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quarta-feira, 21 de setembro de 2022

ELES LEEM ELAS: CARMELIANA - A FESTA DAS FLORES, DE ELIANA CASTELA, RONALDO RHUSSO



ELES LEEM ELAS|13

CARMELIANA - A FESTA DAS FLORES, DE ELIANA CASTELA



Quando a gente conhece a autora de perto pode correr o risco de comentar acerca da Obra dela e para falar de Obra, assim com “O” maiúsculo, no caso específico da Eliana Ferreira de Castela, a coisa não é simples, pois ela tem Formação em Geografia (Bacharelado e Licenciatura – UFAC - com Mestrado em Extensão Rural pela Federal de Viçosa), mas com dedicação ao Teatro, pela Associação Arquéthypo do Rio de Janeiro, por exemplo, e participações variadas no Acre e em “lives”, onde exibe sua alegria e talento de uma forma muito gostosa de constatar. É uma propagadora generosa da Arte em todas as suas formas, mas especialmente da Arte Poética que, também, produz e, juntamente com o Jorge Carlos Amaral, divulga mundo afora esse trabalho de milhares de escritores e seus poemas, grande parte no blogue Poemança e através da Folhinha Poética, um Projeto maravilhoso que mostra, desde a primeira edição em 2012, essa infinidade de autores sem se preocupar com reconhecimento, algo que é muito louvável e acrescenta muito à Literatura.

Enquanto eu respirar

Em 2017 ela lançou dois livros Pelos Rios ao Sabor da Fruta (Independente - Rio Branco/Acre) e Da Escrita Rupestre à Era Digital - Alguns Poemas (Chiado Editora). Livros de conteúdo riquíssimo e que me deram alegria ao lê-los...

Mas aqui eu quero falar do livro Carmeliana – A Festa das Flores (Íbis Libris Editora 2019). Ilustrado de uma forma muito bonita e diferente pelo Jorge Carlos, o Mané do Café, com direito a uma gravura da Clara R.

Logo na Apresentação a Eliana dá uma concisa aula acerca das Estações do Ano e justifica a familiaridade que Carmeliana tem com a Primavera, esse momento lindo em quase todas as partes do nosso planeta e a Estação que nós humanos costumamos usar como paralelo com o limiar da vida ou nascimento...


Contracapa do livro Carmeliana

A gente não costuma chamar o belo e o terno de “flor”? “Fulano é uma flor de pessoa”! Por que não personificar, também, as flores numa troca antropomórfica e divertida?

Carmeliana é daqueles livros agradáveis que a gente não pega, folheia e deixa de lado ou “encosta” na prateleira... Não! É um livro gostoso de ler e ficar imaginando ou visualizando as cenas... Aliás, é uma característica muito interessante de muitos dos escritores do Norte do país, esse descrever tão vivamente os detalhes e a Eliana não é diferente, pois ela conversa com a gente através de seus textos.

Neste livro todos os poemas estão vivos!

É, de fato, uma festa das flores e a gente ri, faz pequenas pausas a fim de imaginar os detalhes, quer mostrar para alguém como se faz com coisas boas...

A poética da Eliana é leve, de versos coloridos pelas palavras bem conectadas e cheias de significado. Há lições inseridas, há descrições das espécies de flores... Há um interagir com o pequeno, mas universal mundo dos insetos...

Eliana Castela
[foto do arquivo pessoal da autora]

Carmeliana é um livro que no primeiro olhar já denota um bom olor no ar e na vida; um destilar de poemas concisos, mas que brindam com alegria a mãe Natureza tão tratada com desdém há anos, porém muito mais nesses nossos dias incertos...  

O certo é que você vai ter uma gostosa experiência nessa leitura e vai cair na festa com as flores!

Que venha a Primavera!





 ☆_____________________☆_____________________☆

[foto arquivo pessoal da autora]

Eliana Ferreira de Castela – de Rio Branco, Acre, é poeta e escritora. Graduada em Geografia (UFAC), mestre em Extensão Rural (UFV). Participou de diversas antologias/coletâneas nacionais. Autora de três livros: “Da Escrita Rupestre à Era digital”, autoria própria. “Pelos Rios ao Sabor da Fruta”, Chiado Editora e “Carmeliana: a festa das flores”, editora Ibis Libis.                                


