LINGUAGEM DO BATOM VERMELHO|02
Por Carollina Costa
É comum que, ao crescer, todos escutemos pessoas de todos os lados dizendo o que devemos fazer, ser, vestir, comer, dizer... No geral, isso tudo um dia passa e se ganha liberdade para viver a vida com sua própria graça, mas para a mulher é diferente. Algumas têm a sorte de alcançar essa liberdade normalmente, mas muitas outras somam os dizeres da casa com os da sociedade e se mantém reféns de opiniões, objeções, gostos e desejos alheios, a ponto de sequer saberem se algum dia tiveram algum desejo, alguma ambição qualquer. No meu conto "Casinha", narro a história de uma menina que segue para a vida adulta emaranhada nas histórias dos outros e no fim, ao esvaziar-se de tudo, se preenche de si mesma.
C A S I N H A
Havia uma
menina. Uma menina que foi ensinada a querer, a viver, a agir, a ser.
Ela queria o
que queriam para ela, sonhava os sonhos sonhados para ela, era e se portava de
acordo com o que fora planejado para ela. Não que isso fosse bom ou ruim,
apenas era tudo o que ela conhecia. Até o sentimento de felicidade fora
planejado para ela. E ela o sentia como se fosse seu.
Até que um dia ela
acordou mulher e se viu numa casa a qual não pertencia, em um casamento que ela
não reconhecia e com um homem que, apesar de aparente semelhança, nada tinha a
ver com seu noivo da época —e não é como se tudo estivesse melhor. Precisava
pagar a dívida dos pais, já tinha netos que nunca vira —mas eram só bebês,
então perdoava-se— e, em um instante, ela reconheceu que ela não era ela.
Montada como um quebra-cabeças feito de peças que não se encaixam, ela era
aquela que acordava todos os dias para honrar o trabalho que não escolhera e a
vida que não viu se formar. Estava, sim, sobrevivendo, mas isso já não bastava.
Por até então
não saber que poderia ser diferente, ela fez logo o que devia: resolveu os
problemas que não eram dela, abandonou aqueles que eram seus, fez da angústia
sua melhor amiga e dos pássaros os seres que mais invejava. Achava que a vida
era isso — quando não duvidava se sabia mesmo o que era a vida — e seguiu, até
seu coração parar. Não o físico, porque este andava bem, mas o da alma.
Ao despertar,
não demorou para acarretar decisões. Terminou o casamento já acabado, deu adeus
aos sonhos de seus pais, desistiu do faz de conta e, finalmente longe, livre e
abatida, cruzou novos mares na esperança de se refazer em outros lugares para
compensar o despedaço do vazio que tanto carregou dentro de si.