Mostrando postagens com marcador protagonismo feminino. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador protagonismo feminino. Mostrar todas as postagens

sexta-feira, 10 de dezembro de 2021

MULHERES & TRAJETÓRIAS: Anna Liz Ribeiro recebe Prêmio UBE (RJ)/2021

 



ESCRITORA LUZIENSE, ANNA LIZ RIBEIRO, É PREMIADA EM CONCURSO INTERNACIONAL DE LITERATURA

 

A escritora e professora da Rede Estadual e Municipal de Ensino, Ana Elizandra Ribeiro (Anna Liz), foi premiada no Concurso Internacional de Literatura 2021, promovido pela União Brasileira de Escritores – UBE, Rio de Janeiro. A primeira solenidade de premiação acontecerá dia 09 de dezembro, as 16h, em formato on-line, logo será marcada a cerimônia presencial que ocorrerá no Rio de Janeiro.


Ella: repertório amoroso / Anna Liz. – Guaratinguetá, SP: Penalux, 2020.


Anna Liz, como é conhecida no meio literário, ficou em terceiro lugar no Prêmio Alejandro Cabassa, na categoria crônica, com o livro “Ella – repertório do cotidiano”. O Prêmio é considerado um dos mais importantes do segmento no Brasil. No Maranhão, já foram premiados nesse concurso, escritores como Ferreira Gullar, Nauro Machado, Salgado Maranhão, Paulo Rodrigues, Luiza Cantanhêde.

Sobre a obra

Ella – repertório do cotidiano é um livro de crônicas curtas sobre o universo da mulher, sobre as estradas, igarapés e rios de Santa Luzia também. Histórias ora engraçadas, ora reflexivas. Tratam-se de textos leves e agradáveis mas também fala de dores e superações. Como diz Luiza Cantanhêde; “Anna explora o universo feminino, sendo ela protagonista de sua história ou dando voz a outras mulheres”.

 

Sobre a escritora 

Anna Liz é de Santa Luzia, Maranhão. Poeta, cronista e professora. Tem participação em quase 100 antologias lançadas no Brasil e em diversos outros países, além de já ter publicado oito livros solo. Organizou duas antologias com obras de 25 escritoras maranhenses. Ao longo de sua trajetória recebeu vários prêmios de Literatura de entidades relevantes no campo literário no Brasil e em outros países.  Faz parte de algumas Academias e Núcleos Acadêmicos de Letras e Artes no Brasil, Chile, Argentina e Portugal e, atualmente, é presidente/coordenadora da Associação de Jornalistas e Escritoras Brasileiras, coordenadoria Maranhão/AJEB-MA

 

Tudo começou com a avó

A escritora diz: Minha infância foi embalada por músicas folclóricas, brincadeiras na rua, como roda, cair no poço, dizer quadrinhas,  convivência com outras crianças e principalmente  com a minha avó materna, dona Neném, que me contava histórias fantásticas, que me faziam tremer e emocionar. Minha avó vendia café no mercado e sempre depois da feira, ela comprava um “romanço”. À noite, depois do jantar, nós nos sentávamos na calçada para eu ler o cordel. Minha avó era analfabeta, mas foi ela que despertou em mim o prazer e a descoberta da leitura. Eu era pobre, a casa da minha avó era rica, não havia muitos livros, mas havia muita prosa e poesia.




terça-feira, 7 de dezembro de 2021

PROTAGONISMO FEMININO EM FOCO: TAIASMIN OHNMACHT

       

 
PROTAGONISMO|02


MEMÓRIA E ANCESTRALIDADE EM "VOZES DE RETRATOS ÍNTIMOS, 
DE TAIASMIN OHNMACHT

     POR HELIENE ROSA

    

            Natural de Porto Alegre, a escritora e poeta Taiasmin Ohnmacht tem se dedicado à atividade literária como forma de produzir rupturas em um sistema editorial, cuja tendência predominante vem sendo adotar e promover narrativas únicas. Sua escrita incisiva desestabiliza esse tipo de estratégia de legitimação e de sacralização dos privilégios da branquitude no cenário da literatura contemporânea brasileira.