Ronaldo Rhusso: autor anual de “Meditações para o Pôr do Sol” da Casa Publicadora Brasileira pela União Sudeste dos IASD, do Compêndio poético “2016, o Dia, o Tema e o Poema” (produção independente) e de “Atos de Jesus” pelo Clube de Autores (2022), além de cordéis em parceria com membros da Academia de Cordel do Vale da Paraíba. Escreve, principalmente, no site “Descanso das Letras” e em seu blogue particular “A Sós Com a Poesia”.





domingo, 11 de setembro de 2022

ELES LEEM ELAS: AS LARANJAS DE ALICE MAZELA, DE GÉSSICA MENINO, POR RONALDO RHUSSO


ELES LEEM ELAS|12

AS LARANJAS DE ALICE MAZELA, DE GÉSSICA MENINO 



Achei interessante “eles que leem elas”, escreverem a respeito de quem ou da obra que leram, e escolhi “As Laranjas de Alice Mazela” (Editora Toma Aí Um Poema, 2021) da estreante Géssica Menino e que tem a excelente Apresentação da Flavia Ferrari.

É um livro de contos que me surpreendeu no sentido em que leva o leitor a fazer reflexões acerca do cotidiano e, a mim, fez-me pensar um pouco acerca de cada personagem com um olhar que nos leva a perceber claramente não ser propriamente nosso, mas uma, por assim dizer, apropriação do olhar da autora a qual, desconfio, fala muito de si mesma e de histórias que vivenciou em cada um desses contos.

Cada livro é um Universo particular ou mesclado, e a autora inicia o seu livro de uma forma poética “Quando conquistei uma bolsa para ir estudar na universidade meus prantos, de alegria, ao chão se derramaram”.

E aqui eu já percebo o abrir de alma da autora ao mencionar “seus prantos”... Alguém diria que pranto poderia inferir uma coisa só, um choro em demasia causado por algum infortúnio, mas aqui o leitor nota que houve sucessões de prantos e infortúnios, os quais foram exorcizados ou derramados a partir de uma notícia muito boa, a de que a tão sonhada oportunidade de buscar uma formação superior agora seria um fato e que sejam lá quais foram os infortúnios passados, seriam superados e, enfim, lançados ao chão a fim de, no máximo, servirem como adubo para o surgimento de uma nova vida...

Assim, a Géssica inicia o conto cujo título é Lembranças e que, no livro, inicia uma sessão de catorze contos, curiosidade que levará um sonetista inveterado como eu, por uma mera questão de costume, ver uma relação com a arte de compor essas pequenas canções em catorze versos, de maneira que passa a encarar essa coleção como uma simbólica Ode à dedicação na Arte de escrever e externar aquilo que ao autor sufoca, mas é capaz de encantar o leitor e, como antecipei, fazer refletir...

[foto arquivo pessoal da autora]

“O Barba Azul”, “É Apenas por Enquanto” e “Relativo” completam o que vou chamar de primeira estrofe. Cada Conto com sua peculiaridade. A gente se demora em pensar no fato de que até as características ditas ou vistas como negativas nos rotulam, classificam e nos põem no círculo das atenções sejam elas quais forem, mas, se nos despimos dessas características é como se desaparecêssemos! Dia desses, conversando com uma aluna, menina linda e gentil, me dizia que sofrera bullyng porque era gordinha quando começou a frequentar a escola, de forma que se esforçou para emagrecer e teve que suportar muita fome se privando das guloseimas que a mãe, uma doceira, fazia. Quando conseguiu emagrecer bastante passaram a chamá-la de “sem corpo” numa alusão de que a mesma, embora na puberdade, tinha corpo de criança... Assim torna-se fato a conclusão de que mudar não vai agradar a todos e a gente pode, na melhor das hipóteses, perder a única atenção que nos davam... É aí que a gente cai na real de que toda a sensação de falta de sentimento pode-se dizer que “é apenas por enquanto” e se o que pensam de nós ou os “para quês?” da vida são relativismos, nos resta valorizar a percepção de que algumas coisas, que são tão comuns em nosso cotidiano, como legumes que nos são servidos à mesa e dos quais fazemos pouco caso, porém quando vistos nas barracas de feira, encaramos a realidade do quanto custam e do quanto fazem diferença no orçamento e, principalmente, na nutrição física que pode ou não vir a gerar ótimas ideias na mente e se tornarão textos que encantarão leitores que se identificam com os cenários convertidos em palavras.

