sexta-feira, 24 de fevereiro de 2023

POETA OU POETISA? EIS O MOTIVO!, POR ROZANA GASTALDI COMINAL

Rozana Gastaldi Cominal

POETA OU POETISA? EIS O MOTIVO![1]


Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.

(Fragmento do poema "Motivo", de Cecília Meireles)

Poeta ou poetisa? Também sou do clube de Cecília Meireles, sou POETA. Sou pela língua viva, orgânica que extrapola o dicionário, a nomenclatura, a gramática dos gêneros. Estou emparelhada aos movimentos sociais, língua explosiva quando negam o direito à vida. 

Encontro eco ao ler Lunna Guedes, ela mesma ou a voz de Catarina, pois sua escrita é tomar uma infusão de ervas que inebria: “Sei o verso que chega e se aconchega nos olhos e na boca, na pele”, é ouvir  Chico César ao violão dedilhar: “Chega tem hora que ri de dentro pra fora/ Não fica nem vai embora/ É o estado de poesia”. Encontros assim é oração, estado de graça, porque, continua Lunna: “Ler poesia é ler-se… em algum momento a pele goza do arrepio sagrado da primeira vez e eu terei minha porção de tudo e nada (de novo). Amém."

Oração verbal ou nominal plena de sentidos, de significados, de intenções. Assim como os versos se quebram na linha reta, contínua, a linguagem carrega em POETA todo um ritmo peculiar para captar o instante. É a celebração da palavra, sílaba a sílaba daquilo que atina os sentidos não somente em mim, mas em quem me lê, sábia Cora Coralina resume tudo isso muito bem: “POETA não é somente o que escreve. É aquele que sente a poesia, se extasia sensível ao achado de uma rima à autenticidade de um verso”. Atrevida exibo minha
 
Flâmula


poeta sou

sigo a voz

que chama

solta

e

revolta

sigo o peito

que inflama

 

poeta sou

solto a voz

que alumia

a estrada

onde companheiras

& companheiros

me esperam com o

coração na epiderme

[Imagem Pinterest]
ESCREVER é dialogar com a mente. É trabalho hercúleo, exige conhecer-se. Eu me autorizo a escrever, a interpretar, a sonhar, a ficcionar. Ao mesmo tempo que descubro que tipo de leitor eu sou. LER é descobrir universos paralelos que revelam-se as influências literárias. Captou a composição estética e a crítica? Exige harmonia entre forma e conteúdo com humor, deboche, ironia, crítica social/política, lirismo. Não é mero amontoado de palavras em linhas quebradas quando se trata do poema. Nem parágrafos bem ajustados em linhas paralelas na prosa. Saliento que ambos têm ritmo, compasso e descompasso, mas não me peçam para explicar um poema.

Aprendi com Hilda Hilst: "É triste explicar um poema. É inútil também. Um poema não se explica. É como um soco. E, se for perfeito, te alimenta para toda a vida. Um soco certamente te acorda e, se for em cheio, faz cair tua máscara, essa frívola, repugnante, empolada máscara que tentamos manter para atrair ou assustar. Se pelo menos um amante da poesia foi atingido e levantou de cara limpa depois de ler minhas esbraseadas evidências líricas, escreva, apenas isso: fui atingido. E aí sim vou beber, porque há de ser festa aquilo que na Terra me pareceu exílio: o ofício de POETA”. Ao compreender que literatura é afetar, socar, sacudir, a/o POETA promove um esforço coletivo para salvar a vida de alguém ou talvez salvar a si própria/o.  

[Imagem Pinterest]
POETA sou e organizo o pensamento, vasculhando a memória na busca de narrativas, descrições e reflexões. Vasculho, ainda, gavetas, caixas e baús para capturar lembranças, sentimentos, sensações. Nesses cofres secretos, ficam os gatilhos para minha-sua-nossa escrita: objetos, fotos, cheiros, perfumes – estímulos para a produção literária. Os poemas ganham destaque,com jogo de palavras cravado na memória e na curiosidade de sentidos, sinestesias em efusão, metáforas, sentimentos em turbilhão. 

Desesperada, devastada, dardos do desânimo disparados, descansaremos quando? Desigualdades dilacerantes, denúncias, demandas, desgraças que nos arrasam e nos arrastam para o fundo do poço. Seja na escuridão da noite, seja na noite sertaneja enluarada, somos seres desejantes, o mundo precisa de um abraço, eu preciso de um abraço...

