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quarta-feira, 12 de outubro de 2022

UMA CARTOGRAFIA DA ESCRITA DE MULHERES: ENTREVISTA COM MAURA LUZA FRAZÃO, POR GABRIELA LAGES VELOSO


 

UMA CARTOGRAFIA DA ESCRITA DE MULHERES |02

ENTREVISTA COM MAURA LUZA FRAZÃO

Por Gabriela Lages Veloso

“Pela maior parte da história, ‘anônimo’ foi uma mulher”. Essas palavras da escritora inglesa Virginia Woolf, referem-se à invisibilidade do trabalho feminino nas ciências, e nas artes, ao longo dos tempos. Diante disso, a literatura manifesta-se como uma importante arma de combate contra as desigualdades de gênero, ao dar voz e poder às mulheres. Na intenção de mapear as margens e abrir espaço para as novas vozes sociais, nossa coluna intitulada Uma Cartografia da Escrita de Mulheres tem como principal objetivo promover a valorização de escritoras contemporâneas, através de entrevistas. Hoje, temos a honra de receber a escritora Maura Luza Frazão, que tece belas imagens e memórias, em verso e prosa.

ENTREVISTA COM MAURA LUZA FRAZÃO: 

Arquivo pessoal da autora

Maura Luza Frazão nasceu na cidade de Monção, no interior do estado do Maranhão, e hoje reside na capital São Luís. É pedagoga e pós-graduada em Psicopedagogia Clínica e Institucional, e em Coordenação Pedagógica. Atualmente é Professora da rede pública municipal em São Luís e em São José de Ribamar (MA). Além disso, é colaboradora da Plataforma Facetubes e atua como Delegada da Federação das Academias de Letras do Maranhão - FALMA, pela Academia Monçonense de Letras e Artes. É membro efetiva e perpétua da AMCLAM – Academia Maranhense de Ciências, Letras e Artes Militares (Cadeira nº 03). Membro correspondente da Academia Zedoquense de Letras – AZL, e, da Academia Internacional de Artes, Letras e Ciências – ALPAS. Acadêmica internacional da Federação Brasileira dos Acadêmicos das Ciências, Letras e Artes – FEBACLA/2022 (Cadeira nº 168). Acadêmica imortal vitalícia das Academias AILAP – Academia Internacional de Literatura e Artes "Poetas Além do Tempo" (cadeira nº 42); AILB – Academia Internacional de Literatura Brasileira, ALIPE- Academia Internacional de Poetas e Escritores – (cadeira 89), e, AISLA - Academia Intercontinental Sênior de Literatura e Arte (cadeira 33). Membro efetiva da Sociedade de Cultura Latina do Estado do Maranhão – SCLMA, e, membro associada da ABPS – Associação Brasileira dos Poetas Spinaístas, e da AMEI – Associação Maranhense de Escritores Independentes. É autora das obras Revisitando Memórias em Prosa & Versos (2022) e Spinas: Nuances de Uma Essência (2021), publicadas pela Editora Versejar (SP).

Como você começou a escrever?

Sempre fui uma leitora aficionada, os livros foram meus parceiros, amigos e confidentes durante toda a minha vida. A nossa mãe, a D. Benedita Desidéria costumava nos presentear com livros em vez de brinquedos. O mais interessante nessa questão é que ela era quebradeira de coco babaçu e só tinha estudado até os primeiros anos do Ensino Fundamental e meu pai trabalhava como oleiro (fazendo tijolos e telhas). Com esse incentivo familiar, a leitura sempre foi a minha principal forma de lazer e entretenimento. Contudo, apesar de meu trajeto literário como leitora e da rica experiência em sala de aula e com Planejamentos Pedagógicos (como Professora e Coordenadora), elaborando e aplicando projetos de leitura e escrita, artigos e trabalhos de conclusão de curso (como orientadora de monografias), minha paixão como escritora e poeta só chegou com a maturidade. Atualmente até me arrisco no campo dos contos e crônicas, o meu segundo livro solo Revisitando Memórias em Prosa & Versos traz alguns contos e crônicas.  

A sua formação acadêmica, na área de Pedagogia, tem alguma influência na sua escrita literária?

Sim. De certa forma a bagagem que trazemos da formação acadêmica sempre acaba reverberando em tudo o que nos propomos a fazer e/ou escrever. Em algumas composições eu costumo abordar temáticas que remetem a aprendizagem de acontecimentos de algum momento da história da humanidade trazendo-os de forma linear. Assim, costumo abordar assuntos relacionados ao contexto atual global ornamentando-os com leves pinceladas de poesia.

Por que você escreve?

Acredito que escrevo porque me dá prazer, me encanta e ao mesmo tempo é uma forma de terapia. Como a ilustre poeta Nauza Luza Martins (minha irmã) costuma dizer: "A poesia salva, cura e liberta!"

Quais escritoras te inspiram?

Muitas escritoras me inspiram, mas vou citar apenas algumas. Inicialmente a Clarice Lispector com a sua instigante forma de escrever acabou embalando meus primeiros ensaios poéticos; seguida da Cecília Meireles com seu envolvente poder de contemplação (adoro escrever sobre as emoções, sentimentos, pensamentos, entrelaçando-os com os movimentos da natureza). Também tenho grande admiração pelas célebres escritoras Conceição Evaristo, Cora Coralina, Hilda Hilst, Martha Medeiros, dentre outras. Na literatura maranhense, me deparei com a fantástica Maria Firmina dos Reis (foi paixão à primeira vista), a genialidade da Mariana Luz, a pulsante irreverência da brilhante poeta Nauza Luza Martins (minha principal inspiração), a subjetividade da poeta Joizacawpy Costa, a escrita da ativista cultural Lindevania Martins, entre outras talentosas mulheres maranhenses.  

Comente sobre a sua obra Revisitando Memórias em Prosa & Versos (2022). Quais são as principais temáticas desse livro? Onde podemos adquiri-lo?

