Desde pequenina sempre gostei do universo literário,
amava ouvir, e quando alfabetizada gostava de ler os contos de
fadas. Ficava encantada com aquele mundo mágico, e viajava com os clássicos de Perrault
e dos irmãos Grimm, onde a fantasia rolava solta, mas rolava solto também na
minha instigante meninice, um sentimento de piedade pela figura feminina. As
vezes em meus pensamentos pueris eu me questionava; Por que a Cinderela, a Bela Adormecida, a Branca de Neve e muitas outras princesas, tinham sempre que sofrer?
Só porque eram meninas?
Ah! Essas narrativas fantasiosas! Elas simplesmente reproduziram para as
nossas crianças os estereótipos femininos impostos pela sociedade patriarcal, subsidiando
a supremacia do homem sobre a mulher, criando nas inocentes cabecinhas uma
atmosfera de subserviência feminina, condicionando os pequeninos a assumirem
comportamentos e papéis tidos como corretos... Ou politicamente corretos?
...Sei lá!
O que eu nunca entendi é porque, a figura do homem nos contos de fadas, é sempre
super heroica, sempre forte, linda e corajosa, uma figura capaz de trazer
libertação e o famoso “Felizes para sempre”. Foi ouvindo e lendo os contos de
fadas que, por alguns anos, dei abrigo aos modelos femininos, que eu acreditava
que deveria seguir. Por vezes cheguei a me imaginar sendo a Cinderela,
aquela figura dócil, submissa, prendada e virtuosa. Encantava-me por aquela princesa,
incapaz de ter comportamentos rebeldes. Acreditava que para ser feliz, a mulher
necessitava ser passiva e esperar a fada madrinha (destino, sorte, forças
externas) lhe guiar até o seu príncipe, que seria a sua tábua de salvação, a sua
libertação.
Ledo engano! Perfil bloqueado 🚫
Cresci, e através das minhas vivências e experiências sociais e culturais,
desmistifiquei a varinha mágica da fada madrinha, desfiz enganos, livrei-me dos
mitos, ressignifiquei o mágico mundo punitivo e restritivo, imbuído nos
clássicos infantis.
Vigiai mulheres/princesas! Saiam do reduto!
Não sejamos Branca de Neve monitorada por sete anões, esperando o príncipe
encantado. Não sejamos a Bela adormecida, num estado de letargia
emocional e social ou a Gata borralheira esquentando a barriga no fogão. O
terceiro milênio exige que estejamos sempre na defensiva, de olhos bem abertos,
pois o príncipe virou sapo e anda dando no nosso saco. O feitiço? ah! Esse
só se desfaz com nossa pretenciosa e audaciosa magia de ser bruxa, à frente do
nosso tempo.
Em “Mulheres que correm com os lobos” de Clarissa Pinkola Estés, ela aborda
essa desmistificação do mito e do conto de fadas e traz essa restauração
da psique feminina, deturpada pelos contos de fadas. Estamos sempre fugindo dos
lobos, né isso? Nessa sociedade patriarcal violenta, somos a representatividade do
chapeuzinho vermelho. Através do livro de Clarissa Pinkola, é
possível ver a mulher emergindo do condicionamento cultural e transformando-se
em lobas corajosas e empoderadas. Eu recomendo!
Se faz necessário uma análise desses elementos que deturpam a mente das
nossas crianças, pois eles residem em uma realidade humana arquetípica,
onde se constitui oponentes comportamentos entre os seres humanos, ou seja, a
figura masculina é sempre dominante e a feminina passiva ou recalcada, tais
determinantes estão bem longe da igualdade de gênero, da igualdade
social e política, tão almejada por nós mulheres, e que ao meu ver, seria o
ápice que levaria ao desenvolvimento em todas as esferas da
sociedade. Em meio a esse machismo orquestrado por esse (des)governo nefasto e fascista,
temos que reagir, lutar e levantar a bandeira do feminismo, para que não
possamos cair em alguma página dos clássicos contos de fadas.
E por falar em luta, feminismo e conto de fadas, lembrei-me de um fato que
me aconteceu certa vez. Estava eu e uma amiga em um café
num shopping, em uma conversa bem informal, de repente ela me pergunta: Rilnete,
você é feminista? E claramente respondi; Sou! Por quê? Você, não
é? Ela timidamente respondeu; ah! Sou muito ligada no tradicionalismo,
tudo certinho, sabe. Como assim colega? Você é conservadora? Não
luta por seus direitos? Você não gostaria de ter um salário justo e equitativo?
Não gosta de fazer suas escolhas com relação às suas roupas e seu corpo?... E
claro, lógico que a resposta foi afirmativa! Ela corou, abriu a
boca em gesto de espanto e falou: Meus Deus! Descobri nesse momento que sou
feminista!
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Algumas pessoas ainda tem uma visão equivocada sobre o feminismo, acreditam que ser feminista é ser agressiva, ter aversão a homem, querer ser superior ... E por aí vai!
O feminismo é plural gente! A luta é de todos, todas e todes! Feminismo favorece homens, mulheres, trans, e independe de orientação sexual , pois o feminismo discute gênero, classe, raça e sexualidade. Não se trata de uma ideologia, é uma luta, uma análise, uma desconstrução.
Me descobri feminista desde que fui molestada por um padre aos 9 anos de idade,
claro que sempre foi na linha do feminismo branco, mas de "Menina Capricorniana
virei “Mulher Leão” e sai brigando por meus direitos, por minhas escolhas e
pelas dores que não eram só minhas. Através da poesia, das crônicas e dos textos, mergulhei fundo nas minhas inquietações femininas. Sempre repudiei o conservadorismo e o comportamento ilibado, regido por padrões machistas, então tomei como verdade que o feminismo é só um
movimento em defesa da igualdade de gênero, contra os comportamentos misóginos,
simplesmente uma luta em prol de todas/os/es.Trata-se apenas de um
desejo emancipatório, de uma fuga desse arquétipo, desse perfil de
boa donzela, exaustivamente replicado desde os famosos e clássicos contos
de fadas.
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Rilnete Melo Foto do arquivo pessoal |
Rilnete Melo é brasileira, maranhense, graduada em letras/espanhol, escritora, cordelista membro das academias ACILBRAS, ABMLP e AIML, participou de várias antologias nacionais e internacionais, autora do livro “Construindo Versos" e autora de cinco cordéis.