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terça-feira, 28 de dezembro de 2021

A ‘NEOPOESIA’ DO SÉCULO XXI



A ‘NEOPOESIA’ DO SÉCULO XXI

Por Carla De Sà Morais-Gossuin


As novas vozes da poesia:


A poesia sempre esteve viva entre nós, todavia, continua uma desconhecida do grande público. É quase um paradoxo, mas é a realidade.

Em Portugal e em outros países, também, a poesia contemporânea continua desconhecida do grande público. Raros serão aqueles que poderão citar nomes de poetas do século XXI.

A culpa, cabe também aos média que falam pouco sobre ela e, quando falam, referem-se a maior parte das vezes aos grandes clássicos. É uma pena, porque a poesia dos nossos dias além de estar bem viva, é duma enorme riqueza.

É interessante ressaltar, que, apesar de tudo, a poesia tem-se mantido numa certa dinâmica, graças às pequenas editoras que a promovem em eventos, e dão assim a oportunidade a que ela se expanda, ao mesmo tempo que revelam os seus autores. Seria de grande benefício que as suas forças se unissem para melhor divulgarem, evitando assim o esquema de arquipélago que se tem vindo a formar, porque no fundo, têm todas um público que as apoia e porque também, os lugares onde a poesia pode ser escutada, multiplicaram-se e isso dá-nos a perspetiva de viver e de sentir como a poesia vive fora das páginas. A união é importante porque a Cultura desenvolve-se de mãos dadas.

As mulheres, estão muito presentes nesta era de neopoesia, contribuindo para este renascimento poético, onde a música das palavras tem um ritmo atento ao espaço e ao tempo.

Em Novembro do ano passado, o prémio Nobel da literatura foi atribuído a Louise Glück, poeta americana. Então, sinto que estamos todos no bom caminho.

 




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segunda-feira, 20 de dezembro de 2021

ENLUARADAS: A POÉTICA DO ABRAÇO, POR ELIZABETE NASCIMENTO



COLETÂNEA POÉTICA: ENLUARADAS II (2021): UMA CIRANDA DE DEUSAS

SÓ PARA DIZER QUE “AGORA SOMOS NÓS QUE VAMOS DIZER O QUE [não] SOMOS”[1].

  

Por Elizabete Nascimento

 

Agrego ao título a afirmação de Lygia Fagundes Telles, por traduzir uma das essências que emana da coletânea de poesia de autoria feminina Enluaradas II: uma ciranda de deusas (2021)[2], com eus poemáticos que reafirmam a infinita tarefa de poetizar o mundo e não compactuam com o poder arbitrário que aprisiona a fala de todas em detrimento de uma. A obra é subdividida em quatro oráculos sagrados regidos pelas deusas da mitologia grega, conforme destaca Marta Cortezão (2021, p. 09):


O primeiro homenageia a deusa Gaia, a Mãe Terra que nos nutre e que nos revela a importância de recuperar nossa sacralidade e nos conectar com nosso espírito primitivo; o segundo, a Deusa Selene, La Bella Luna, a que comanda os mistérios de nossa natureza cíclica e do Sagrado que nos habita; o terceiro, a Deusa Lilith, a que controla os ventos e as tempestades, lutando pelos seus direitos, negando subserviência ao patriarcado; e o quarto e último oráculo que celebra a Deusa Afrodite, a que vem nos revelar a sacralidade do amor, alimentando-nos a força da luta coletiva pela sororidade, pelo amor que faz morada no colo do numen primitivo. 

Da estrutura supramencionada, mitológica e envolvente, pescamos quatro poemas para brincar com o tecido poético da criação de autoria feminina que compõe a coletânea, esse mar de águas inundado por sentimentos. A pescaria teve como critério trazer para o palco a percepção de que as palavras voam livres, entram por dentro do corpo e levantam em forma de poema para ressignificar a figura feminina no mundo contemporâneo. Por escolha trazemos os poemas na íntegra, a fim de que o leitor constate ou não as percepções descritas, até porque o objetivo aqui não é trazer o significado do poema, muito pelo contrário, é dizer que o poema tem mil faces e sugerir que você, caro leitor, encontre a sua e descubra como as palavras desses eus poemáticos falam em nós e nos afetam os sentidos. Eis os poemas:                                     

RESSIGNIFICÂNCIAS

                

Ale Heindenreich (p. 24)

 

Me reencontro nas palavras

Como o rio que corre seu curso.

Deparo-me com a cachoeira de

Águas mansas. Ora torrentes.

Escorrem no papel linha por linha

Verso por verso.

 

Permeiam as folhas do meu

Caderno vermelho.

Respingam em palavras formando

Choro, riso ou receio.

 

Caem como gotas de

Chuva desprentensiosa.

Tornam-se poças tímidas que

De mãos dadas se movem até

O córrego manso,

E de lá outra vez serei

Rio de águas renovadas.


O poema Ressignificâncias apresenta o poder libertador das palavras e como, por meio delas, o eu poemático descreve seu percurso: “Me reencontro nas palavras/Como o rio que corre seu curso”. Como algo que ultrapassa os obstáculos, vence as barreiras do tempo. Nota-se ainda, que as palavras simbolizam as águas e, estas por sua vez constituem o rio, rio que transforma-se no eu poemático, como um ciclo onde o ser humano e a natureza se entrelaçam numa rede constituinte de identidade: “E de lá outra vez serei/Rio de águas renovadas”. Há uma boniteza de imagem poética que se levanta do poema e clama por sentires múltiplo e que, portanto, não podem estar aprisionados em interpretações e/ou conceitos previamente definidos.