“Sem Destino”, “O Distinto”, “Para se Pensar” e “As Laranjas de Alice Mazela” formam o segundo Quarteto do livro e parece proposital que essa parte do meu “Soneto mental”, enquanto vou lendo, feche com o conto que empresta o título ao livro da Géssica.

“Ela escuta o barulho horrendo do vidro brigando com o chão”. Eu nunca pensei assim quando da queda de um frasco de perfume ou com outro conteúdo. Em “Sem destino” a gente não tem muita certeza de quem está narrando, porém a quantidade de observações aos detalhes contidos na casa e no jardim, com a rotina daquela que se vê menina na foto guardada no computador é muito interessante! Há uma ponte para “O Distinto” que, talvez, nem tenha sido proposital na organização do livro, entretanto as reflexões acerca do que seria a “Arte de amar” e a abrupta enumeração de episódios trágicos ocorridos com pessoas que têm nome, com pessoas que deixam pessoas que, também, têm nome é, de fato, “Para se pensar”, porque em todos os casos o Distinto, o Amor, esteve presente e a tudo testemunhou! Até a história de Lucinda e Marcos, a primeira menina mulher do acaso que vivenciou Movimentos e tormentos, enquanto o outro, o “bebum”, num apenas tênue interagir com Lucinda é só mais um dos “pirões perdidos” para o mundo e Alice? Sem mazelas, a não ser no nome, narra sua epopeia e se torna aquela que já não irá mais ouvir a velha pergunta: “Ainda estás aqui”?

[arquivo pessoal da autora]
Gessica Menino é mãe do Christopher, uma das vencedoras do concurso literário nacional “Novas Contistas da Literatura Brasileira”, pela Editora Zouk, com o conto “As curvas do tempo”, publicado em 2018 e um dos ganhadores do Concurso Literário Internacional da Academia Fluminense de Letras 2018, na modalidade conto, com o texto intitulado: “A vida de um casal de professores”. Autora do conto “Sem perder o ritmo”, publicado em 2020 na antologia “O lado poético da vida” e lançou “As Laranjas de Alice Mazela” pela Editora TAUP (Toma Aí Um Poema 2021)”.

Nesse ponto entramos no primeiro “Terceto” ou se preferirem, na terceira estrofe ou parte do livro com “Uma Descoberta”, “Um Dia Solene ou Sublime” e “Sois”...

“Uma descoberta” narra a autoconsciência de Bianca que “Escrevia todas suas ideias, pensamentos e emoções a qualquer tempo apropriado com a esperança de algum dia publicá-los, mas havia tanta comoção desastrosa de tudo que acontecera”.  Ela alimentava em si um fio de esperança que acabou, nesses nossos tempos pandêmicos, se tornando realidade para tantos que, como Bianca, se descobriram escritores... E não é um dia sublime aquele em que você tem nas mãos um livro, filho precioso contendo em seu interior muito mais que um filho gerado no útero? Ou você pode fazer um paralelo com um pequeno pássaro morto que pode simbolizar um breve ciclo que pareceu longo dado a quantidade de momentos complicados, mas que, pela força do vento das mudanças, alimentou a terra, como um livro alimenta intelectualmente aqueles que o leem... E é aqui que, eu que leio elas, uso as palavras da Géssica Menino: “Pois sois belas, sois uma beleza de conquista, uma guerreira da vida, a geradora da fonte inesgotável, a desculpa alheia de espinhos. Sois tudo e nada ao mesmo tempo em que carrega consigo um silêncio arrebatador e um grito de um vencedor. Sois”.