Como o próprio título sugere, o Revisitando Memórias traz em sua bagagem alguns momentos vividos por mim desde a mais tenra infância em Monção-MA (minha terra natal) até os dias atuais aqui em São Luís, também no Maranhão. Nessa obra, além das minhas vivências trago também alguns mimos que compus para alguns amigos e pessoas da família, o livro em si é recheado de emocionantes sentimentos de amor, carinho e gratidão. Revisitando Memórias pode ser adquirido na AMEI – Associação Maranhense de Escritores Independentes, no site da Editora Versejar e comigo também.

E quanto ao seu livro Spinas: Nuances de Uma Essência (2021)? Explique o título e suas implicações no sentido/proposta da obra, e onde podemos adquiri-la.

Nuances de Uma Essência é um livro de poemas "Spinas", uma nova forma poética que vem conquistando o gosto dos poetas contemporâneos e vem ganhando espaço no cenário literário brasileiro. É uma forma poética criada pelo poeta pernambucano Ronaldo de Andrade, em homenagem ao seu saudoso professor emérito da Universidade de São Paulo - USP, Segismundo Spina, autor de diversos livros, sendo que, seu livro Manual de Versificação Românica Medieval, serviu para fundamentar a criação do Spina. O Spina é composto por duas estrofes, sendo a primeira, obrigatoriamente, iniciada com palavra trissílaba (de três sílabas), contém três palavras em cada verso da primeira estrofe; a segunda estrofe é formada por cinco versos com cinco palavras cada. O último verso da primeira estrofe precisa rimar com o terceiro e o último da segunda estrofe. Mantendo dessa forma a sequência rítmica: o último verso da primeira estrofe pode rimar com o primeiro, terceiro e último da segunda estrofe. O poema Spina preza pelas regras gramaticais, linguagem formal e uso dos sinais de pontuações, principalmente os obrigatórios. Não são permitidas algumas conjunções: e, pois, mas, no entanto, entretanto, contudo, porém, todavia. As palavras compostas com hífen são contadas como única sentença. As sem hífen são contadas individualmente. As palavras contendo as chamadas consoantes mudas (sonoras) que tenham três sílabas compostas por consoantes e vogais (não mais) podem iniciar o Spina. O título e a métrica são opcionais. Nuances de Uma Essência pode ser adquirido na AMEI – Associação Maranhense de Escritores Independentes, no site da Editora Versejar e comigo também.

Além de escritora, você também é professora da educação básica. Como você aborda a leitura nas suas aulas?

Atuei como professora da Educação Infantil e Ensino Fundamental, nos anos iniciais, somente nos primeiros anos da minha profissão. Já naquela época eu costumava adotar em minhas salas de aula, paradidáticos que tinham relação com o conteúdo que precisava ser abordado nos livros didáticos, tendo sempre o cuidado de trazer as historinhas de forma mais lúdica e abrangente a fim de exercitar o imaginário dos alunos e de ampliar o seu entendimento e o vocabulário. Eu sempre iniciava e terminava minhas aulas com a leitura de um livro de contos, fábulas, contos tradicionais, entre outras. Há mais de dez anos atuo como coordenadora, no Apoio Pedagógico, tanto na rede pública de ensino em São Luís – Ma, quanto em São José de Ribamar  Ma. Nessa nova função, costumo incentivar os professores a trazerem para as salas de aula assuntos relacionados ao contexto social e cultural brasileiro e principalmente maranhense, sem contudo esquecer de trazer para o centro das discussões, as informações pertinentes ao atual momento socioeconômico e cultural mundial.

Fale sobre os seus demais projetos na área de literatura e cultura, como, por exemplo, a sua página na Plataforma Facetubes.

Estou trabalhando no projeto do meu novo livro, que já se encontra em fase de publicação. O título dessa nova obra literária é Poeticidade Latente, um livro só de poesias que deve ficar pronto ainda neste ano de 2022. Também estou participando do grandioso projeto em homenagem ao Bicentenário de Maria Firmina dos Reis e estarei em Recife – PE, para receber o prêmio "Diamante da Literatura" e "Rosa de Jericó" no II Congrès International Cultive em novembro de 2022. Quanto à Plataforma Facetubes do Jornalista Mhário Lincoln, eu sou apenas uma das colaboradoras. Por ser um brilhante ativista cultural e literário o ilustre poeta Mhário Lincoln tem em sua página um espaço aberto para muitos escritores em ascensão, assim somos agraciados com essa generosidade por parte desse ícone da literatura maranhense. Assim, ele me convidou para ser articulista do seu Facetubes e eu prontamente aceitei, tenho algumas resenhas e composições já publicadas nessa Plataforma. Além disso, estou assessorando um projeto literário, em minha terra natal Monção – Ma, como voluntária. A rede Municipal de Educação de Monção adotou meus livros para este semestre (agosto a dezembro) do 1º ao 5º Ano da Educação Básica. Desta forma, sou a escritora homenageada em todas as escolas da rede monçonense de Educação. A proposta, para 2023, é que esse projeto se estenda para a Educação Infantil e o 6º ao 9º ano de toda a rede.

Mais do que escrever, é necessário fazer ecoar nossas vozes. Assim, se destacam as Academias de Letras e Artes. Qual é a importância da participação de escritoras em Academias e coletivos literários, para você?

Acredito ser importante por saber que o espaço de um sodalício não só se constitui um espaço de interação entre confrades e confreiras, mas também trata-se de um lugar onde é possível crescer literariamente, seja individualmente ou em conjunto com outros acadêmicos.  Ou seja, sinto que é muito importante fazer parte de um todo que respira literatura, pois as Academias estão voltadas para o cultivo das ciências, artes e saberes culturais, tanto nacionais, quanto regionais.

Como convidada da nossa coluna Uma Cartografia da Escrita de Mulheres, qual mensagem você deixa para a nova geração de escritoras?