A PALAVRA QUE ME FALTA


Dani Espíndola (p. 71)

 

Onde se esconde

A palavra que procuro

A que me estancará as feridas

Me guiará no escuro

Que é viver só de vontades

De inventar realidades

Onde estará a palavra

Que me falta

Para terminar o poema

A palavra que condena

E liberta

Impunemente

Onde se esconde

A palavra

Que me desmente.


Ainda no seguir a tessitura da rede iniciada pelo poema Heindenreich, A palavra que me falta – de Dani Espíndola, metaforicamente também apresenta a incompletude da palavra e do ser, ambos em via de fazer-se: “Onde se esconde/A palavra que procuro/A que me estancará as feridas”. Por mais que a procura seja incessante, sempre haverá uma lacuna para ser preenchida. Essa artimanha do signo verbal lembra-me Carlos Drumonnd de Andrade: “Trouxeste a chave?”. Espíndola apresenta um eu poemático consciente de suas limitações e vontades, à procura da palavra definitiva, que contraria o eu poemático e que, ao mesmo tempo, possa completá-lo: “onde estará a palavra/Que me falta/Para terminar o poema/A palavra que condena/E liberta/Impunemente./Onde se esconde/A palavra/Que me desmente.”

Ao considerar o exposto, o eu poemático de Espíndola enche-se de questionamentos a respeito da completude da palavra como se sabedor de que “um escritor pode amontoar frases e mais frases, adjetivos e mais adjetivos, para capturar a essência esquiva de alguma coisa. Mas, quanto mais usa a linguagem para descrever um personagem ou situação, mais tende a soterrá-lo sob uma montanha de generalidades” (EAGLETON, 2019, p. 63)[3]. Nesse sentido, ainda de acordo com o autor, na e pela palavra, podemos fazer sangrar tudo que existente aprisionado em nós e, é por esse motivo que a poesia: “não trata apenas do sentido da experiência, mas também da experiência do sentido” (EAGLETON, 2019, p. 196).


CHÃO ANCESTRAL


Margarida Montejano (p. 148)

 

Às vezes, mora em mim uma loba

 que uiva como louca quando sente que o perigo ronda.

Defende a cria, sobe as paredes e as unhas afia.

Mora em mim, às vezes,

uma ovelha desgarrada de olhos mansos

que tece, nas rugas do tempo  e nos fios de lã,

 o cachecol do dia que aquece nossas noites insanas.

 

Às vezes, mora em mim

uma bem-te-vi que vive a cantar a esperança.

Que não desiste. Insiste no voo que aquece o ninho.

Enfim, mora às vezes em mim uma louca,

que grita insana nas noites insones, que existir é muito mais que viver.

Que eu posso ser amarga, azeda,

macia, árida e áspera, sem deixar de ser doce.

 

Que eu possa ser lua, estrela, constelação.

Deusa, musa, menina, princesa e bailarina.

Posso ser meretriz, caipira, doutora do lar, poeta e atriz...

Habita dentro de mim um ser inconcluso,

Confuso, difuso, mas tomado de essência divina

Sábia, intuitiva, santa e humana inconformada!

Mora em mim um anjo sagrado e profano,

Uma boneca de pano que às vezes me chama e me diz

 - você é o que você quiser!

Sorrio de mim, requebro e sigo, agora na versão mulher.

 

Chão ancestral, de Margarida Montejano, exibe o movimento das diversas identidades da figura feminina que busca na complexidade das relações viver com intensidade seus paradoxos: “Habita dentro de mim um ser inconcluso,/Confuso, difuso, mas tomado de essência divina/Sábia, intuitiva, santa e humana inconformada!”. Um eu poemático consciente da potencialidade da alma humana que caminha por múltiplas direções: “Que eu possa ser lua, estrela, constelação./Deusa, musa, menina, princesa e bailarina”. Ou seja, capaz de ultrapassar as linhas da objetividade e peregrinar pelo campo da ficção. Nesse sentido, é interessante atentar para o fecho do poema: “Sorrio de mim, requebro e sigo, agora na versão mulher”, como o ser livre e múltiplo estivesse apenas na palavra porque o ser mulher, nessa sociedade, exige o cumprimento de regras, de imposições que limita seus fazeres.  

Ao dizer o que queria no poema, o eu poemático afasta-se do texto, segue a vida real, na versão mulher. Nesse sentido, convoca-nos à necessidade de olhar para o texto, deixar-se ser provocado por ele, pois: “A linguagem em poesia é uma realidade em si mesma, e não um mero veículo pra algo diferente dela. A experiência que importa é a experiência do poema. As ideias e os sentimentos pertinentes são aqueles que estão ligados às próprias palavras, e não a algo dissociável delas” (EAGLETON, 2019, p. 142).

A batalha da produção de autoria feminina é ser (re)conhecida em suas diversas facetas e qualidade de sua produção, embora já tenha algumas conquistas é preciso seguir em frente, pois segundo Octávio Paz (1954): “A liberdade do escritor não é algo abstrato, mas algo que se conquista dia a dia. Em sua obra, em seu trabalho, melhor dizendo, de revelação do homem, o escritor deve lutar contra todo tipo de limitações e imposições. Alguns pessoais e outros externos”[4]. Ainda recorrendo a Paz, vale destacar que a essencialidade literária consiste em descobrir e revelar parte do ser humano, no que ele tem de mais específico, além disso, o autor destaca que técnicas adotadas por um ou outro autor(a) podem até influenciar o caráter das produções, mas não alteram o seu valor.