A Chave de ouro ou segundo Terceto desse meu Soneto mental no qual inseri esse livro se descortina com “A Letra C”, “A Porta Azul” e “A Menina do Laço de Fita”...

Sem se prender a aliterações ou que chamaríamos de tautogramas a Géssica mostra um personagem dessa era do “teclado” procurando aquela palavra certa e conclui consternadamente que o mundo se encontra convalescente...

“Era uma manhã ensolarada com raios de sol que despojavam como um suco de laranja avassalador gritando ou em confronto com um copo de vidro”. Você já olhou para si, de longe, com um binóculo? Já se viu em sua rotina, se olhou mais velha, mais nova outra vez e guardou na mente uma referência qualquer como uma barreira entre você e você mesma, tipo uma “Porta azul”?

E com ela o livro termina, mas um novo ciclo começa porque todo esse despir de alma poética, a meu ver, mostra “A menina do laço de fita. Agora, atormentada, desiludida, envergonhada. Perguntava a si mesma: Onde estava o amor”?

Quem escreve e descreve com essa forma singela e sensível, talvez nem saiba, mas permite que muitas pessoas se vejam nesses cenários e entendam o quanto “tudo vale a pena se a alma não é pequena” como cunhou Pessoa a nos dizer que pessoas somos e pessoais são os nossos sonhos e, em vez de limão, que tal uma laranja? Que tal as de Alice Mazela? Ou será Géssica Menino?

Uma leitura muito recomendável! Divirta-se!


[foto arquivo pessoal]

Ronaldo Rhusso: autor anual de “Meditações para o Pôr do Sol” da Casa Publicadora Brasileira pela União Sudeste dos IASD, do Compêndio poético “2016, o Dia, o Tema e o Poema” (produção independente) e de “Atos de Jesus” pelo Clube de Autores (2022), além de cordéis em parceria com membros da Academia de Cordel do Vale da Paraíba. Escreve, principalmente, no site “Descanso das Letras” e em seu blogue particular “A Sós Com a Poesia”.


segunda-feira, 29 de agosto de 2022

ELES LEEM ELAS|11: PURO JEITO TUPEBA DE SER POESIA, POR ISAAC RAMOS



ELES LEEM ELAS|11

PURO JEITO TUPEBA DE SER POESIA 

ISAAC RAMOS 

Banzeiro Manso é uma sinfonia poética amazônica em versos, a ser acompanhada em todos os atos. Em todos cantos. Marta Cortezão no seu livro de estreia revela um mundo (o da poesia) e desvela outro (o do poema). Liturgia e epifania da palavra poética em estado de devir. Desde o título, um paradoxo que não se resolve (e se resolvesse não seria paradoxo). Orbita o leitor em uma espiral que o leva no meio do banzeiro e do qual ele não mais quer sair. E por que quereria? É como se esse estivesse sendo atraído pelo canto de Iara: “Não tardes, Iara, tenho vazios / carentes de tua suave e rouca voz...”.

Banzeiro Manso está à venda no site da editora Porto de Lenha

A viagem poética segue a bússola do fio da existência em que o prumo da poesia se apresenta em “(Re)mansos (di)versos” e “(Re)manso (re)versos”, nas duas primeiras partes do livro. O leitor, alegre aprendiz, vai destecendo o imaginário e vê que “A cada descortesia, / menos poesia. / A cada tropeço, / menos apreço. / A cada descaso, / por um fio o nosso caso”. E baila ao ritmo de uma “Valsa para Eros”: “Teus passos cegos / me vigiam. /Teus olhos passeiam / minha alma”. Entre um passo e outro encontra metáforas suspensas na banzeira página e descobre que o bicho-da-seda “aprendeu com a dor da solidão/ que a desventura também alimenta a crisálida”.