O que tenho a dizer aos jovens escritores e escritoras, é que acreditem em si mesmos, busquem cercar-se de pessoas positivas, que tenham propósitos na vida e que comunguem das mesmas ideias. Pois, se tens um dom ou alguma habilidade pulsando dentro de você, não deixe que nada, nem ninguém, atrapalhe seus projetos e sonhos. Acredite que o que você tem é mais que um estilo de vida, é libertação. Assim, torna-se necessário mergulhar no campo da leitura, sensibilidade e principalmente o exercício do poder de contemplação, pois somente com uma rica bagagem cultural leitora serás capaz de produzir uma obra de excelente qualidade literária. Portanto, siga seu sonho com determinação e amor no coração, quando você menos esperar, o estarás realizando.


Contatos da escritora:

Instagram: @mauraluzafrazao

E-mail: mauraluza_coelho@hotmail.com 

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Gabriela Lages Veloso é escritora, poeta e mestranda em Letras pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA). É colunista da Revista Sucuru e do Feminário Conexões, editora do núcleo poético de divulgação feminina Sociedade Carolina e membro do projeto Entre Vasos y Versos, que conta com a participação de escritores de diversas nacionalidades. Além disso, colabora com coletâneas e revistas nacionais e internacionais. Em 2023, organizou a Antologia Poéticas Contemporâneas: uma cartografia da escrita de mulheres, juntamente com a Editora Brecci Books.

quarta-feira, 21 de setembro de 2022

UMA CARTOGRAFIA DA ESCRITA DE MULHERES: ENTREVISTA COM GABRIELE ROSA, POR GABRIELA LAGES VELOSO



UMA CARTOGRAFIA DA ESCRITA DE MULHERES |01

ENTREVISTA COM GABRIELE ROSA

Por Gabriela Lages Veloso


De acordo com Regina Dalcastagnè (2007), nosso lugar na sociedade é definido por etnia, classe social, gênero, idade, orientação sexual, e, experiências. Esses são fatores decisivos para o nosso modo de enxergar e compreender o mundo. Por esse motivo, um homem, mesmo sendo empático e solidário, não terá experienciado as dificuldades sofridas pelas mulheres, cotidianamente, tais como “ser analisada prioritariamente pela aparência física, o temor da violência sexual, o preconceito renitente nos espaços profissionais. É essa perspectiva feminina (e não um estilo ou uma temática específica) que só as mulheres podem trazer ao discurso literário” (p. 126). Nesse sentido sobreleva-se a escrita de mulheres. 

Entretanto, conforme Simone de Beauvoir (1975), em uma entrevista concedida ao programa Questionnaire, “basta uma crise política, econômica ou religiosa para que os direitos das mulheres sejam questionados. Esses direitos não são permanentes. Você terá que manter-se vigilante durante toda a sua vida”. Diante disso, a literatura manifesta-se como uma importante arma de combate contra as desigualdades de gênero, ao dar voz e poder às mulheres. Na intenção de mapear as margens e abrir espaço para as novas vozes sociais, nossa coluna intitulada Uma Cartografia da Escrita de Mulheres terá como principal objetivo promover a valorização de escritoras contemporâneas, através de entrevistas. Em nossa estreia, temos a honra de receber a escritora Gabriele Rosa, que entrelaça a Literatura com a História, o Teatro e as Artes Visuais.

ENTREVISTA COM GABRIELE ROSA: 

Arquivo pessoal da autora

Gabriele Rosa é carioca, vive no Rio de Janeiro. Historiadora, poeta, artista visual, confeiteira, artesã da palavra e da cena, atua como dramaturga de processo e dramaturgista na Bonecas Quebradas Teatro. Bacharela em História pela UFRRJ, integra o coletivo CuidadoPoema. É autora de Fendas extraordinárias (Patuá, 2019) e de Lavínia é mais Rosa que Espinho (Motta, Carla, Libertinagem, 2022). Assina a dramaturgia do Radiodrama Tiro suas camadas de esmalte (contemplado no edital Cultura Presente nas Redes 2 – com patrocínio do Governo do Estado do Rio de Janeiro, Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa, 2022). Tem obras publicadas em mídias impressas e digitais no Brasil, Portugal e México. Colabora mensalmente com a coluna “memórias táteis, intempéries e outras derivas” na revista Ruído Manifesto.

Como você começou a escrever?

A escrita sempre foi pulso e centralidade das minhas vivências. Cresci entre o maravilhamento da leitura (iniciada na primeira infância, aos cinco anos) e o hábito da escrita diária (cartas, poemas, diários e ‘sonhários’). Um privilégio dentro das desigualdades cotidianas dos subúrbios cariocas. O acesso às bibliotecas públicas e salas de leitura foram fundamentais na minha trajetória. Segui sempre lendo muito e nunca deixei de escrever, mas desacreditei da minha escrita durante anos. Só em 2017, após uma mudança profissional, aceitei a literatura como expressividade. Abracei a minha escrita.

A sua formação acadêmica, na área de História, tem alguma influência na sua escrita literária?

Sim. De forma muito próxima. Entendo os ofícios como distintos, nos quais trabalho dissociadamente, mas que se entrecruzam de forma muito orgânica nos meus processos de criação. A minha escrita, seja a literária ou a dramatúrgica, é atravessada pelo meu olhar enquanto historiadora. Estruturada no tripé: pesquisa, leitura e imersão-experimento, o tempo da pesquisa é maior que o da escrita, na maioria das vezes. Criar estofo, embasamento teórico, perscrutar engrenagens dentro da linguagem, desenvolver métodos para transitar entre gêneros literários, investigar códigos de plausibilidade (para deslocá-los) e pensar nos vínculos implicativos entre estratos de tempo – passado, presente, futuro - são frutos de pesquisa e formam as teias nas quais construo histórias. Entendo que a pesquisa historiográfica me possibilita ampliar e refabular narrativas. Acredito que o historiador deve se autorizar a propor e perspectivar linguagens.

Quais escritoras(es) te inspiram?