SINA


 Vania Clares  (p. 199)

 

de muitas herdei pudores

e desígnios acumulados,

as células carregam dores

por caminhos atribulados.

Custei a entender essa trama

Tecida através dos séculos,

Vista por muitos como drama,

Os iguais assumidos vínculos.

Revivo a história dia a dia

Nos olhos de outras mulheres

E reconheço em todas a ousadia

De fazer valer os seus saberes.

Condensamos a força deferida,

a que rasga imperiosa o ventre,

Lembramos sem medo a ferida,

Afrontando o risco de estar entre

Aqueles que nos desconhecem.

E porque somos amor e doação

Damo-nos as mãos em sintonia,

Colhendo na luta a inspiração,

Prevalecendo o milagre da poesia.

E porque entendi como privilégio,

Exulto em canto a sina em sagração,

Em mim encontrarás eterno refúgio,

Em nós o cerne da vida em ebulição.

 

Observem que o último verso do poema Chão ancestral dialoga com Sina, de Vânia Clares que, com seu jeito peculiar, poetiza o percurso da figura feminina no decorrer da história, bem como, destaca a ancestralidade, com alguns episódios que se repetem e fazem eco no mundo contemporâneo. Invoca ao poder do trabalho coletivo para “pular o cerco”: “E porque somos amor e doação/Damo-nos as mãos em sintonia,/Colhendo na luta a inspiração,/Prevalecendo o milagre da poesia.” No poema Sina percebe-se o tom metafórico para que a mulher vá à luta, aprenda as lições deixadas por seus antepassados, toque na ferida como bandeira de redenção e, dessa forma, passa a incomodar àqueles que desconhecem a legítima voz de quem aprende com a própria história. Nos dois últimos versos há a profunda e necessária relação entre o eu e o nós como constituintes do processo de criação poética: “Em mim encontrarás eterno refúgio,/Em nós o cerne da vida em ebulição”. Uma mulher que reconhece o limite de sua individualidade e ao se reconhecer compreende-se também como um ser híbrido e, portanto, em contínuo processo de aprendizagens com as outras: “E porque somos amor e doação/Damo-nos as mãos em sintonia,/Colhendo na luta a inspiração,/Prevalecendo o milagre da poesia”. Terry Eagleton (2019) diria que o eu-poemático, na produção dessas mulheres, “surge como metáfora da natureza e povoada de fantasias da vida humana real” porque quem carrega os sonhos somos nós, humanos.

A busca incessante por liberdade percorre os poemas, de modo que metaforicamente a figura feminina concebe a escrita/palavra, como personificação de si mesma, pois:

Sua memória corre fluída no texto, embaralhada nos tempos vividos que se fundem na emoção do recordar/viver. Saberes e sabores dos mais diversos se fundem em sua escrita seivosa. Escrita sinuosa de contador-de-histórias que vê a aventura humana enredada em seus mil caminhos e veredas que se cruzam, entrelaçam e se separam. Nenhuma vida existe por si só, mas enovelada, determinada, abortada ou frutificada por outras vidas que a ela estão presas por invisíveis e irredutíveis fios. (COELHO, 1993, p. 320).

São vidas filtradas pelos sentimentos e pelos conflitos de quem, até pouco tempo, eram negados o direito à voz/escrita. Octávio Paz legitima essa proposição ao destacar que “O poema é um objeto único, permeado por uma técnica específica de cada poeta, a qual possui um estilo específico, marcado tanto pelo individualismo de seu criador quanto pela sua época, estilo literário de seu tempo e vivências sociais e históricas”[5].

Nesse ínterim, retorno ao título dessa abordagem: “agora somos nós quem vamos dizer o que somos”, trata-se de um chamamento à leitura da produção de autoria feminina, porém, sabedora de que muito pouco ainda está sendo e será dito, sempre com a palavra em falta nesse chão ancestral escrito pela diversidade que solicita coragem no mar de ressignificâncias que engendra a epifania do ser e/ou a imprescindível mudança dessa sina da mulher. Ressalto que: “a melhor maneira de ver uma obra literária não é como um texto com sentido fixo, mas como matriz capaz de gerar todo um leque de significados possíveis. Mais do que conter significados, a obra o produz” (EAGLETON, 2019, p. 149).

Finalizo, por ora, destacando que os poemas selecionados foram produzidos em primeira pessoa, por mulheres, talvez para que observem a transfiguração engendrada pela memória e pela arte como um apelo para que olhem de novo, de outro jeito a produção de autoria feminina, com corpos e almas que nos contrários se edificam, linguagens cingidas na experiência e nos sonhos rotineiros que, em sua maioria, recusam a linguagem burilada, às sintaxes consagradas e se levantam no jeito particular e, ao mesmo tempo, coletivo desmanchados na/pela escrita que eleva imagens e sensações plurais.

 


[1] TELLES, Lygia Fagundes. Ciranda de Pedra. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1996.  “Sempre fomos o que os homens disseram que nós éramos. Agora somos nós que vamos dizer o que somos”.

[2] CORTEZÃO, M.; CACAU, P.; Coletânea Enluaradas II: uma ciranda de deusas. São Paulo: Saravasti, 2021.

[3] EAGLETON, Terry. Como ler literatura. Porto Alegre: L&M, 2019.

[4] PAZ, Octavio. Fragmentos de uma entrevista à Rosa Castro, México/La Cultura, 1954.