Antes mesmo que a valsa acabe surge a sensualidade em um vestido preto, justo, no corpo adornado por uma metonímia assustada: “Ele chegou com olhos / de tigre faminto / pisando mansinho / em meus confusos labirintos”. Mas o concerto poético não pode parar e de forma irreverente o amor, em novo figurino, surge em tons de jeans: “Aluga-se um coração plangente / cômodo, amplo, ardente. / Aspecto terno e sedutor / com vistas a um louco amor”. Enternecido, os olhos do leitor se voltam para o rodopio do verso e é seduzido por nova cadência rítmica. E degusta uma metáfora sinestésica: “Para ser pétala / longo é o caminhar. / Para saborear o néctar / há que saber-se despetalar”.

A arte da capa é do multiartista tefeense Elvis Braga

A contradição – eterna companheira da poesia – não poderia faltar, sobretudo quando tão bem empregada: “Se nosso amor é tão sólido / por que me escorre pelos dedos?”. Eis o mistério do verso. Há mais poesia entre o céu e a terra do que supõe qualquer dilema shakespeariano. E como não ficar embriagado pelo humor refinado de Marta Cortezão, em versos como estes?: “Pouco riso, / menos siso?”.

A celebração da palavra é um capítulo à parte dessa poética sinfonia amazônica: “Quando a poesia cala, / a Alma verseja e fala: / o poeta versos afina/ ao compasso da Lira”. (Ao fundo, ouço Piaf cantando “Mon Dieu”). Faço uma pausa para que a lágrima escorra. E me emociono diante da sinestesia que parte de uma metáfora e chega à condição de “Poesia aquarela”: “Mundo-vivo e Poesia. / Tudo soa, tudo voa! / Letras, palavras, tintas, gotas.../ Tudo grita, tudo ecoa!”. O concerto não pode mesmo parar. E por que pararia? Ainda há muitas páginas para ouvir e apreciar.

Foto de uma atividade virtual do projeto de Literatura Amazonense, realizado pela Professora Andrea Dore, juntamente com os discentes do Instituto Denizard Rivail, Manaus, em 2018.

Em dado momento o tom muda em Banzeiro Manso, para que o leitor reflita. (Na vitrola, Piaf canta “Non, je ne regrette rien” (Não, não me arrependo de nada). Seguem os versos: “A sociedade de mim se burla: / "Maria Vai-com-as-outras"! / Melhor seria se soubesse / o caminho de Maria quando / engajada com as Outras”. Qual Marta ouvir: a poeta ou a mulher? Não importa. O importante é que exale a poesia. Nada melhor que velejar por um tema clássico: “Lua odalisca / Baile faceiro / Lua fetiche / Compasso brejeiro / (...) Lua alvorada / Tez avelã / Lua namorada / Boca romã”. A partitura segue com sua pintura.

Hora de falar sobre o existencialismo. Uma corrente filosófica que surgiu em meados do século XX, mas que está presente na literatura desde há muito tempo. Basta ler Camões, Fernando Pessoa, Manoel de Barros e outros autores. Mas, em Banzeiro Manso... (Nesse momento, ouço notas de “C’est la vie”, em um concerto de Emerson, Lake & Palmer, em Montreal. Seguro uma lágrima que teima em cair). E passo aos versos de Marta:


Ser casulo

para entender-se

no silêncio do Ser.



Em 13/OUT/2019, projeto de iniciação científica aprovado em edital do PCE/Fapeam. "BANZEIRO MANSO: RESGATANDO O DIALETO AMAZÔNICO" analisou a poesia da poeta @martacortezaopoeta. Fotos divulgadas pelo idealizador do projeto, prof. Onison Lopes.

Após esse sopro poético, posso falar das duas últimas partes de Banzeiro Manso. Elas mostram uma poeta plugada em sua terra e a poesia que daí advém é capaz de surpreender qualquer leitor desavisado. Entramos em um “Banzeiro (re)manso(so)”, do qual não mais desejamos sair. Trata-se de uma poética elevada e que justifica, plenamente, o título do livro e a condição de poeta amazônica, por excelência. São tantas as passagens que, se eu fosse você, parava de ler o prefácio e ia direto para os textos...

