHAMADA PARA O EDITAL ENLUARADAS II TOMO DAS BRUXAS: CORPO & MEMÓRIA O Coletivo Enluar...
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