[5] https://homoliteratus.com/poesia-e-poema-sao-sinonimos-nao-para-octavio-paz/




sábado, 11 de dezembro de 2021

NAS TEIAS DO POEMA XIV: ENLUARADAS E A POÉTICA DO ESPAÇO



 

NAS TEIAS DO POEMA XIV: ENLUARADAS E A POÉTICA DO ESPAÇO

                    Por Marta Cortezão

As artes e a literatura são importantes e precisam ser incentivadas porque oferecem beleza e, também, espaço de reflexão sobre as desigualdades sociais e as injustiças que nos cerceiam. São ferramentas para sonhar um mundo melhor.

{Regina Dalcastagnè, em entrevista à Revista Tantas-folhas}

 

Durante os dias 03, 04 e 05 de dezembro/2021, o Movimento Literário Feminino Contemporâneo realizou o 1º FLENLUA, o Festival Literário de Lançamento Enluaradas, onde celebramos a Deusa Palavra Viva em estado de alquimia poética: o livro Coletânea Enluaradas II: uma Ciranda de Deusas (Sarasvati Editora, 2021). O 1º FLENLUA fortaleceu a filosofia enluarada de que somos um coletivo, onde nós, escritoras contemporâneas, construímos um “espaço de reflexão” para pensar a palavra, o nosso fazer literário,  a nossa condição feminina, os porquês de nossas inquietações, a arte como um todo e “as desigualdades sociais que nos cerceiam”.

Hoje, o episódio 14º do Nas Teias do Poema quer falar de nosso fazer literário, tendo como pano de fundo várias das reflexões feitas pelas autoras enluaradas no 1º FLENLUA; reflexões que nos fizeram/fazem mergulhar na importância de nós, autoras contemporâneas, nos reconhecermos também pensadoras de nossa arte, vez que tomamos consciência de que o maior poder que temos é saber quem somos; somos mulheres, poetas que comungam da poética do abraço, da utopia de um mundo melhor. Somos a continuidade de todo um Sagrado Feminino que nos precedeu e nosso instrumento de luta é a palavra. Deixo, a seguir, um pequeno recorte do que nos disseram (durante o 1° FLENLUA) as poetas enluaradas sobre este Movimento Literário Feminino Contemporâneo, o Enluaradas:

“trazer cada vez mais mulheres para a escrita, para a publicação, segurar na mão, cirandar [...] é parte bastante importante da militância feminista que, para mim, é uma forma de estar no mundo [...] A nossa situação como mulheres é complexa (digamos assim, para não dizer triste), no mundo inteiro. Todo o espaço que a gente tem é um espaço ganho, é lutado, nada nos é dado e nada continua a não ser pela nossa luta. [...] Este é meu lugar de mulher, é o lugar de todas as mulheres. Quem não for feminista que não use calça comprida, que devolva o passaporte, que devolva a carteira de motorista, que não vote, porque tudo é fruto desta luta.”

{Maria Alice Bragança (RS), Abertura do FLENLUA, 03/12/2021}


“O que eu percebo nesse grande movimento, em que as mulheres, sobretudo nesse processo criativo da literatura, das artes, é essa necessidade de se colocar mesmo como protagonistas. Eu percebo neste projeto essas dimensões muito atadas, muito “dialogizadas”, que é a questão do estético, dessa procura do processo criativo, inovador, constitutivo e também a questão social, ética, moral, no momento de distopias, de isolamento, de pandemia, de refluxos, de bandeiras do social.”

{Isa Corgosinho (PB), Abertura do FLENLUA, 03/12/2021}

 

“Estou aqui para falar com que força surgiu esse movimento, porque ele já nasceu empoderado e empoderando [...] E de poetas, num estalar de dedos, nós viramos deusas, as deusas da poesia. E isso mostra o quanto o Projeto Enluaradas veio para nos fortalecer nesse meio literário, para fortalecer a nossa escrita e a nossa poética.”

{Marina Marino (SP), Abertura do FLENLUA, 03/12/2021}

 

“Talvez a gente nem tenha noção do que é que nós estamos fazendo dentro desse coletivo, agora uma coisa eu tenho certeza, ele veio para fazer a diferença, eu não estou falando de vaidade, eu estou falando de necessidade da gente buscar sim o arquétipo dessas deusas que há muito tempo adormeceu [...] (O Projeto Enluaradas) vem com afetos, as inclusões, os acolhimentos e traz à tona a poética que nos habita. É um trabalho bem socrático, a maiêutica que reconhece que você tem dentro de você o conhecimento, só precisa de alguém para ajudar nesse parto de luz.”

{Janete Manacá (MT), Abertura do FLENLUA, 03/12/2021}

 

“Estou muito feliz por fazer parte deste movimento [...] (que) tem levado o trabalho de todas nós, conhecidas, desconhecidas, sem distinção. Isto é realmente o que eu chamo Literatura, que é dar oportunidade a todas, não só a uma parte, como se considera a elite,”

{Ana Mendes (Suíça), Abertura do FLENLUA, 03/12/2021}

 

“Lembrei da menina mulher que fui e quanto faria a diferença se eu tivesse encontrado mãos acolhedoras e agregadoras como nós temos agora e, para mim, não foi só um livro a mais, eu recebi a certeza de que é possível um mundo novo onde cada mulher, assumidamente poeta, entende o que é entrar numa ciranda, dar as mãos [...] dividindo a força, e todas sem medo de expor sua fragilidade e grandeza nesse universo de poesia”

{Vania Clares (SP), Abertura do FLENLUA, 03/12/2021}

 

“Eu sinto que eu pertenço à essa família, que eu encontrei o meu lugar, poeticamente falando, e isso é tão raro hoje em dia [...] não sei se elas (Marta e Cacau) têm a dimensão da história que elas estão fazendo na arte contemporânea, mas elas estão deixando um legado pós-moderno, reunindo o que há de melhor das escritoras que compõem esta coletânea.”