        Além de sua inserção na literatura, Ohnmacht é psicóloga e psicanalista, possui mestrado em Psicanálise, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Eu a conheci exercitando os seus amplos conhecimentos acerca da teoria literária, durante a realização de um curso de curta duração sobre poesia negra. O diálogo estabelecido com a psicanálise foi o chamariz para esse estudo, oferecido por ela, com desenvoltura e maestria, no site da Com verso: Psicanálise e Poesia.

             Determinada a trabalhar pelo resgate da capacidade de conviver com a diferença e a contradição, a escritora atua também na área clínica e, embora reconheça que a psicanálise possa inspirar a atividade escrita, ela afirma manter, de forma deliberada, uma distância considerável entre sua prática clínica e a produção de narrativas literárias.

             No contexto de sua poética questionadora, a voz lírica interpela: “Quem tem medo da folha branca? Da face branca, dos olhos claros que procuram selar destinos?” Diante dessa interrogação, ela mesma responde, provocativa:


Eu tenho medo da folha branca da História

 Lavada em sangue de tantos povos

O alvejante é corrosivo e faz mal à pele

 Foi inventado na Europa.


        Nessa perspectiva, em seu primeiro romance, Vozes de Retratos Íntimos (2021), recentemente lançado pela Editora Taverna, a autora enriquece a história amefricana com alguns relatos familiares. Ao resgatar a memória de sua ancestralidade, Ohnmacht celebra suas origens afro-indígenas e europeias, promovendo reflexões essenciais a respeito das identidades, no contexto da pós-colonialidade.

            Diante disso, a própria autora afirma: “Escrevi Vozes de Retratos Íntimos inspirada em histórias contadas na minha família, mas nem todos os personagens são históricos, contudo, o personagem João realmente existiu”. E o romance corrobora: “Mas por décadas o que sobrou da memória de João para a família foi a figura de um homem idealista e irresponsável, [...] Daqui de onde olho, quase um século depois, parece que todos pagaram um preço muito alto por suas escolhas...” (p. 45, 46). Não sem razão, despertara admiração: “Sim, inteligente, bonito, idealista. Um herói! Assim que o conheceu, Benedita só viu qualidades.” (p.45). Inspiração e criatividade para tecer entremeando uma colcha de poucos retalhos.

        A figura enigmática do avô levou Taiasmin Ohnmacht a desejar conhecer melhor o passado de sua família. O resultado dessas buscas foi determinante para a concretização do projeto literário da autora, que relatou a mim:


A semente do livro foi plantada quando eu redescobri a existência dele para além das esparsas falas familiares. A curiosidade em saber mais sobre ele veio por uma necessidade de resgate de meus antepassados negros e embora temporalmente ele não seja um parente tão distante de mim, eu não o conheci; tampouco a narrativa familiar me ajudou nessa busca. Meu avô era aquariano e talvez fosse preciso esperar a existência de uma tecnologia que resgatasse o passado para reencontrar alguns traços dele. Foi através de pesquisas na internet que tive contato com textos que registram uma época de sua passagem pelo mundo, fase de muitas lutas políticas, de entrega da própria vida a uma causa justa. Não sem consequências: a pobreza e a prisão.

 

            Ao tatear as marcas deixadas pelo avô, a autora construiu esse conjunto de narrativas que remetem ao passado familiar e se conjugam não apenas entre si, mas também a outras histórias de pessoas e fatos e lugares, todas, de alguma forma, conectadas em tempos e espaços que compõem uma história maior. Em primeira mão, a autora nos revela:


Em um dos desvios de minha trajetória trabalhei no sistema penitenciário, sabe-se lá se algo em mim pensou em encontrar alguma pista do vô João naquelas grades. Trabalhar no cárcere é doloroso para quem espera por Justiça e acredita nos Direitos Humanos. Bem melhor foi encontrar João Adderley nas páginas da história.