Catástrofe sanitária, cegueira no horizonte, colapso mundial, tudo desmoronando, estou fazendo arte? De nada adianta lutar?  Como POETA faço aquecimento, carrego kit sobrevivência, até parece que vou-vamos entregar os pontos! POETAS somos! Abaixo a corrupção, a necropolítica, os sem-noção! Quanto ainda nos falta para chegar a ser nação? Que rolem os dados... 

[Imagem Pinterest]
Não contavam com nossa astúcia: lockdown utópico que nos faz caminhar para dentro de si e depois, quem sobreviver, ocupar o cenário exterior. O adágio popular faz sentido: Não há mal que sempre dure nem bem que nunca acabe. Contagem regressiva para os sobreviventes. Sinal dos tempos que dias melhores virão. A luta pela vida se faz diária, enquanto uns seguem delirando, alguns nem sabem do que se trata, outros, imunizados  estarão  com vacina e poesia. Em luto, em luta, poesia como antídoto.

P.S. 1

Mas ousadia mesmo é com Jéssica Iancoski que reivindica a autoria:

Também

 

devo me apossar

da palavra autor

se enfraquecido

não existe o masculino

sou poeta sou autor

sou o dono da minha vida

e acima de tudo

mantenho-me mulher


O que posso dizer? Somos os donos de nossa voz no mundo. Síntese intensa traz seus versos, lacrou total! Isso é

 

Nocaute

 

pilhados?

trocam-se três por um

adeus aos neurônios suicidas 

P.S. 2

E para fechar o ciclo, deixo uma dica que copiei nem sei quando nem de onde.

[Imagem Pinterest]
Ritual das folhas que caem

Procure no chão de jardins ou praças, sete espécies diferentes de folhas “caídas”. Coloque todas juntas numa pequena pilha e costure parte de suas bordas de maneira que pareça um pequeno livro de folhas verdes. Este é seu livro mágico da Natureza. Coloque-o dentro de um envelope e tenha-o sempre por perto. Ele é um canal para sua vida mágica, pois todo o conhecimento contido nas folhas será transmitido a você por meio da sua intuição.

P.S. 3

Poesia virou autoajuda agora? Sempre foi, palavra de POETA que vê poesia como presença de afetos, ainda mais em tempos de pandemônio social e viral, tornou-se companhia na falta do espaço coletivo presencial.

Rozana Gastaldi Cominal

Poeta e escritora

autora de MULHERES QUE VOAM

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Rozana Gastaldi Cominal, de Hortolândia/SP. Poeta e professora. Formada em Letras, faz revisão de textos. Acredita na força dos coletivos e com eles faz voz com a poesia na ordem do dia. Publicação de poemas em redes sociais, revistas literárias digitais, e-books e livros impressos. Livro solo Mulheres que voam (2022, Editora Scenarium).

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2023

PROCESSOS DE ESCRITA: MINOTAURAS, POR LÍGIA SAVIO

[Arquivo pessoal da autora/Facebook]

PROCESSOS DE ESCRITA: MINOTAURAS 

POR LÍGIA SAVIO

Como não podia deixar de ser, a questão feminina vinha me instigando há muito tempo e me levando a escrever poemas sob esta tônica. Fui revisitando minha história e me dando conta do quanto fora oprimida pelo simples fato de ser mulher, mesmo usufruindo dos privilégios que tem uma mulher branca, letrada e que nunca viveu numa periferia, mesmo tendo trabalhado numa delas. Havia uma urgência em escrever sobre a minha trajetória, que era a de tantas mulheres como eu e apresentar, através da escrita, as minhas tentativas de libertação dos padrões patriarcais em que ainda vivemos.

O próprio fato de uma mulher escrever já é um ato de rebelião, considerando que a maioria dos escritores é do sexo masculino. Estudiosa da cultura grega, percebi o quanto ela fora dominada pelos homens. A própria mitologia grega representava um ponto de vista masculino e até misógino em suas histórias. Resolvi, então, ressignificar os mitos que sempre me encantaram. Assim, escrevi alguns poemas neste teor. Como exemplo, cito Re-mitológica: 

[Arquivo pessoal da autora/Facebook]
           É só do sal de Urano

que nasce a força erótica?

Foi esta a história que contaram.

Só os deuses-homens

gestavam o amor.

Mas Afrodite,

na concha

expele jorros

pelas pernas

criando palavras

                                                          de todos os sexos.


[Arquivo pessoal da autora/Facebook]

Assim escrevi Recado a Perseu, Antígona, Viagem ao Hades e outros poemas. Nesta linha, nasceu o livro Minotauras, meu mais recente livro solo de poemas, lançado em dezembro de 2022, em Porto Alegre, pela editora Casa Verde. Imaginei o monstro do labririnto como um ser feminino. Um ente execrado por todos, que deve permanecer escondido, pois oferece perigo e é temido por seu poder: não é isto o retrato das mulheres?