Muito bem. Se você resolveu continuar a leitura desse prefácio, então é preciso conhecer a “Essência”:

Sou do Norte, terra de caboclo forte,

que toma açaí, come piracuí,

bodó assado e jaraqui,

pirarucu com chibé,

tucumã com café,

que faz paneiro com cipó de ambé

(...)

Eita vidão!

(...)

No rio de minha imaginação...

De forma serelepe, a menina poeta brinca com operações da (ma)temática do amor: “Mais amor e menos rancor. / Menos ter e mais querer / Mais poesia e açaí com farinha! / Menos ególatras e mais chocólatras. / Mais gratidão e pé no chão, / menos idiotas e mais jabá com farofa!”. Não é preciso ser do Norte para entender a poética do encanto e do espanto. A linguagem da poesia é universal e ressemantizável.

No virar de páginas, a menina toma corpo e debuta em versos eivados de “Memórias”, em diálogo existencial com Castro Alves:


Infância de águas

guardada no baú

das memórias... São

espumas flutuantes

de meu porto seguro.


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Quando o leitor pensa que nada mais poderá aprender com Marta Cortezão, ele recebe “Tenras lições”: “E aquela cunhatã reza baixinho / uma ave-maria pela doce lição, / abre os ternos olhos de mansinho, / vê deslizando no rio aquele regatão”. Após um saudoso fado, chega o momento de “Súplica a Iara”, a divindade das águas, que hipnotiza o leitor e o leva para o meio do Banzeiro manso: “Leva- me contigo, Iara! / Cansei deste mundo raso. / Prefiro teu mundo de águas, / rio profundo, sem as mágoas / que desafinam, a miúde, meu trovar”.

É natureza do homem bater asas e viver paixões e “Sandices”. De forma bem-humorada dialoga com a canção de escárnio “Dona fea”, de João Garcia de Guilhade, do Trovadorismo português:

 

Ai, ai, D. Mucura!

Não chore, seja forte,

a vida é assim de dura!

 

A paixão ensandece,

mas a dor se cura.

Não nade contra a corrente.

Nos assuntos do coração,

é melhor ser coerente.

Amar a um colibri

é dar asas à loucura!.

(...) 

O romantismo perpassa o livro, todavia embalado como o deitar em uma rede, como o suave balanço em “Rio-Mar”: “Desejo afluir-me / em tuas águas cálidas;/ brincar, sem reservas, / no teu doce banzeiro, / manso balanço ligeiro, / onde desejo estar...”. Essa poeta cunhatã joga sua rede de versos na água da poesia e de forma trovadoresca pesca leitores em pleno dia: “Eu não desejo porfia. / Quero apenas encangar / minha canoa na tua”. E que coisa louca falar “Dos amores”! Não há como não ser fisgado: “Era jogar a isca e o anzol fisgava / ligeiro meu amor primeiro...”.

Um instante mágico está reservado à leitura do poema “Bênçãos”, dedicado à sua mãe, Nelci Cortezão, tenho convicção de que é o mais lírico do livro:

Mãe, e aquele rio, para onde corre?

Não descansa? Nunca morre?


Aquele rio corre para o Mundo...

Com a força de um moribundo

Sem pressa de chegar

mas com muitos caminhos a alcançar!

Na literatura portuguesa, o rio é um ente. Em Banzeiro Manso, é poente e insurgente de grande poesia. Os segredos são revelados nas correntezas dos versos, que embalam a rede e o enredo dos poemas em prosa, como em “Musa Iracema”: Assim se expressa: “Sou boto moço / Sou boto manso /Faço alvoroço / As águas transo”.

No meio do devaneio, ela dialoga com Almeida Garrett, poeta português. Difícil não se emocionar com “À barca bela”:

 

(...)

Por que o pranto

No rio meu, Barca bela?

Por que tão triste canto?

Só caio em esparrela!

Tu sim és feliz,

Bela barca!

Eu, de amor infeliz

E tu, amores atracas:

Tens o rio e a ela!

 

Ela é piracema

De prazeres

Ele, rio de dilema

De mil quereres!