        Consciente da grande responsabilidade herdada dos griôs, Taiasmin Ohnmacht reconhece: “Assim, a narrativa foi se transformando da história de um homem para a história de muitos. Muitos mais do que somente os meus e isso me autorizou a contá-la”. Sua obra se contrapõe à uma tendência massiva, contra a qual nos alerta a escritora nigeriana Chimamanda Adichie: o perigo de uma história única.

            Assim, são essas vozes plurais que encontram guarida em narrativas como o romance e os contos da escritora porto-alegrense que se somam para fazer frente a essa importante missão de contar as histórias secularmente silenciadas. Por outro lado, revelar ao leitor essa multiplicidade de olhares, de visões e de experiências que permite ampliar a compreensão dos fatos sobre nós mesmos e sobre o nosso país.

            Recebemos o primeiro romance de Taiasmin com a certeza de que a literatura é também o lugar da desconstrução de estereótipos limitantes a respeito do nosso povo brasileiro. A constituição múltipla e plural de nossa sociedade faz com que a diversidade deva ser celebrada como valor e isso pode contribuir com a minimização dos preconceitos que interferem de forma negativa nas interações sociais, não apenas no âmbito familiar. Compreender as trajetórias das famílias, nesse cenário, torna-se fundamental para a compreensão dos fenômenos que permeiam a nossa história de nação. Como já disse, na linda canção Tocando em frente, o poeta violeiro Almir Sater: “Cada um de nós compõe a sua história”.

           Nesse sentido, percebemos que as vozes ancestrais ecoam fortemente nessa narrativa intrigante e complexa, em que o deslugar já era determinante de subjetividades, desde antes da travessia do Atlântico. Há também relatos que refazem a trajetória do bisavô para o Brasil, sugerem esse sentimento de inadequação por parte do bisavô que vivia na Suíça: “Alvo das chacotas de crianças e de jovens de sua idade, pela estatura baixa e por seu sobrenome, Carlos Ohnmacht precisou se impor pela força desde muito novo...” (p.25), e a narradora reitera: “Veio para o Brasil sozinho, fugindo de sua própria ira, uma história que para a família não existe, mas que meu pai não deixou de me contar”. (p. 24). Não vou dar o “spoiler”, no que diz respeito à vinda de Carlos Onhmacht para o Brasil, antes recomendo a leitura do livro.

                No cenário desse romance, desenrolam-se as cenas revisitadas e ficcionalizadas, em que escritora completa os quadros escuros da memória e supre lacunas dos poucos retratos dos quais ela extrai cativantes narrativas. Na obra, lemos: “... não se conta uma história sem algum grau de profanação...” (Ohnmacht, 2021, p.13), mirando-se no espelho de Oxum. Nesse universo de resgate histórico e de ficção criativa desfilam figuras que bem poderiam povoar os livros de uma verdadeira História do Brasil. Uma História que tivesse sido contada originalmente por quem vivenciou os acontecimentos e fatos.

            Em seu trabalho de mineração para a construção narrativa, as variadas tramas se erguem majestosas refazendo o caminho histórico da família que, em alguma medida, se confunde e se mescla à história da sociedade brasileira. Essa mesma história que vem sendo sistematicamente negada e silenciada, ao longo dos séculos, pelos discursos da branquitude. Esse encontro permite aos leitores e leitoras compreender que há uma multiplicidade de vozes no tecido social, cultural e histórico e que todas merecem ser conhecidas.

            Em meio às lutas ferrenhas pela sobrevivência nos espaços urbanos hostis, a avó Benedita é apresentada:


 Minha avó também construiu a própria casa, sozinha, estilo fugindo da favela. Era muito econômica e seu maior orgulho era ter conseguido comprar um terreno regularizado e abandonar o quarto de despejo. Entre comprar o terreno e construir sua casa, levou um tempo de idas e vindas entre a favela e o bairro na zona leste de São Paulo, carregando material como podia. Seus vizinhos a chamavam de preta metida (OHNMACHT, 2021, p.31).