{Aline Galvão (AM), Mesa 1 do FLENLUA, 03/12/2021}


“A luta só começou; a gente já consegue votar, já consegue dirigir, já consegue escrever com nosso próprio nome, mas ainda tem muito que se lutar, e os nossos espaços vão ser ocupados por nós e pela próxima geração porque uma hora nós também seremos legado da próxima geração.”

“Não quero a literatura só para mim, eu preciso de um coletivo, eu preciso de mulheres que girem comigo, eu preciso de mulheres que tenham esse sentimento de não querer a literatura só para si, as oportunidades só para si.”

{Patrícia Cacau, Mesa 2 do FLENLUA, 04/12/2021}

 

“Esse projeto [...] me diz muito, me diz demais. Eu também me confesso não feminista, no sentido mais ativo dessa palavra, mas porque eu acho que não me foi dada essa oportunidade que eu vim a ter quando conheci esse projeto. Isso para mim representa muito”

{Dalva Lobo, Mesa 2 do FLENLUA, 04/12/2021}

 

“A palavra Ciranda tem tantos significados, assim como passagem do tempo, aquilo que vai passando, o transcurso dos dias, na ciranda dos dias. E a primeira acepção da palavra, se você vai para o dicionário [...] ciranda é uma peneira grossa que serve para joeirar, separar os materiais, as impurezas [...] Eu acho que nesta Ciranda com tantos significados, nos faz tirar as impurezas da vida, aquilo que não serve mais [...] que caia por terra”

{Rosangela Marquezi (PR), Mesa 2 do FLENLUA, 04/12/2021}

 

“Nós sabemos que exclusão é uma questão de patriarcado, segregação é uma questão de patriarcado, concentração de riqueza é uma questão de patriarcado e nós precisamos, mulheres, todas nós somos maioria, ter consciência do nosso papel. É muito importante essa consciência começar a explodir dentro de nós e nos fazer realmente participativas e transformadoras [...] Que as mulheres pensem muito, repensem, estudem, participem de lives, penetrem mesmo na discussão política tão em voga e que veio à tona com uma força muito grande depois do golpe que vivemos, para que vocês votem certo, conheçam seus candidatos, se aprofundem na política. Tudo é também uma questão política [...] A poesia é uma ferramenta de transformação [...] é uma ferramenta política.”

{Teresa Bendini (SP), Mesa 4 do FLENLUA, 04/12/2021}

 

“Eu trabalho com a temática das mulheres há mais de 20 anos [...] e me encontrar com esse projeto (Enluaradas), para mim foi assim uma luz mesmo no meu caminhar, porque essas produções coletivas de mulheres, elas oportunizam um conjunto de vozes silenciadas. Nós somos tantas mulheres que, individualmente, não conseguiríamos publicar [...] essas escritas que são revolucionárias e aqui eu quero retomar, na minha fala, a fala de nosso amigo Sidnei que acho que foi muito propícia mesmo, toda vez que uma de nós constrói um verso, compõe um verso, grita esse verso para a humanidade, uma algema do patriarcado se quebra porque nós, mulheres, trazemos a revolução na nossa poesia, nas nossas vozes, somos nós com os nossos poemas, com a nossa sensibilidade que vamos construir um mundo mais humano.”

{Heliene Rosa (MG), Fechamento do FLENLUA, 05/12/2021}


           E para o Nas Teias do Poema de hoje, teremos a alegre e poética companhia das poetas enluaradas:

NELI GERMANO reside em Porto Alegre/RS/Brasil. Arquivista aposentada. Curso Superior (Incompleto) em Letras e Serviço Social pela ULBRA Canoas/RS. Participação em oito antologias, poemas publicados em jornais e revistas alternativos de cultura (Gente de Palavra, Entreverbo e Todas Escrevemos) e tem um livro solo, Casa de Infância. Integra o Coletivo Mulherio das Letras.

CARLA GOSSUIN-AZEVEDO é Luso-Suíça, nasceu em Angola, passou por Portugal, mas é a Suiça há mais de 25 anos o seu país de adoção. Embora escreva desde a adolescência, é somente a partir de 2015 que entra no universo literário nacional e internacional, tendo participado em mais de 50 antologias. Foi premiada várias vezes pelos seus trabalhos. É Diretora-adjunta da Helvetia Edições. Assina os seus trabalhos com o pseudónimo de: CARLA DE SÀ MORAIS. 

PATRÍCIA CACAU, atualmente vive em Fortaleza/ CE, é empreendedora e ativista social, incentivadora do Mulherio das Letras Ceará, Áustria e União Europa. Escreve desde a adolescência, sua escrita nasceu no coletivo Mulherio das Letras Europa. Idealizadora do Projeto Enluaradas. Participou de coletâneas/antologias no Brasil e Europa. Livro individual Quintais (In-finita/PT, 2020). 

MARTA CORTEZÃO nasceu em Tefé/AM, mas mora em Segóvia/ES desde 2012. É escritora, poeta, tradutora, trovadora, ativista cultural, idealizadora dos projetos Enluaradas e Tertúlias Virtuais. Tem obras publicadas em antologias, tanto nacionais como internacionais; Livros de poesia Banzeiro manso e Amazonidades: gesta das águas (Penalux, 2021).