Eu, Barca Bela,

Espuma de remanso,

Tenho as penas

E a vil bagatela

De amar-te manso,

Barca Bela!

(...)


Foto da poeta Patrícia Cacau, Áustria, 2021

Chego na Parte IV do livro, denominada “Remanso Tupeba”. Um dos momentos em que a poeta atinge as notas mais altas é na paródica “Canção Tupeba”. Gonçalves Dias, lá do céu da literatura, deve estar vibrando:

Minha terra, de palmeira, tem o zau:

piassaba, jarina, bacaba, buriti, patauá,

pupunha, babaçu, tucumã, açaí e o escambau.

Ach’é pouco lugar pra Sabiá cantar por lá!


(...)

Muitas palmeiras tem meu torrão,

que são mais dos urubus que dos Sabiás.

Permita-me Deus voltar logo pra lá!

Comer tucumã com farinha até empachar. 

(...)

E segue Marta Cortezão com seu cântico tupi, com seu cântico Tefé, com sua ode poética a dialogar com “O Canto do Piaga”, outro de Gonçalves Dias. Como um brado guerreiro, o leitor enxerga um “Exército Tupeba”: “E assim marcha um exército decidido, / sua força colossal não se dissipa, não falha. /Um povo que luta e não se dá por vencido, / porque o Tupeba é guerreiro, não foge à batalha!”. É o canto da literatura amazonense que se destaca nesses versos.

Mas não só de batalhas vive a vida, é preciso (retro)alimentar antropofagicamente a poesia, sobretudo de forma humorada, como em um “Jeito Tupeba de ser”:

(...)

Pelas ruas e calçadas da cidade,

bodó assado na brasa, às seis da tarde,

regado ao molho de pimenta murupi,

com muita farinha-ova do Uarini.

Égua, maninha! Que jeito Tupeba de ser!

(...)

Todas (ou quase todas) as divindades da poesia são invocadas em “Olimpo de saudade”, pela magistra Marta Cortezão. Depois de flertar com a mitologia grega ela (re)cria e evoca a mitologia tefeense, posto que os versos finais de forma humorada mostram “um coração tupeba / de alma sentimental”:

(...)

Tem os encantos de Apolo,

de Medeia, a loucura,

a habilidade de Diana,

de Cupido, a travessura,

a arte de Vulcano,

de Ares, a fúria,

o fogo de Prometeu,

de Édipo, a cegueira,

a musicalidade de Orfeu,

a dor de Jocasta,

a força de Hércules,

de Ícaro, a audácia

e, em especial,

um coração Tupeba

de alma sentimental!

A viagem pelo centro da terra amazônica continua em “Sangue Tapiba”: “A minha imponente Saudade / voa no melodioso canto uirapuru, / de vastos sentimentos me invade / e vai pousar em divina fonte / do majestoso crepúsculo Tupé! / Índia morena, de ledos corações, Tefé!”. É o nome de sua cidade natal. Tefeense de versos impávidos que carrega lembranças poéticas até onde parece não caber, a exemplo da personificação e a dedicação “A um taperebazeiro”: “Taperebá! Minha Tapera, / meu barco alado das belas tardes! / Adoçaste minha infância... / Quantas perebas por subir neste tronco! / Bora brincar de taperabá? / Pera um pouco, perainda / que vou perambular lembranças / e jogar conversa fora / em baixo da sombra do meu Taperabá!”. Brinca, poeta. Brinca, criança. Rebrinca, leitor. Isso ficará um brinco.

"Tomando café Nordestino em alegre companhia. Chegou meu livro Banzeiro Manso da querida escritora Marta Cortezão! Estou amando a leitura de sua poética cultural, cativante e rica de júbilo e orgulho de sua terra. Me sinto contemplada com sua seiva amazonense, íntima de seus cânticos encantados. Aguijê Kunhâ porã." Foto e texto da professora, escritora e produtora cultural Eva Potiguara.