            A autora ressalta a figura altiva da avó com a qual manteve pouco contato e reitera; “A morte insiste em pontuar sua vida, zombando de seu nome de batismo – Benedita. (2021, p.31). A luta e a vitória de uma mulher negra e pobre para garantir moradia na selva de concreto não é reconhecida como conquista pelos vizinhos. Do contrário, o racismo fez com que ela fosse vista e tratada como intrusa, naquele espaço.

        A avó Benedita não pode conhecer a mãe, que morreu no parto. Mulher indígena raptada de sua aldeia durante um ataque:


Então Sebastião a viu. Estava assustada e se escondendo ao lado de uma construção de pau a pique, já nas imediações da mata. Mas um pouco e teria conseguido fugir, mas para onde? Era bastante jovem e linda. Sem pensar muito, Sebastião a pegou pelo braço e a levou consigo. Ninguém questionou, não era algo incomum. Quando faziam expedições ao interior, costumava acontecer de alguém voltar com uma índia na garupa. (OHNMACHT, 2021, p.41)


            E assim, a narrativa vai confirmando o suplício das mulheres ao longo dos processos de formação do que se concebe hoje como a sociedade brasileira. Mulheres negras, indígenas e pobres massacradas, estigmatizadas e silenciadas, mas que não se abalam, não desistem e não se calam diante das injustiças.

            A escrita das mulheres tem esse poder revolucionário de reposicionar os fatos e os lugares sociais. São escritos que apresentam a vantagem de trazer para a cena literária vozes e tramas silenciadas pelo discurso oficial que elegeu o cânone como referência de valor e de prestígio na literatura.

            Que o protagonismo dessas mulheres intelectuais negras brasileiras seja inspiração para muitas outras mulheres e que possamos usar a palavra escrita como instrumento de superação do silenciamento dessas vozes e das injustiças cristalizadas em nossa sociedade. Só assim, a hipocrisia, o machismo e o preconceito serão combatidos com veemência. Eu parabenizo a escritora Taiasmin Ohnmacht e espero que seu protagonismo seja contagiante para as leitoras do nosso blog Feminário Conexões.



sábado, 6 de novembro de 2021

BAIXE GRÁTIS O E-BOOK COLETÂNEA ENLUARADAS II: UMA CIRANDA DE DEUSAS


Arte Marta Cortezão

SOMOS TEMPLO DIVINO DA PALAVRA

 Por Marta Cortezão


Quando as mulheres reafirmam seu relacionamento com a natureza selvagem, elas recebem o dom de dispor de uma observadora interna permanente, uma sábia, uma visionária, um oráculo, uma inspiradora, uma intuitiva, uma criadora, uma inventora e uma ouvinte que guia, sugere e estimula uma vida vibrante nos mundos interior e exterior.

 {Clarissa Pinkola Estés}

 

    O Projeto Enluaradas anuncia a realização de mais um sonho concretizado pela força e perseverança da palavra. Na Coletânea Enluaradas II: uma Ciranda de Deusas (Sarasvati Editora, 2021), nos entregamos a este mergulho no rio profundo do Sagrado Feminino. Somos poetas [“porque em poetisa todo mundo pisa”, já diz a Deusa Leila Míccolis] e conjugamos nossa existência levantando nossas vozes nas teias de palavras que se propagam por este vasto e enigmático universo. A palavra poeticamente cobiçada – aquela que alcança nossa verdadeira essência e que nos diz muito sobre nós e sobre o Sagrado que nos faz morada – é a pedra angular a que nos aferramos para resistir às intempéries e seguir na luta por um mundo, onde nossas vozes sejam escutadas e nossos corpos respeitados.

