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quinta-feira, 1 de setembro de 2022

MOSAICO DE IDEIAS: A ESCRITA, A MULHER E A BUSCA PELO ESPAÇO DE EXPRESSÃO, POR SANDRA SANTOS



MOSAICO DE IDEIAS - SEMEANDO PALAVRAS E COLHENDO BORBOLETAS|01 

A ESCRITA, A MULHER E A BUSCA PELO ESPAÇO DE EXPRESSÃO


POR SANDRA A. SANTOS


Não sei explicar como começou pra mim.  Só sei que sempre gostei de literatura e fui uma leitora ávida na infância e adolescência. Um dia em 2002, lidando com as coisas inóspitas que a vida por vezes nos proporciona, pensei que a qualquer momento explodiria.  Foi quando por impulso, peguei um papel e escrevi... Soltei a palavra, gostei do resultado e naquele mesmo dia mostrei a alguém. O que ouvi?

– P@##a, foi você quem escreveu isso? Você quem escreveu? Mesmo? – perguntou-me incrédulo o meu primeiro leitor.

– Sim, fui eu... Claro que fui eu. – Respondi tanto magoada quanto surpresa, num tom impregnado por um misto de desafio e orgulho ferido. Afinal, porque não seria, se eu estava ali, me expondo? E porque não poderia ser um texto meu?

– Nunca darei conta de você.... Você me assusta, você tem alma de artista. – Respondeu-me o tal interlocutor fitando-me como se aquele texto evidenciasse uma espécie de doença. Algo vil que me colocava numa posição vulnerável e em contraponto, me conferia alguma vantagem que lhe era intimidadora. Se era assim... então eu deveria me sentir culpada.

Recebi aquelas palavras como um elogio atravessado por uma ameaça velada.

Essa situação me marcou, primeiro negativamente e aos poucos tornou-se minha mola propulsora, já que amo um desafio. A vida, assim como a necessidade de sobrevivência me deixou sem possibilidades de me entregar à escrita por um bom tempo. Porém ela estava lá, latejante. A vontade de me comunicar, de gritar para o mundo o que eu via e o que eu sentia me cutucava diariamente. Havia algo a ser dito e eu queria falar.

Em algum momento cedi ao impulso e passei a escrever diariamente, fatos que me chamavam a atenção, histórias sobre pessoas e situações que eu observava, principalmente sobre o universo feminino. Mulheres que como eu, viviam suas vidas apesar das dificuldades e seus universos que me tiravam da zona de conforto. Mas, afinal existia alguma zona de conforto em mim? Talvez não, e exatamente isso que me conferia identidade. Então, viva o desconforto que me move.

Nasceram contos, poesias que ficaram muito tempo no HD do computador ou em papéis que começavam a amarelar. A princípio, não mostrei a ninguém por falta de coragem. Como poderia ser diferente se um dia, alguém colocou minha sensibilidade e minha forma de expressão no rol dos piores pecados?

Ainda bem que a gente amadurece. Ainda bem que existem espaços de fala como o “Feminário Conexões”. Salve a santa Internet que cada vez mais nos conecta.  

Com o amadurecimento, surgem a força e o amor próprio que nos fazem seguir no sentido contrário da mudez e do medo do julgamento. Força essa, que nasce na contramão do surgimento das rugas, e da quantidade crescente de velas nos bolos de aniversário. O amadurecimento traz o autorrespeito e escancara a magia fumegante da nossa potência: a potência de ser mulher.

Escolhi mostrar nessa primeira participação, o poema “O espelho” que deu origem a tudo isso, e depois de 20 anos, me conferiu o terceiro lugar, menção honrosa, no concurso do Celeiro Literário – Brasília. Esse concurso deu origem a coletânea -Tempos Adversos e me proporcionou a coragem de enviar meus poemas para o projeto Enluaradas, do qual aguardo ansiosamente, o primor de livro, intitulado "I Tomo das Bruxas: do Ventre à Vida”. Em alguns meses, sentirei a satisfação de realizar o lançamento do meu primeiro livro de poesias, O “Jardim dos Silêncios”, pela editora Viseu. 

Hoje, deixo que as palavras brotem, permito que fluam ganhando cada vez mais espaço em minha vida. No momento trabalho louca e apaixonadamente em meu primeiro romance, ainda com um nome provisório, “Dona Eugênia”. 

Agradeço a equipe organizadora desse blog e aproveito para a parabenizar a iniciativa, pois cada canal de fala, cada canal que permite a nossa expressão, permite trazer à tona o que nos move. Nossa genuína forma de ser e de estar no mundo.

Segue o poema que considero o ponto de virada da minha história.

 

O ESPELHO

Solidão. Veias secas.

O passado nada mais é que um peso morto sobre minhas costas frágeis.

Papéis em branco, aguçam a minha louca ânsia de escrever meu futuro

com a mesma segurança narcísica de quem escreve leis.

Hoje, só encontro manchas de sangue nas paredes do meu útero vazio.

Meus seios já não vertem mais o leite farto.

A dança do vento em minha direção brinca com as folhas mortas

intencionalmente queimadas do meu jardim.

Verti uma lágrima para cada uma delas...

Ouço teu olhar que me fala daquilo que envergonhado tu calas:

do teu suposto amor, da minha pseudosantidade que desprezei,

dos medos e perigos que procurei e que mesmo apavorada, por amor enfrentei.

Das preces que evitei...

Meu leito, minha morte.

Meu sorriso apagou-se na imagem da menina magra que morou no espelho.

Minhas bonecas quebradas riem-se de mim.

Meus sonhos tornaram-se minhas amarras e

como companhia que desprezo, tenho apenas anjos ociosos.

Os profundos sulcos em minhas mãos enganam a cigana experiente, linhas que

paradoxalmente, a cada ano tornam-se mais fortes enquanto meu corpo definha.

Consumo-me nas tramas que criei?

Tendência fatalista, é o que tu achas?

Que importa?

Quem lerá estas notas?

{Sandra A. Santos - Out//2002}

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Sandra A. Santos

Sandra A. Santos é pedagoga com especialização em Educação Ambiental, ambientalista apaixonada pela natureza e pela vida em todas as suas formas. Hoje aposentada, dedica-se à literatura, escrevendo contos, romances e poesias que giram em torno do universo feminino. Com trabalhos publicados em antologias no Brasil e na Argentina.


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