As duas últimas canções de Banzeiro manso fecham com clave poética. Em “Furioso Cupido”, confira a inquieta e nem tanto solene brincadeira de amor:

Quando o Cupido

se zangou comigo,

me azagaiou o coração

só pra me dá uma lição.

Tive até passamento;

topei com grande tormento

que me deixou aperreado

com o corpo todo coisado

por um não-sei-quê de amor

misturado a um angu de dor!

(...)

Dei de pau no tucumã com farinha,

chega fiquei de bucho tufado,

mas voltei pra casa curado,

e mais feliz que pinto no lixo!

E do amor? Tu é leso é?!

Ando correndo disso!!! 

E chego ao último poema que, não por acaso, chama-se “Noite de visagem”. Macunaíma andou por aqui e por ali. Por ter fé, por Tefé, ao que tudo indica:

(...)

Monto mula-sem-cabeça,

proseio com a Cabeça-sem-mula

que me conta do romance com o senhor cura.

Enquanto tomamos chá de capim-santo,

mãe natureza nos afaga com doce acalanto.

Chegam as fermosas guerreiras Amazonas

para contar das extraordinárias façanhas;

dos segredos verdes do muiraquitã

e dos estranhos vícios desumanos

cuja medida do Ter nunca se enche.

Recitamos belas trovas, heroicamente,

E rimos como traquinas cunhatãs.

Em fera brava me viro,

manso Matinta suspiro!

(...)

Após a execução dos acordes finais, Banzeiro manso chega ao final de suas páginas. Exausta, à orquestra/livro a poeta se curva em agradecimento, depois se vira e entrega a batuta ao leitor. Quanto ao bis? Basta recomeçar a leitura do livro. Difícil acreditar que esse seja somente o primeiro de Marta Cortezão. É. Ela conseguiu domar o banzeiro, com um puro jeito Tupeba de ser... o Ser da poesia. Simplesmente.

Goiás, 16 de setembro de 2016.


*O texto PURO JEITO TUPEBA DE SER foi escrito para figurar no prefácio da primeira impressão do Banzeiro Manso, editado pela Porto de Lenha, em 2017. O curioso foi que o estimado professor Isaac Ramos, coincidentemente, me enviou o texto finalizado, por e-mail, justo no dia de meu aniversário, 16|SET|2016. Foi um presente muito especial! E sempre o agradeço por esta belezura de prefácio. E você gostou? Deixe seu comentário!👇👇👇

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Isaac Ramos 

Poeta e crítico literário, com diversos livros publicados. Dentre as publicações, destacam-se: Reflexões (1984); Astro por rastro (1988); Teias e Teares (2014) (poemas); A metáfora do olhar: Alberto Caeiro e Manoel de Barros (2018); Ensaios de lírica: do poema clássico ao contemporâneo (Org.) (2020) crítica e análise literária, livro impresso e e-book gratuito. Doutor e Mestre em Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa (USP). Professor permanente do PPGEL/Unemat. 2, Dez./2020. (Texto retirado da orelha do seu mais recente livro “álibi”. 

Para comprar "álibi" (Carlini&Caniato Editorial, 2022) entre em contato com o autor via Facebook e/ou Instagram

Os textos abaixo são da contracapa do livro "álibi":

“Álibi é o primeiro livro da série poética (Con)sequências líricas, que deverá abrigar mais dois volumes... Os poemas são compostos sem obrigatoriedade do uso de formas fixas e com rimas eventuais, alguns motivos são recorrentes: a embriaguez, o erotismo, a intertextualidade, alguns poemas de cunho social, tudo isso construído com recursos sonoros que evidenciam os trocadilhos, os jogos lexicais, a fragmentação das palavras, a homonímia, a homografia, a homofonia e a paronímia, num exercício constante da metalinguagem poética”

Cláudia Coelho


“Enquanto tecelão profissional de palavras (professor, escritor e palestrante), Isaac Ramos entretece uma teia saborosa, que nos apanha nos ziguezagues dos seus jogos verbais, que são, afinal, jogos entre a vida, a morte e o luxo da estética (vivencial e comunicacional).”

Pires Laranjeira

ISBN 978-65-88600-97-9

 

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