    Este sonho possui o vigor, a sabedoria e a beleza do voo de um albatroz, pássaro que domina a técnica do voo, sem bater as asas; plana céus e mares conduzido pela força do vento e é capaz de voar enormes distâncias, sem pouso. E tal como albatroz, voando léguas, sem (re)pouso, fazemos da poesia a força que nos move e a voz que nos eleva. Viajamos, carregadas do fardo de silenciamento de séculos, em busca da concretização de nossos sonhos e, quando (re)pousamos, o fazemos com nossos pés fincados na ancestralidade de nossa espécie fêmea e na fertilidade de Gaia, nosso colo divino. Voamos alto, quebramos os muros de concreto que revestem os paradigmas impostos, construímos janelas e as adornamos com as amarelas flores de os nossos medos de ontem e os de hoje. E, ao redor da chama que nos acende os desejos, uivamos, em uníssono coro, para a Lua. Dançamos irmanadas em ciranda, celebrando Lilith, Afrodite e todas as Deusas que alimentam nossa espiritualidade. Somos templo divino da humana palavra, somos múltiplas, porque a pluralidade é nosso habitat natural.  

    Este sonho, em forma de e-book, que apresentamos hoje, só pôde tornar-se realidade porque poetas incríveis nos deram as mãos nesta ciranda de Deusas. O Projeto Enluaradas agradece a todas as poetas que se juntaram ao redor da chama da palavra em estado de latente poesia. 

     Clique AQUI para assistir ao vídeo.

    O livro físico também é uma realidade que vem para cultivar nossas memórias no canteiro do tempo, fertilizar sentimentos com a esperança no novo do porvir e manter acesa a fogueira de palavras que alimenta nosso fazer literário.   


Disfero Design Gráfico


Disfero Design Gráfico


Esboço da capa/Marta Cortezão

E com esta energia que nos atravessa, ao falar de poesia, que convidamos você a comungar conosco da poesia que habita nossos sonhos! Basta clicar AQUI e baixar o e-book de forma gratuita. Colabore conosco lendo e divulgando nossa literatura! Boa leitura!


Arte Vania Clares

VEM AÍ O 1º FLENLUA! 03, 04 E 05 DE DEZEMBRO!

Arte Marta Cortezão


quarta-feira, 18 de agosto de 2021

PROTAGONISMO FEMININO EM FOCO: AURITHA TABAJARA


 

 PROTAGONISMO|01


A FORÇA DA MULHER INDÍGENA ROMPE ESTEREÓTIPOS A PARTIR DA LITERATURA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA


 POR HELIENE ROSA


    A presença feminina na literatura indígena brasileira contemporânea vem sendo motor de transformações importantes tanto no imaginário social quanto no contexto das representações dos indígenas na atualidade. Essa força feminina vem sendo constituída, gradualmente, a partir do final do século XX, através de obras literárias produzidas por autoras indígenas, cujo trânsito entre cidade e aldeia, oralidade e educação formal, línguas ancestrais e idioma oficial é vivenciado diretamente por elas e pelo conjunto dos povos originários, entre eles, os Tabajara, que reivindicam seu direito à identidade e à ancestralidade.


    Como forma de contribuir com o combate ao preconceito e à discriminação contra a mulher indígena nordestina, desponta no Ceará, a literatura de cordel indígena brasileira com a guerreira Auritha Tabajara, falante da língua Tupi, cujo nome tem o significado de “Pedra de luz”. Ela nos conta que foi registrada de acordo com a tradição religiosa, com o nome de Francisca Aurilene, nome de Santa. A primeira cordelista indígena brasileira aprendeu a ler e a escrever na rima: ouvindo, nas tardes de domingo, seus tios e padrinho declamarem versos do poeta Patativa do Assaré. A poética popular ficou gravada na memória da narradora, além da forte influência de sua avó Francisca Gomes de Matos, que contava histórias em forma de cordel.


        A literatura de cordel brasileira tem seus temas focados em histórias encantadas de reis e de rainhas, dramas românticos, reinos distantes e irreais, e também da epopeia do cangaço. Em contrapartida, surge a literatura de cordel indígena, trazendo à tona a realidade da mulher indígena e nordestina: uma princesa destemida, heroína, “filha da mãe natureza”, que superou inúmeros obstáculos e preconceitos e hoje se destaca na literatura de autoria indígena contemporânea do Brasil. Ela traz a voz da mulher indígena, desconstruindo assim, visões estereotipadas dessas mulheres, que foram construídas pela prevalência do olhar europeu e disseminadas de variadas formas, inclusive pela literatura canônica brasileira.   