Vou citar os que estão sempre na cabeceira e os que estou lendo atualmente, não necessariamente nessa ordem: Ana Cristina Cesar, Grace Passô, Roberto Bolaño, Alejandra Pizarnik, Carolina Maria de Jesus, Susan Sontag, Nina Rizzi, Lubi Prates, Julio Cortázar, Danielle Magalhães, Victor Heringer, Carla Diacov, Guilherme Gontijo Flores, Walter Benjamin, Lilian Sais, Bruna Beber, Leda Maria Martins, Guimarães Rosa, Lélia Gonzalez, Machado de Assis, Michel Foucault, entre alguns outros. Estou sempre aberta aos encontros, diálogos e espantos, com as obras de outres.

Conte-nos sobre o seu primeiro livro, Fendas extraordinárias (2019). Como foi o processo de escrita? Quais temáticas você aborda? Onde podemos adquiri-lo?

Fendas extraordinárias é um livro de contos e foi publicado pela editora Patuá, em 2019. Os contos presentes no livro foram escritos como exercícios de marginação literária durante as disciplinas optativas sobre letramento histórico crítico-genético e escrita criativa, no período de um ano e meio, ministradas no curso de História da UFRRJ pelo docente Dr. Alexander Martins Vianna. Kafka, Machado de Assis, Monteiro Lobato e Chico Buarque, são algumas das referências presentes no livro. Há um intertexto maior com peças de Shakespeare. Abordo violências de gênero, classe e raça, costuro femininos-sintoma e masculinos viciosos. O processo de escrita foi intenso, imersivo e arrebatador. Foi um período de (re)conhecimento da minha própria escrita. Atravessei o espelho. Durante a feitura dos contos percebi a necessidade de pensar uma classificação (possível) do experimento narrativo criado. Apenas necessitava nomear a narratividade tecida em camadas temporais múltiplas, que não se aproximavam dos artifícios do flashback e viagem no tempo. Desde então, passei a adotar a classificação de ‘contos regressivos’, a fim de mapear dentro do gênero como a construção de desentendimento do que se narra ocorre no tempo regressivo da consciência de quem conta, considerando um narrador em primeira pessoa que se desentende enquanto avança (regride) e o exercício constante de criar códigos de plausibilidade. O que se tornou um método de escrita, uma artesania. A classificação não me incomoda, mas está aberta, assim como as fendas cavadas no livro. Fendas Extraordinárias é um exercício de linguagens. É possível adquiri-lo no site da Editora Patuá.

Comente, também, sobre Lavínia é mais rosa que espinho (2022). Como foi a experiência de escrever um livro juntamente com outra escritora? Qual é a proposta dessa obra? Onde podemos adquiri-la?

Lavínia é mais rosa que espinho é um livro de prosas poéticas, em parceria com a escritora Carla Motta, publicado pela editora Libertinagem (2022), abordamos as violências cotidianas de gênero. Femininos diversos narram horrores banalizados e brutalidades há muito tempo enraizadas na sociedade contemporânea. A obra tem tom de denúncia. De abraço. E de troca. O livro tece respiros e enfrentamentos por meio de versos cortantes e imagens quase que fotográficas do narrado, sem lançar mão de sutilezas poéticas. Tendo a personagem Lavínia - máscara social e genética da virtude feminina - da peça Tito Andrônico, de Shakespeare, como mote inicial, expandimos nossas fabulações e experimentos artísticos-poéticos a partir de instalações performáticas homônimas ao livro; realizadas em 2017, e em 2019, na UFRRJ e no Centro Cultural Phábrika, respectivamente. Ressignificada a partir da fragmentação de vozes, despersonalizadas por vezes, entrecruzada por violências de classe, raça, sexuais, psicológicas, entre outras, Lavínia é mais rosa que espinho vestida de livro é um ajuste de olhar. Um convite à reflexão e ao ato. Um acontecimento. Luta e luto. Mergulhar nas feridas e nos silenciamentos dos femininos com fôlego de mar aberto se faz possível e urgente. Escrever com a Carla, que é uma grande amiga e parceira de experimentos artísticos desde a graduação, foi fluido e orgânico. Os processos colaborativos me interessam, as trocas, partilhas e parcerias artísticas me mobilizam. E para o Lavínia teve um fato curioso, escrevemos o livro para a primeira chamada de autoras da editora Libertinagem, e desenvolvemos um método para configurar nossa coautoria, já que escrevemos os textos separadas. A escolha por prosa poética foi um fator determinante, individualmente temos poéticas muito distintas. O livro pode ser adquirido no site da editora Libertinagem.

Além de escritora, você também é dramaturga. Na sua opinião, existe alguma relação entre a literatura e o teatro?

Sim, são áreas correlatas e distintas. Assim como história e literatura, ou história e teatro. Em cada uma atuo dentro de suas especificidades, e de forma dissociada, mas como disse anteriormente, nos meus processos de criação, independente da linguagem (artística ou não) enquanto suporte material de expressividade há o entrecruzamento de múltiplos campos. Um alimenta o outro, e juntos reverberam na minha obra.

Como é o seu processo de escrita?

Muito de caos, um tanto de cosmos e um punhado de afetos. Meu processo de escrita é imersivo, envolve experimentos em múltiplas linguagens artísticas (referenciais e práticas), cotidianas (confeitaria, meditação e outras miudezas) e muita pesquisa, tanto temáticas quanto estruturais. Minha artesania é tátil, meu corpo sempre está à disposição para os meus processos de criação. Não limito os experimentos, por vezes começa livro e cresce performance, cena ou instalação visual, assim como, são abertos, horizontais e rizomáticos. Escrevo todos os dias e sempre que possível em lugares diversos, gosto de caminhar com a minha escrita. Para as pesquisas, escrita acadêmica e dramatúrgica reservo às manhãs, e estes são processos pontuais e específicos, com maior rigor de tempo-espaço, preciso de silêncio e concentração. Já a produção literária é completamente notívaga, o período entre 22h e 5h é o meu lugar de conforto e expansão. É quando minha medula está mais viva.