Há um poema no livro cujo título (Minha deia) faz um trocadilho com o nome da poderosa personagem Medeia e que finaliza assim, fazendo alusão à história desta mulher:


No ágon da vida

quero ser

a principal

a que imola

a que mata

a que foge 

no carro dos deuses.

não me peçam pra não latejar.

 

É o que pretendo para todas as mulheres com este livro. 

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Para aquisição do livro entre em contato com Lígia Savio através de seu perfil do Facebook, clicando AQUI.

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Lígia Savio é gaúcha de Porto Alegre, participou de várias antologias do Mulherio das Letras. Em 2015, publicou seu primeiro livro solo de poemas, No Dorso da Palavra, em 2019, Fios de Aço e, em 2022, Minotauras.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2023

LIÇÕES DE SILÊNCIO: A ERA DO AGELESS, POR RITA ALENCAR CLARK

LIÇÕES DE SILÊNCIO|06

POR RITA ALENCAR CLARK

A ERA DOS AGELESS

Tem dias que você se olha no espelho e não mais se reconhece jovem. E isso é um fato, não uma suposição,  aos olhos da sociedade utilitarista, nós somos aqueles que estão prestes a penetrar nos 60 anos, nos reconhecemos, dispensáveis, pior que isso, principalmente às mulheres, somos carta fora do baralho, nossa aparência,  seja ela qual for, será julgada, até  que nos tornemos invisíveis,  apagadas do mapa das oportunidades!

Ok, essa é  a real! Como, então, sobreviver a essa realidade sem despedaçar a sua autoestima? Sentindo todas as culpas de seu passado sobre as costas?


Aí que entra o poder de se reinventar diante às adversidades, sem surtar, ou retalhar sua alma…a certeza, que vem fazendo o que tem que ser feito, ouvindo a voz interior, não ouvindo a voz interior e quebrando a cara, aprendendo de joelhos debaixo do chuveiro, num grito mudo e convulsivo. A gente sai renovada! Pronta pra seguir em frente. Seja pra onde levar o coração… e, muito provavelmente, estarei quebrando a cara de novo… ou não! Tô  mais sabida agora!

Tudo isso porque fui ler uma matéria sobre pessoas que se auto intitulam Ageless. O que , pra mim, não passa de mais uma estratégia inócua, de pessoas que não  se sentem fortes o bastante para enfrentar o envelhecimento. Não  critico, nem julgo, mas me permito dizer minha idade, com um certo orgulho interno, uma vaidade sarcástica,  pode ser. Mas agora, faltando seis meses para fazer 60 anos, bateu um olho no olho no espelho. Um vai ou racha comigo mesma! Foi tenso. Fizemos acordos, projetos e nos comprometemos a cumprir. 


O tempo passa rápido,  não  dá  mais tempo de ser nada além de mim mesma, quem eu sou já  foi construído,  se fosse uma obra de arte seria a "Catedral de Gaudí" em Barcelona. Toda feita de pequenos cacos e artefatos. Sabe? Já  foi, de agora em diante é  aprimorar o ser que você  já  é. Ou então enfrentar as consequências de não ter tido coragem de viver a vida, mesmo que isso incluísse se atirar no abismo do desconhecido. Eu me atirei…dei o salto da fé, me taquei lá  de cima!


Portanto, tenho, sim ,direito de me olhar olho no olho no espelho e concordar com o Cazuza: "Mas se você achar

Que eu 'to derrotado

Saiba que ainda estão rolando os dados

Porque o tempo, o tempo não para"


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Rita Alencar Clark, professora de Língua portuguesa e Literatura, poeta Amazonense, contista, cronista, ensaísta, revisora e curadora. Membro do Clube da Madrugada (AM) desde 1987, membro fundador da ALB/AM- Academia de Letras do Brasil/Amazonas e da ACEBRA-Academia de Educação do Brasil. Colaboradora do Blog Feminário Conexões e dos Coletivos Enluaradas e Mulherio das Letras, com participação em diversas coletâneas e antologias poéticas, sempre representando o Amazonas. Tem dois livros publicados: "Meu grão de poesia" e "Milton Hatoum - Um certo olhar pelo Oriente-Amazônico".