Aguardamos você lá! E não esqueça de que pode baixar nossas coletâneas clicando nos links abaixo:

 

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quarta-feira, 8 de dezembro de 2021

A PALAVRA, A POESIA E O FEMININO DE TUDO: ASSIM SOMOS

 


A PALAVRA, A POESIA E O FEMININO DE TUDO: ASSIM SOMOS


 Por Margarida Montejano


Mar.. mar.. maravilhoso artigo da divina Elizabete Nascimento, publicado neste Feminário, que brota após a experiência das belas mesas enluaradas!

Um mar de palavras, sentidos e conexões! Um mar que guarda as águas calmas,  bravias e serenas das mulheres do nosso tempo, revestidas de tantos outros tempos.

Pensei no femino-masculino que Bete descreve!

Pensei na força da Deusa Selene! Nos movimentos que provoca no mar. Na palavra mar.

Ilustração Deusa Selene de Daniel Firmino - danielbrafir@gmail.com - para a Coletânea II: uma Ciranda de Deusas (Sarasvati Editora, 2021)

Pensei no mar de Neruda e na sua mãe Rosa Basoalto! Pensei na peneira que carregava água, de Manoel de Barros e, em Alice Pompeu, sua mãe. Voltei a  ler o artigo “O abismo sublime das enluaradas: a poética do abraço” no Feminário Conexões, e  novamente pensei em Neruda. Mergulhei no seu mar. No mar de palavras  e nas ondas da escrita reordenei as ideias e refleti sobre  as mulheres e homens que se arvoram a escrever. Pensei nas mães, avós e nas tantas antepassadas que nos constituíram e nos constituem. Pensei no que somos.

Lembrei-me, madrugada adentro, de Carlos Drummond de Andrade, de Gabriel Garcia Marques, Chico Buarque, Paulo Freire, de Adelias, Cecílias, Rutes, Martas, Patrícias e as tantas Marias que somos.  Pensei em suas mães, em nossas mães, avós, irmãs,  filhas,  tias, primas e amigas!

Que constatação me bateu, poetas?

Que neste mar de linguagens e poesia que culmina no universo femino-masculino, há sempre uma mulher. Uma grande mulher! Ah! Não fosse essa inspiração…! Essa parte feminina tão presente neles e em nós!

Eis aí a experiência da vida em Gaia nos provando que a mãe é mulher. Que a palavra é mulher! Que a vida e a gestação de tudo  é mulher.

Ilustração Deusa Gaia de Daniel Firmino - danielbrafir@gmail.com - para a Coletânea II: uma Ciranda de Deusas (Sarasvati Editora, 2021)

Meio dormindo-acordada, pensei no infinito amor, que faz germinar, nascer, crescer  e que, constitui a beleza de tudo o que há debaixo do céu, no fundo das águas e acima da terra. No  feminino em canção!

Daí a beleza das coisas. Daí a poesia da vida, me provam as Enluaradas!

Somos, pois, reflexos da Grande Senhora que passeia nas Brumas… Somos, na festa da natureza, a fertilidade do solo, as mulheres que correm com lobos. Que uivam e se transformam em defesa da cria e da criação de si. A feitiçaria da poesia que brota de nosso ser!

Somos a natureza divina e, em essência, somos a nossa ancestralidade.

Nas coletâneas Enluaradas e no mar de poesias desse coletivo feminino me vi no 1º FLENLUA… Me encontrei nua, banhando nestas águas que me mostram, como diz Elizabete em seu artigo recheado de beleza, que sou una e múltipla.  Assim, as águas deste mar de escritas e de vida  fazem com que eu me sinta mulher valorosa, empoderada da palavra e da possibilidade de senti-la, de escrevê-la e de dizê-la. Livre! Fazem com que eu assim,  “seja”!

Mas… só “sou” com vocês. Assim somos neste coletivo constituído de outras mulheres Enluaradas de hoje, de ontem e do amanhã.

*_*    *_*    *_*

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Conheça o projeto N'outras Palavras, de Margarida Montejano. 



 


segunda-feira, 6 de dezembro de 2021

O ABISMO SUBLIME DAS ENLUARADAS: A POÉTICA DO ABRAÇO, POR ELIZABETE NASCIMENTO

 



O ABISMO SUBLIME DAS ENLUARADAS: A POÉTICA DO ABRAÇO


 Por Elizabete Nascimento


A trajetória de vida de cada autora desta coletânea nos interessa, nos faz crescer, nos fortalece, porque toda voz que paramos a escutar se mistura a tantas outras e nos faz mergulhar, de forma particular e especial, no profundo rio da Consciência Feminina, numa conexão que vai além do humano, alcança esferas divinas outras, nos abraça, nos comove e nos enche de inspiração e paixão pela vida.

              {Marta Cortezão}

 

Pretendo apenas esboçar um desenho do movimento literário das Enluaradas, uma colcha de retalhos/mosaico, figuração das faces desdobráveis da figura feminina contida na obra Coletânea Enluaradas II: uma ciranda de deusas (2021), conduzida pela observação de que as letras podem alçar voos, regar os jardins das humanidades e, quem sabe impulsionar a escrita da mulher, de modo a plantar utopias e destilar sonhos. A coletânea conta com a participação de mulheres que residem em diversos países, como destacado no prefácio da obra, trata-se de: “[...] um movimento histórico de resistência feminina que surge das/nas margens do cânone, cuja prioridade é contribuir para a consolidação da mulher no espaço literário, divulgando a literaturas de autoras da contemporaneidade”. (CORTEZÃO, 2021, p. 08-09).