Desde 2017, você integra o coletivo CuidadoPoema. Qual é a importância dos coletivos para as escritoras contemporâneas?

Os coletivos artísticos são importantes como espaços plurais de experimentos de linguagens. Possibilitam as trocas, partilhas e estudos de forma colaborativa. E para as escritoras contemporâneas fomentam e visibilizam seus trabalhos. Entendo como uma forma de organização, enfrentamento e reexistência para mulheres artistas que ao longo da história sofreram (e ainda sofrem) com apagamentos e silenciamentos.

Fale sobre os seus projetos na área da literatura, cultura e teatro, como, por exemplo, o Radiodrama Tiro suas camadas de esmalte (2022).

Desde fevereiro de 2020, sou colaboradora da Bonecas Quebradas Teatro, atuo como dramaturga de processo e dramaturgista. Estamos em processo de ensaio do espetáculo Memórias de uma Manicure. O Radiodrama Tiro suas camadas de esmalte foi um braço desse projeto, que compreende diversos produtos artísticos. Nele, temos uma experiência acústica sem componente visual que pretende desenhar pelo som a imaginação dos ouvintes. Ouvimos as manicures Danielle e Jéssica ensaiarem uma entrevista para uma peça teatral sobre manicures. O radiodrama foi contemplado no edital Cultura Presente nas Redes 2 – com patrocínio do Governo do Estado do Rio de Janeiro, Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa, 2022, e está disponível no canal do YouTube da Bonecas Quebradas Teatro. Ainda dentro do projeto Memórias de uma Manicure, também contemplado no edital Cultura Presente nas Redes 2, realizarei (novembro/2022) leituras abertas de quatro contos do livro ainda inédito Afetos Postiços, que tem previsão de lançamento para o primeiro semestre de 2023 (a sair pela Ofícios Terrestres Edições), no livro as duas personagens-manicures do radiodrama narram o cotidiano fabular do salão e suas vivências pessoais. Tenho alguns projetos de livros, performance e instalação visual, em processo. Todos para o próximo ano. Em breve, novidades.

Como convidada especial, na estreia da nossa coluna Uma Cartografia da Escrita de Mulheres, qual mensagem você deixa para a nova geração de escritoras?

Primeiramente, agradeço o convite, é uma alegria. Me sinto muito honrada por abrir os caminhos da coluna, e ressalto a importância de espaços como esse, com o intuito de visibilizar o trabalho de mulheres, escritoras e artistas contemporâneas. Que os caminhos sigam abertos. Evoé! Se posso deixar uma mensagem para a nova geração de escritoras é: acreditem nas suas escritas e estudem. O ofício da escrita é laborioso, artesanal, tátil. Demanda um tempo próprio. É pulsão de vida. Leiam muito, pesquisem, teçam diálogos com outras (os) autoras (es), experimentem múltiplas linguagens artísticas e divirtam-se.


Contatos da escritora:

Instagram: @_gabrielerosa

E-mail: gabrielerosa20@gmail.com

Linktree: linktr.ee/gabrielerosa


REFERÊNCIAS:

BEAUVOIR, Simone de. Por que sou feminista? Entrevista concedida ao programa “Questionnaire”, em 1975. Disponível em: <https://bit.ly/3zr52O9>. Acesso em: 17/09/22.

DALCASTAGNÈ, Regina. Ilusão e referencialidade: tendências da narrativa brasileira contemporânea. In: Signótica, v. 19, 2007. 

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Gabriela Lages Veloso é escritora, poeta e mestranda em Letras pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA). É colunista da Revista Sucuru e do Feminário Conexões, editora do núcleo poético de divulgação feminina Sociedade Carolina e membro do projeto Entre Vasos y Versos, que conta com a participação de escritores de diversas nacionalidades. Além disso, colabora com coletâneas e revistas nacionais e internacionais. Em 2023, organizou a Antologia Poéticas Contemporâneas: uma cartografia da escrita de mulheres, juntamente com a Editora Brecci Books.

domingo, 17 de janeiro de 2021

A ESCRITORA POR TRÁS DA PERSONA: ENTREVISTA COM LETÍCIA LANZ, POR ROBERTA GASPAROTTO


A ESCRITORA POR TRÁS DA PERSONA
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A ESCRITA É A MAIS FUNDAMENTAL EXTENSÃO DE MIM MESMA

ENTREVISTA COM LETÍCIA LANZ

POR ROBERTA GASPAROTTO


O que eu penso, o que eu faço / de onde vim pra onde vou/ é no outro que eu traço / o perfil do que sou”.

do livro Eu, Comigo, Aqui e Agora, de Letícia Lanz (Geraldo Eustáquio de Souza) 


Esses versos são de Letícia Lanz que, como psicanalista, sabe que o outro tem importância fundamental, e fundante, em nossa vida. Não se trata de submeter-se ao outro, a questão é que, querendo ou não, nos construímos e constituímos sob esse olhar. E se é uma coisa que essa escritora e psicanalista mineira de setenta anos de idade e radicada em Curitiba, entende, é exatamente desse olhar que tantas vezes a fitou com espanto ou desdém. 

Letícia tem uma trajetória tanto fascinante quanto difícil. Nasceu Geraldo, em família muito católica, onde ela mesma diz “o diabo tinha muito prestígio lá em casa”. As brincadeiras típicas de menino lhe entediavam, e as de menina, ao contrário, a fascinavam. Sofreu muito por ser impedida de dar vazão aos seus desejos de criança. “Pecado, menino, honre o que você tem entre as pernas”. Aos cinquenta anos de idade, deu início ao processo de transição de gênero. Letícia se define como uma mulher trans lésbica, pois sempre teve atração por mulheres, de forma que continua casada com a sua companheira, mãe dos seus três filhos, com quem está junto há 44 anos. Quando perguntei a ela como se sentia quando pensava no seu passado como Geraldo, ela me disse: “penso em uma ausência. As pessoas confundem escolha com identificação. Escolha implica em existência de alternativas, e identificação, em modelo de referência. Ser uma pessoa transgênera não é uma escolha, mas algo que você se identifica e passa a ser você.” E segue: “infelizmente, a mesma estrutura hierárquica e de privilégios que existe dentro da sociedade, nós vemos nos movimentos identitários, que ainda são extremamente binários e sexistas. Muitos acham que para ser mulher, é preciso fazer uma cirurgia, retirar o pênis. Como se isso determinasse o gênero da pessoa. As pessoas confundem sexo com gênero. Identidade e expressão de gênero vão muito além do órgão genital”. 