       Em seu livro “Coração na aldeia; pés no mundo” (2018), a autora nos apresenta a escrita de si e resgata elementos de sua memória afetiva. Assim, a protagonista, como mulher indígena, situa leitores e leitoras, promovendo uma ruptura, a partir da adaptação das personagens do cordel da literatura tradicional.


        A autora se apresenta como indígena, rompendo com o estereótipo de que no Nordeste não pode haver uma princesa encantada. Ressalta os valores indígenas e vai tecendo sua narrativa poética na sequência dos acontecimentos, desde a infância:


Peço aqui, Mãe Natureza,

Que me dê inspiração

Pra versar essa história

Com tamanha emoção

Da princesa do Nordeste

Nascida lá no sertão.

 

Quando se fala em princesa

É de reino encantado,

Nunca, jamais, do Nordeste

Ou do Ceará, o estado,

Mas mudar de opinião

Será bom aprendizado. 

 (TABAJARA. p. 6)

 

        A alteração do foco narrativo torna as cenas mais poéticas “[...] Nasceu uma indiazinha, chorando bem alto e forte”. Ela relata costumes do povo Tabajara, como a contação de histórias e vai se autoafirmando, ao se identificar positivamente como indígena Tabajara, em construção poética bastante criativa e atraente. O texto tem fluência e ritmo   incomparáveis e não deixa escapar a cultura, os valores, as crenças, os costumes do povo Tabajara e um pouco da memória afetiva da autora.


        Ela nos conta que, desde pequena, não gostava de meninos: “Não gostava de meninos, E não sabia lidar.” O preconceito e os olhares de reprovação representam um alto desafio para a princesa do Nordeste que rompe com estereótipos e assume a sua identidade de gênero, conforme suas preferências afetivas. É a voz da mulher na poesia que abre passagem para as diferentes subjetividades na cena do debate contemporâneo. É essa voz feminina indígena que reafirma poeticamente que toda forma de amar deve ser respeitada e valorizada na sociedade.

 

       Assim, essa poética feminina diversa, plural e acolhedora de subjetividades díspares leva o leitor a compreender o potencial de tensão dos enfrentamentos e dos desafios da mulher indígena nordestina, na sociedade brasileira, na contemporaneidade:


Agora eu tenho em mente

Um desafio a enfrentar

Refazer minha história

Sem desistir de lutar

Tantas noites eu chorei

Quanta tristeza passei ...

Não dá nem pra imaginar

 (TABAJARA, p. 32)

 

      Ela aborda incoerências da sociedade de classes de base capitalista e dos padrões impostos pelos donos do poder, em um cenário onde sempre prevalece quem tem mais dinheiro.


        A guerreira tabajara expressa também, por meio de seus versos, o desejo de lutar contra o preconceito no Brasil. Ela reconhece o poder de luta e de transformação que a arte de poetar lhe confere. Trata-se de uma guerreira, cujo baluarte são as letras, com elas compõe seus versos. Uma heroína que empunha a palavra poética como o seu aparato de luta para auferir conquistas:


Esta é minha história,

Tenho muito pra contar.

Feliz eu serei um dia

Se o preconceito acabar.

Letras são meu baluarte,

Relevo com minha arte

Um Brasil a conquistar.

 (TABAJARA, p. 40)

 

       A autora segue revisitando a adolescência, seu bom relacionamento e aprendizado com a avó, que a criou e relata sobre o preconceito e o bullying sofridos na escola, onde, com apenas sete anos de idade, aprendeu a ler. A moça revela que, aos treze anos, saiu da aldeia e foi conhecer a experiência de viver a cidade, sua família ficou muito preocupada. Ela viu a onça pintada, ao atravessar a mata, mas saiu-se ilesa da situação, pois Tupã a preservou.