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A seguinte frase de um vídeo no facebook, dita por um homem, instigou-me à reflexão: “temos que ler mulheres porque são boas, tem qualidade, não porque são mulheres”, não pretendo discordar, muito pelo contrário, almejo, quem sabe, apenas levantar alguns questionamentos para que possamos refletir sobre o lugar/espaço da mulher na cena contemporânea: quais são os sentidos de “boas e/ou de qualidade” adotados pelo olhar convencional? Como nós olhamos/sentimos a produção de autoria feminina? Como se deu o percurso histórico/literário da mulher na trajetória da produção escrita, especialmente no âmbito da literatura. E, ao considerar, essas proposições ainda questiono: como podemos, se é que é possível, conceituar “boas” e ou “de qualidade”, sem antes realizar uma leitura criteriosa da produção?, e acrescemos ainda, “por que esconde seu bigode/na lâmina afiada dos julgamentos?” (B. Raquel, 2021, p. 175), se “sei apenas que, de tempos em tempos, me faço rosa/e nutro meus sonhos, de amor ou de vento”. (MARQUEZI, 2021, p. 184) e que “cada portal que se abre a outras dá passagem!” (PINHEIRO, 2021, p. 185).

Os questionamentos supramencionados vêm ao encontro das abordagens das mulheres que participaram do Primeiro Festival Literário de lançamento da Coletânea Enluaradas II/FLENLUA-2021, mulheres que enfatizam o poder inenarrável da poesia e ressaltaram que a mesma as salvaram de momentos de medo, de angústia, de desespero, de alegria, de saudade e de si mesmas porque permite sonhar, caminhar por outros espaços e fazerem-se livres das amarras patriarcalistas.

Pensar a produção de autoria feminina a partir da coletânea consiste em descobrir os sentidos provenientes da arte de enlaçar sorrisos, versos e prosas, a partir da essência de mulheres que versam sobre suas (re)existências e, o melhor, mulheres que contam com a generosidade de umas com as outras, no sentido de serem autoras e leitoras, num círculo que aprofunda/tece, cada vez mais, a efetiva rede da sororidade.

Em As enluaradas, a poesia desprende da pele feminina e a questiona, alfineta e provoca-a a romper com o medo e com a insegurança para entrar no círculo e compor as engrenagens da ciranda poética, como um veículo mágico que permite transitar por vários espaços ao mesmo tempo, ocupar lugares que são e/ou que deveriam ser de tod@s. Ela aponta para o que está oculto/silenciado e/ou abre caminhos que precisam ser descobertos/contemplados. Constata-se que a poesia torna-se parte essencial da vida, com quem é possível confidenciar as dores e as alegrias, estabelecer uma relação amorosa que espalha sementes, pois “ser invisível não basta/preciso penetrar no impenetrável/e de lá fazer o necessário./[...] cega de sentidos/religo os pontos/dessa infantil brincadeira” (TIMM, 2021, p. 130). Aqui nos reportamos ao olhar crianceiro tão trabalhado na produção do poeta mato-grossense Manoel de Barros, ou a ver as coisas sempre como se estivesse contemplando pela primeira vez, como diria Fernando Pessoa.

A luta é, cada vez mais, necessária e urgente, não podemos retroceder, no entanto, ir avante necessita da força de nós por nós mesmas, no sentido de darmos crédito a essas produções, de juntas legitimarem nossas vozes, rasgar o cerco e conquistar espaço. É preciso nos desafiar todos os dias, na busca incessante do que acreditamos e, ao mesmo tempo, muitas vezes, nem sabemos ainda em que acreditamos, porque a vida não vem feita, é constituída de relações, que surgem todos os dias e nos indagam a todo o momento: quem somos? O que desejamos? Assim, vamos sem data marcada, não sendo... mas, por outro, lado; querendo ser. É desse desejo vivo e fecundo, que tiramos a seiva para nos manter em constante busca por superação dos limites que nos impõem para que outras mulheres possam também ir além, acreditar em si mesmas e vencer alguns obstáculos.

Vale compreender que: “[...] Somos o ventre do mundo/[...]Temos o poder que ousamos suspeitar./[...] Somos Mulheres!/A máquina da criação! Criamos tudo.../E ainda poesia para alegrar nossos dias./E quando nos sobra tempo somos apenas mulheres! (CACAU, 2021, p.171). Essas palavras estão encharcadas da intensa, profunda e específica experiência de mulher porque traz a identidade plural da alma feminina no que ela tem de mais sagrado, o poder inenarrável da gestação - “o mistério da criação habita em nós”, é algo inegável, está intrínseco no corpo da mulher - “a magia da vida”, a fina flor que perfuma todos os corpos - somos únicas e plurais. É desse lugar de mulher que falamos, que poetizamos a vida e, penso que raramente, “somos apenas mulheres!”. Com isto sendo dito, não queremos menosprezar a produção de autoria masculina, muito pelo contrário, mas lutar por equidade, conscientes dessa nossa tarefa ética e moral, lembrando de que, como disse Mário Quintana: “quem faz um poema abre uma janela/Respira, tu que estás numa cela abafada, esse ar que entra por ela,/[...] quem faz um poema salva um afogado”. 

Necessitamos do ar que entra pela janela, poetizado por Mário Quintana e, precisamos também, do vazio de Dilercy Adler (2021, p.75) porque a poesia nasce de vazios preenchidos por significações líricas que surpreendem e permitem o vi/ver que há uma mágica fusão do eu com o tu, aberta a um mundo alheio à racionalidade porque faz sonhar, caminha pelo campo da subjetividade: “cheio de ausências/e de lágrimas sentidas”. Ou ainda porque é urgente uma “Polinização por afeto [com a qual] nos meus poros/Quando tu depositas tuas estimas/Germinam-se jardins” (IANCOSKI, 2021, p.123). Portanto, “livrai-nos da crença cega/nenhuma figueira nasce cega” (GERMANO, 2021, p. 170).