Por perceber que o enquadramento de gênero é a base que constitui a sociedade, Letícia faz questão de aprofundar e divulgar seus estudos nessa área, o que lhe rendeu um livro, que se chama “O corpo da roupa”. Essa obra é fruto de um mestrado que a escritora fez em Ciências Sociais. Seu livro é o único, em língua portuguesa, de introdução aos Estudos Transgêneros. Questionada a respeito do título, diz: “na nossa sociedade não é a pessoa que tem a roupa, é a roupa que tem a pessoa. Uma espécie de camisa de força”.

Ainda como Geraldo, publicou uma trilogia de livros de poemas. Letícia vê a escrita como seu principal canal de expressão e como uma forma de estar sempre construindo novos sentidos e significados para o que percebe e o que lhe acontece. A única coisa que a angustia na escrita é quando não consegue achar a palavra adequada para o que quer expressar, conflito de toda escritora ou escritor, diga-se de passagem.

Por outro lado, Letícia sabe que as palavras, muitas vezes, só vêm depois. Há sempre um hiato entre elas e nós, que se chama vida.


Jornada

Para ouvir o podcast dos poemas, clique AQUI.


Às vezes bate uma ideia de desistir.

Então a gente para, põe o sonho de lado

e fica por aí pensando e sofrendo.

Mas não é por muito tempo não.


Qualquer coisa da estrada

passarinho flor montanha nuvem

o menino que nos acenou sorrindo

esperança à toa que seja vira roteiro de viagem.


Precisa ver os olhos brilhando com que partimos

mochila nas costas cantando o sol e a sede

prazer e cansaço de quem caminha sempre em frente

em direção de algo mais além de nós mesmos

de nossos desejos, medos e frustrações

Porque é para lá que estamos indo

- é só para lá que sabemos ir

Passos de uma caminhada

que nenhum de nós sabe quando começou

nem quando terminará.

***


Eu Prometo

(Para Angela)


Eu prometo não te prometer nada

Nem te amar para sempre

nem não te trair nunca

nem não te deixar jamais.

Estou aqui, te sinto agora

sem máscaras nem artifícios

e enquanto for bom para os dois que o outro fique.


Nada a te oferecer senão eu mesmo

Nada a te pedir senão que sejas quem tu és

a verdade é o que de melhor temos para compartilhar.


Tuas coisas continuam tuas e as minhas, minhas.

Não nos mudaremos na loucura de tornar eterno

esse breve instante que passa.


Se crescemos juntos

ainda que em direções opostas

saberemos nos amar pelo que somos

sem medo ou vergonha

de nos mostrarmos um ao outro por inteiro.


Não te prendo e não quero que me prendas

Nenhuma corrente pode deter o curso da vida

nenhuma promessa pode substituir o amor

quero que sejas livre como eu próprio quero ser.

Companheiros de uma viagem que está começando

cada vez que nos encontramos novamente.

***

Um pouco mais sobre Letícia Lanz: Mestra em Sociologia, Psicanalista e Especialista em Gênero e Sexualidade. Fundou o Movimento Transgente, que congrega hoje uma parcela bastante representativa da população transgênera do país. Mantém, desde 2006, o “Arquivo Transgênero” (leticialanz.blogspot.com), um dos sites mais acessados em língua portuguesa para informações, suporte e ajuda em questões transgêneras, expressão de identidades gênero-divergentes e diversidade de gênero. Em 2013, tornou-se a primeira pessoa a receber o prêmio Cláudia Wonder, concedido por Entidades de Defesa das Pessoas Transgêneras do Estado de São Paulo, como foi também, em 2014, a primeira pessoa transgênera a obter o grau de Mestre pela Universidade Federal do Paraná.   Como palestrante e professora convidada, tem participado de Congressos e Seminários por todo o país, ministrando cursos e proferindo palestras em Universidades, Escolas, Empresas, Entidades e Organizações não-Governamentais, expondo e debatendo questões relacionados aos Direitos Humanos, à Diversidade Sexual e de Gênero, aos Estudos Transgêneros, à Psicanálise e pessoas e ao Resgate e Defesa dos Direitos Civis das Pessoas Transgêneras em nosso país. Criadora da Companhia Paracrescer, instituição sem fins lucrativos que há mais de 30 anos divulga e estimula programas de Crescimento e Desenvolvimento Pessoal. Adora família, casa, cozinhar, arte, fazer artesanato, livros, música, tocar violão, cantar, flores, montanhas e gente. É também música, webmaster e webdesigner.

Os livros de Letícia Lanz estão à venda exclusivamente no Mercado Livre. Para acessá-los, clique AQUI





domingo, 10 de janeiro de 2021

A ESCRITORA POR TRÁS DA PERSONA: ENTREVISTA COM CIDA AJALA, POR ROBERTA GASPAROTTO


ENTREVISTA COM CIDA  AJALA/02

MEU TREM BALA NÃO PARA

POR ROBERTA GASPAROTTO


No meio da conversa com a compositora e escritora paulista, Cida Ajala, lembrei daquela frase de Clarice Lispector: “eu tenho medos bobos e coragens absurdas”. Conversamos durante mais de uma hora por vídeo, Cida estava linda, toda de vermelho, incluindo batom, chapéu e esmalte. “Amo vermelho”. Não é para menos, vermelho é a cor que mais simboliza a vida, e se tem algo que essa bela mulher de sessenta e nove anos tem de sobra, é uma enorme vivacidade. 