      Moça esperta e de beleza exuberante, a narradora começou a ser percebida e assediada pelos rapazes da cidade. Então decidiu partir para a capital. Fortaleza a recebeu e ela encontrou trabalho na casa de um deputado. Entretanto, mais uma vez, percebeu que seria explorada. Logo decidiu retornar para a aldeia e esquecer o passado sofrido longe de sua casa. Auritha então se casou e teve quatro filhos, mas perdeu dois: ficaram duas meninas. Depois disso, separou-se do marido.


       Estudou magistério indígena e compôs o livro “Magistério Indígena em verso e poesia” (2007) com a experiência adquirida no curso. Auritha relatou, em versos, as histórias de seu povo na aldeia, em seu livro, que ganhou contornos didáticos, tornando-se leitura obrigatória em escolas geridas pela Secretaria do Estado do Ceará. Depois disso, nossa guerreira viajou para São Paulo e lá enfrentou a escassez e ficou sem dinheiro. Então, o ex-marido tomou-lhe a guarda das filhas. Ela chorava muito de saudade:


Vivo na cidade grande

Mas não esqueço o que sei

Difícil é viver aqui

Por tudo que já passei

Coração bom permanece

A essência fortalece

Ante o pranto que chorei.

(TABAJARA, p.36)

 

    Ao final da trama narrativa, a autora agradece ao Deus Tupã e ao povo Tabajara.


Agradeço a Tupã

Por me guardar e inspirar.

Ao meu povo Tabajara,

Pela vida me ensinar.

Se você é como eu,

Sofre ou antes sofreu,

Não desista de lutar.

(TABAJARA, p.40)

 

     Os espaços são referenciais e contribuem para a composição da magia presente na narrativa. Essa magia é balizada pela ancestralidade e reforçada pela presença da avó como mestra inspiradora, contadora de histórias e educadora. Essa forte influência na constituição do projeto de escrita da cordelista Tabajara dá relevo à questão da oralidade que é constitutiva da poética dessa autora e manifestada pelos versos de cordel.


        A literatura indígena brasileira de cordel carrega esse tom de poesia social e denuncia o preconceito e as violências contra as mulheres. A escrita dessa guerreira do povo Tabajara marca a presença e a força da mulher indígena brasileira na literatura, ocupando espaços e rompendo com o silenciamento secular das vozes femininas indígenas imposto a partir da dominação europeia.


        Sua voz feminina resgata as vozes ancestrais que foram caladas por força dos estupros e dos assassinatos ocorridos a partir das violentas invasões aos territórios ancestrais indígenas, como efeito nefasto da colonização e da neocolonização em terras brasileiras. Seus textos dão visibilidade aos povos indígenas, sobretudo ao povo Tabajara em suas manifestações mais genuínas, pois é uma mulher indígena Tabajara que enuncia poeticamente a partir de suas memórias e de sua subjetividade.


        A literatura abre espaço para essa autoexpressão que empodera a mulher indígena e faz com que sua voz ecoe e seja ouvida, de forma a romper com o silenciamento secular de vozes exiladas, no contexto da sociedade brasileira. Esse fato aponta para grandes transformações, possíveis a partir do reconhecimento do valor das epistemologias ancestrais desses povos, na simbiose com a natureza e no respeito à sacralidade da Terra.


        Desse modo, anuncia-se a possibilidade da construção de novas visões e de novas formas de estar no mundo, considerando-se o desenvolvimento de posturas mais sustentáveis por parte das pessoas. Trata-se de engendrar, a partir da literatura, uma consciência holística que possa contribuir para a melhoria da qualidade de vida das populações, de forma geral, a partir de uma relação menos predatória e, portanto, mais equilibrada com a nossa Mãe Terra.




Feminário Conexões, o blog que conecta você!

EDITAL ENLUARADAS II TOMO DAS BRUXAS

  Clique na imagem e acesse o Edital II Tomo-2024 CHAMADA PARA O EDITAL ENLUARADAS II TOMO DAS BRUXAS: CORPO & MEMÓRIA O Coletivo Enluar...