Se formos à pesquisa sobre a produção feminina podemos constatar que esta surgiu de um parto bastante moroso e complexo. Ao ouvirmos as autoras da coletânea, o processo de autoria, da maioria dessas mulheres, também foi uma gestação, muitas conviveram com seus escritos por muito tempo antes de vir a publicá-los, ouvindo-as lembrei-me das palavras de Carlos Drummond de Andrade: “não forces o poema a desprender-se do limbo./não colhas no chão o poema que se perdeu./não adules o poema./aceita-o/como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada no espaço.

A coletânea: Enluaradas II, pretende coroar um tempo em que se vive o presente correndo por cima dos trilhos, pelas curvas, pelos declives, pelos abismos e pelos precipícios, como Voyeur das nuances da paisagem porque gosta é da vertigem (DIPP, 2021, p. 142), pois: “Assim, enquanto sou/encontro a mim e ao que me toca/às margens sinuosas deste rio” (BAUMGARTEN, 2021, p. 140). A vida constitui o rio que somos, portanto, “[...] Aquilo que flor, arco-íris/eu serei, nos hiatos, majestade!” (RABELLO, 2021, p. 135). “e pelas chagas das minhas mãos/passam mensagens do futuro” (SAVIO, 2021, p. 132).

A palavra não tem destinatário certo e não pode estar restrita apenas a um emissor, somos plurais e, portanto, também produzimos sentidos plurais sobre o que vemos, lemos, ouvimos e sentimos. Conceitos e afirmações são movediços e precisamos descobrir que: “As estrelas e mariposas/brilham cada uma, do seu jeito/ E eu, poeto a alma da noite/aqui, no lago do meu leito” (MARY, 2021, p.100), pois “viver entre palavras era/[é] a única boia nesse mar de incertezas” (SAVIO, 2021, p. 131). Não somos nós quem degustamos das palavras, são elas quem nos queimam a pele:

 

Corpo nu

 [Marta Cortezão]

Tateio o corpo nu da palavra

buscando tua bronzeada tez...

na solitária barca noturna

de sonhos e tolos devaneios

esfrego-me no verbo amar

com sede de conjugações carnais

sucumbo no sexo das palavras...

oh! A língua de Camões me abrasa

o âmago profundo do prazer

sêmen(te) que embriaga

quando goteja fecunda

e explode no branco do papel:

orgia poética de palavras!

 

Essa dimensão erótica e sedutora da relação do eu-poemático com as palavras nos reporta ao poema Sedução da Adélia Prado: “A poesia me pega com sua roda dentada/[...] Me abraça detrás do muro, levanta/ a saia pra eu ver, amorosa e doida”. Assim ressalto, tal qual Adélia, que a poesia é hermafrodita e, estas que compõem a Coletânea Enluaradas II são escritas por mulheres e desejam ser fecundadas por todos, para que juntas, possam romper com o silêncio, subir no palco, protagonizar histórias, virar os holofotes e desafiar a lógica social.

Permanece, tanto no poema de Marta Cortezão, quanto em muitas outras páginas da coletânea, a possível relação entre o eu e o tu, imagens que, de certa forma, conduz ao fortalecimento de uma identidade po-ética e plural, capaz de germinar outras. Portanto, “[...] respira fundo e voa/que o teu limite é infinito/ que o teu coração é o mar” (MONTEJANO, 2021, p.147) e “há sempre o que se ganhar/ao paralisada não ficar” (LIMA, 2021, p. 146). Afinal, “[...] talvez, em um futuro/ distante, alguém compreenda que a beleza/é um espelho de muitas faces” (VELOSO, 2021, p. 101).

A obra em destaque apresenta a poética de mulheres, com “desejos e feituras/que alimentam a fome” (NASCIMENTO, 2021, p. 88), no sentido de que são versos carregados de levezas que miram o recomeço (LAGO, 2021, p. 86), a busca incessante por equidade, por solidariedade, por empatia e/ou surgem na ânsia de que percebam as “insignificâncias a desfilarem/ nos dias de chuva” (QUEIROZ, 2021, p. 181) e/ou “os versos curadores/curandeiros de mim” (ALMEIDA, 2021, p.168) que nos apontam que “[...] entre os espaços das paredes, lagartas e feras se entranham/A algumas damos lábios. A outras, mistério./Mulher, quando nos cingimos entre paredes,/a larva dá voo à palavra, onde nos reconhecemos” (GERMANO, 2021, p. 169). E, assim, podemos deixar “pegadas perfumadas com cheiro de absinto” (MOTA, 2021, p. 89) porque “no silêncio e nas palavras,/a mensagem grita” (CLARES, 2021, p. 201).

Finalizo, por ora, ressaltando que estamos nessas páginas, mulheres, porque ousamos nos levantar dos abismos em forma de poemas. Mulheres gostam de coisas profundas, “E no agora com uma legião de deusas/ cirandamos como aves bailarinas/guiadas pela luz dessa galáxia menina” (MANACÁ, 2021, p. 121.) porque “na passagem de um estado/para outro [nos desenhamos, juntas, imortais] (LOPES, 2021, p. 56) e “carregamos em nossas vidas/a imensidão dos belos tecidos (ALVES, 2021, p. 192).






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