Cida cresceu em uma família de músicos, de modo que desde quando se entende por gente, esteve cercada por instrumentos. Com seu tio, muito pequena aprendeu a tocar violão. E depois, viola, e depois, harpa. Aos doze anos, compôs sua primeira letra de música, para o seu então namorado, que viria a se tornar marido. 

Para ela o processo de escrita e o arranjo da melodia, acontecem  simultaneamente. À medida que escreve, a melodia ganha forma e a música é composta. Na sua concepção, escrever é uma forma de louvar e agradecer a Deus, por isso, suas letras sempre tocam em temas pungentes, como a natureza, os animais e o amor.

A vida de shows começou quando tinha  cinquenta e nove anos, e de lá para cá, não parou mais. Cida e sua banda percorrem várias cidades, em especial, interior de São Paulo e Mato Grosso. Canta todos os estilos, mas seus xodós são o sertanejo de raiz e a música latina. Um momento de grande emoção foi apresentar-se na famosa festa de Barretos, "meus músculos pulavam igual pipoca". Em todas as apresentações, canta um hino de louvor a Deus. Costuma cantar “Quão Grande és tu”. Nesse momento, muitos da plateia se emocionam. “Certo dia, após um show em minha cidade, um homem grande, forte e todo tatuado, veio falar comigo... Parecia um bebê chorando, ficou muito emocionado”. 

Para essa mulher de ideias fervilhantes, nem a pandemia foi motivo de calmaria: idealizou e pôs em prática o projeto Musicando sua Poesia, com a presença de dezoito escritores. Para ela, a maior alegria foi perceber o contentamento dos participantes ao verem seus poemas transformados em linguagem musical. Um deles, começou a dançar, tamanha era sua alegria. Outro projeto realizado durante a pandemia é o “live em família”, onde as pessoas a contratam para cantar músicas que gostam. Um  sucesso garantido é a música “beijinho doce”. Casais dançam, se abraçam, rolam beijinhos pra lá e pra cá. 

Perguntei sobre algum momento especial que a marcou, “ foi num encontro, lá no Ministério da Música, em Jaciara, no Mato Grosso. Chegando na igreja, havia na porta alguns moradores de rua. Um deles, me vendo com violão, disse que já tinha sido maestro e perguntou se poderia tocar. Ele não só tocou belamente, como me emocionou profundamente. Após, fui fazer meu show dentro da Igreja, e no meio da apresentação, vi um homem bem vestido, sorrindo para mim. Ao final, fui até ele e, para minha surpresa, era o maestro que, horas antes, estava na porta da Igreja. Esse encontro marcou  a minha vida”. 

Ao final da nossa deliciosa conversa, Cida me presenteia, cantando a música “Aleluia”. Momento divino! E eis que, esse mulherão que parece não ter medo de nada, me faz a seguinte revelação: “tenho medo do escuro, e sempre durmo com uma luzinha ligada”. Gente de verdade, é assim, tem medos bobos, e coragens absurdas!  

Sua frase: “para Deus, nada é impossível, tem que sonhar, acreditar, ter fé e agir”. (Lucas I, 37)


FILHO DA NATUREZA 


Gosto de viver nos campos

Ouvindo o cantar dos pássaros 

Gosto do amanhecer

Sentindo o cheiro de mato


Gosto de ver animais

Estrelas noites de luar

Gosto da brisa da noite

E do sol quente que esquenta a gente


Gosto de dormir tranquilo 

Ouvindo o cantar dos grilos

Gosto do alvorecer

Olhando tudo florecer


Gosto das águas dos rios

Que correm calmas cristalinas

E ver as plantas brotando

Nos campos e nas colinas


Amanheço e anoiteço 

Sempre com muita alegria 

Trabalho todos os dias não sei o que é monotonia


Olho o sol nascer sozinho 

E a noite que vem de mansinho

E a chuva que cai no chão 

É uma benção para plantação 


Eu gosto tanto de viver

Em contato com a natureza

No meio de tanta beleza 

Eu nunca sei o que é tristeza


Não me importo 

Que me chamem

De caipira ou bicho do mato

Somente afirmo com certeza

Sou filho da natureza. 


***


NOSSA HISTÓRIA DE AMOR


Quando eu te conheci

Foi num domingo

Bem no cinema

Eu fui te encontrar

Você olhou para mim

E eu fiquei

Apaixonada a te esperar


Então o filme iniciou

E sorridente me perguntou

Posso sentar-me 

Aqui do seu lado?

Já tem alguém? Ou está ocupado?


E o corpo tremia!

O que dizer não sabia!

E foi tanta emoção!

Ao pegar minha mão!

Nosso primeiro beijo!

Foi no portão ao luar!


O Cine Presidente 

Foi que marcou

Lá nossa história

Iniciou

Depois desse namoro

Veio o noivado

E o casamento

Tão esperado


Aí depois dessa união

Vieram os filhos

Netos que bom

Foi se formando 

Minha família

Cheia de amor e alegria


E o tempo foi passando

E a juventude acabando

Mas nós dois bem juntinhos

Como sempre se amando


Agora infelizmente 

Foi para sempre

Está no céu a me esperar

Nossa História de Amor...

Nunca irá se acabar...


ESTA SOU EU, por Cida Ajala:

Maria Aparecida Ajala Jesus, nome artístico Cida Ajala, cantora, compositora, integrante da Orquestra de viola Caipira, do Prenap,  filiada a Associação Prudentina dos escritores-APE, participante do Coral Santa Rita. Já se apresentou em grandes shows como, por exemplo, Barretos, 3°Festival de Chamamé, com as Galvão, Perla Paraguaia entre outras. Cida Ajala recebeu várias homenagens e premiaçãos como compositora: Nevado de oro da Argentina e também, no Brasil: arte em movimento, prêmio Benjamim Resende, Compositora Revelação entre outros.  Algumas de suas particularidades: não dorme no escuro,  tem muita fé e  é orante!  Todos gostam de suas esfihas, em especial os filhos e netos. Ama laranja e tomate e acredita que com Deus tudo na sua vida sempre  dá certo!


domingo, 3 de janeiro de 2021

A ESCRITORA POR TRÁS DA PERSONA: ENTREVISTA COM LOURENÇA LOU, POR ROBERTA GASPAROTTO



A ESCRITORA POR TRÁS DA PERSONA/01


"MINHA LIBERDADE SEMPRE FOI A LITERATURA"

ENTREVISTA COM LOURENÇA LOU


POR ROBERTA GASPAROTTO


Quando eu disse para a poeta Lourença Lou, que queria ter um bate papo com ela e falar sobre literatura, Lou me disse: "ih, sou meio bicho do mato, sei não"... Depois que esclareci que a conversa não seria uma live nem algo do tipo, mas sim uma prévia para que eu pudesse escrever sobre ela, Lou aceitou e tivemos mais de uma hora de boa prosa, naquele mesmo momento. Uma conversa informal, despretensiosa, assim como é essa poeta mineira que adora escrever, mas tem muita dificuldade em propagandear a si própria. Mal ela sabe, mas nesse espaço, faremos isso por ela. Porque Lou merece, escreve imensamente bem e adora quebrar regras, assim como nós! Cedo começou a escrever e aos treze anos de idade, enviava suas crônicas para uma rádio de Belo Horizonte, a rádio Tiradentes. Era um programa voltado para o público jovem e quase todo dia suas crônicas eram  lidas por lá. Os assuntos giravam em torno da adolescência e suas dúvidas: as primeiras paixões, o despertar da sexualidade e algo do erotismo que, anos depois, estaria presente em muitas de suas crônicas e poemas. Perguntada a respeito do que o erotismo significa em sua vida, Lou nem soube me responder, talvez porque o erotismo lhe  seja um aspecto tão natural e um componente tão presente quanto respirar. Afinal de contas, faz sentido perguntar a alguém o que a respiração representa em sua vida? 

Antes de escrever poemas, Lou escrevia crônicas em um blog, algumas de cunho erótico, o que acabou gerando retaliações por parte de algumas poetas e culminou em seu bloqueio do grupo. "É uma pena que algumas mulheres não entendam que eu escrevo para brigar pelo direito de termos uma vida sexual com a mesma liberdade dos homens." 

Se isso não se dá, ainda, na prática, Lou quer exercitá-la, e muito, em seus escritos. A  escritora recusa o título de "poeta erótica", até porque sua obra não se resume a isso. Em sua literatura cabe, com folga, temas políticos, sociais e também, metafísicos. Ao escrever sobre o que quer que seja, Lou quer provocar, pois sabe que só através de uma boa provocação saímos de nosso estado de inércia e comodismo.

Em seu primeiro emprego, aos catorze anos de idade, Lou sofreu assédio sexual de seu patrão. Escreveu sobre isso sem meias palavras e, para essas questões urgentes, ela faz questão de ser bastante clara e não usar metáforas. Lou sempre coloca a mulher no protagonismo da ação, inclusive na esfera sexual. Além disso, sabe que, para se ter prazer no sexo, antes de tudo, há que se ter espaço, inclusive, para falar sobre ele. E se é um campo em que Lou faz questão de exercer sua liberdade, é através da literatura. Quem se beneficia com isso somos nós, as leitoras e leitores dessa maravilhosa escritora, que tem a coragem de escrever sobre um tema, ainda, tão tabu: o prazer das mulheres.


abissais


nosso corpo de fêmea 

em redondilha

abre-se boca

no corpo do macho 

lambuza pelos

de onde os mamilos 

olham em timidez

nossos dentes em riste


em cordéis de epítases

as carnes das coxas

chamam nosso vértice

para o enterrar 

de fogo da espada

em recônditos desejosos

de explodir em festa

nossas fomes abissais


no corpo do homem

despudoramos

cento e tantas virtudes

e nossas intenções 

gulosas de eternizar 

o frêmito secular

de mulheres que gozam

insolentemente.

***


asperezas


há uma poeta 

aprisionada 

na mulher

a escarpelar 

suas paredes


ambas escorrem

ranhuras 

de seda 

e sedução

às estranhezas


elas sustentam 

suas amnésias


há uma mulher

aprisionada 

nos versos

uma poeta

de asperezas

viscerais


ambas se moldam

nas simbioses da língua

e entrelaçam-se

nas reinvenções 

da palavra.  

***


primícias


estas meninas-mães

mal arrancadas da infância

nasceram em ninhos de medo

mordem culpas lábios línguas 

engolem gritos de estupros 


tristes meninas

em busca de ir além

da resistência dor desamor


as meninas de amanhã

árvore de raízes entranhosas

terão útero selvagem livre

voz a desafogar suas escolhas

dentes a sugerir felinidade 


mulheres-terra 

estas meninas de amanhã

primícias de voo pouso vida.


***


ESTA SOU EU, por Lourença Lou:

Loba foi sempre como me senti. Desde quando, ainda menina, adotei meus três irmãos. Depois afiei as garras para sobreviver no mundo dos homens. Cresci por minha conta e risco. Me formei estudando à noite, fui pra sala de aula e aprendi que linguagens são vivas. A sala ficou pequena, fui administrar outras linguagens. Passei por todos os cargos administrativos de uma escola, sempre aprendendo. Fui e sou leitora compulsiva, escrevo quando a palavra não cabe em mim. E às vezes grito – mesmo que o grito seja mudo. Tenho publicados três livros de poemas e um livro de contos. Outros virão, porque a palavra em mim não fica presa.


Feminário Conexões, o blog que conecta você!

EDITAL ENLUARADAS II TOMO DAS BRUXAS

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