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2023

PROCESSOS DE ESCRITA: CONSTRUINDO VERSOS, POR RILNETE MELO

PROCESSOS DE ESCRITA: CONSTRUINDO VERSOS 

POR RILNETE MELO


Movida pelas pernas da sensibilidade poética e caindo no abraço provocador da nossa querida Marta Cortezão, eu trago o entrelaçamento do meu processo criativo, o qual tomado pela estesia das minhas inquietações, revelou-me “Construindo Versos”: O meu primeiro livro solo.

O título talvez não seja impactante, mas surgiu do ofício da criança que costurava sentidos com as cores do perceber. 

Desde a minha tenra idade eu carregava um olhar sensível e pujante sobre as coisas e as pessoas, e foi pelas rimas dos cordéis, lidos por minha avó paterna, à luz de lamparina, e pedalando a sua velha máquina de costura Singer, que nasceu a minha paixão pela poesia e a construção dos meus primeiros versos.

Tive uma infância feliz, subi em árvores, tomei banho de igarapé, corri atrás do tesouro no arco íris, brinquei com as bonecas do milho plantado pelas mãos do meu avô Tonho, tomei leite no curral, comi doce de pitanga e recitei versinhos para os meus pais, ainda não alfabetizada, subindo em uma cadeira e recebendo os seus aplausos.

Os sentidos que eu costurava faltou tecido aos 9 anos de idade e os versos ficaram incompletos, tortos, xoxos e engavetados na escuridão, pois as mãos que me ofereceram hóstias,  tocaram meu corpo infantil sem meu consentimento  ,deixando marcas indeléveis.

Foram anos de silenciamento, dor  e interrupção criativa, mas no desvelamento do não -dito , aos 15 anos resolvi escrever textos poéticos no meu diário. 

Como se não bastasse o abrupto corte criativo, causado  pelo luto invisível da alma, perdi o meu querido diário em uma  viagem de ônibus do Maranhão para Natal-RN.

Pois bem, nunca tive o hábito de decorar meus escritos, então lá se foram meus segredos inconfessáveis e os versos que eu havia construído desde a infância. Em 1994, já casada e com um filho, adentrei o mundo virtual e compartilhei no site Recanto das letras alguns dos meus escritos, onde tive um bom feedback. Foi o início de uma batalha travada entre o desejo de cuspir palavras e a dor de engolir os ciúmes e o machismo (regados à traição) do meu marido.

Eu não queria parar, pois fervilhava em minhas veias o sangue poético, aquecendo minha pele feminina de inquietações. Por vezes, entre as trocas de fraldas, as conversas com as panelas, ou mesmo nos intervalos do trabalho, vinham os insights poéticos e eu registrava em um caderno (no meu campo de silêncio), onde a palavra tinha sede de grito.

Em 1996, engravidei do segundo filho e deixei também palavras grávidas, nas crônicas que escrevi na coluna do Jornal “O Potiguar” em Natal-RN, foi aí que percebi algo latente me cobrando audácia e coragem para prosseguir, pois com dois filhos e um casamento fracassado, eu dei minha “cara a tapa” e tirei as correntes das mãos, para representar a voz feminina e fazer valer a minha resistência aos estereótipos, e ao machismo que tentava me calar. 

Em meio a um relacionamento pedindo socorro, veio a separação, e com ela a sensação de liberdade invadindo meu cérebro e levando forças para atingir os meus objetivos. Retorno ao Maranhão, com dois filhos pré-adolescentes e na bagagem a coragem de uma mulher “sem eira nem beira”  e a força de uma mãe plantando sementes  e sonhando com grandes searas.

Para incentivar a formação dos meus filhos, veio a minha graduação no curso de Letras, embora tardia , mas chegou desatando os nós e criando  um vínculo marital com a palavra. Sim! Afiei a língua, cortei as amarras e crenças limitantes, soltei o verbo  e deixei os meus textos  voarem no mundo virtual, abrindo olhares e olheiros.  

Na vida, o que alavanca as realizações são as oportunidades e os recomeços, por isso ativei o modus operandi, e numa onda de “desvencilhamento”, me lancei no mercado editorial, através das antologias e concursos literários.

E veio a aproximação no distanciamento... Paradoxal, né?  Pois é, mas foi na pandemia que a poesia me abraçou com força! 

A pandemia foi um acontecimento planetário, inusitado e catastrófico, evidenciando a fragilidade da humanidade, mas exibindo a força da voz  feminina,  que como antídoto avançou no ambiente  on-line. Os coletivos literários femininos explodiram, exigindo que nós mulheres poetas, não deixasse esse momento sem palavras, então Juntei-me ao coletivo “Enluaradas” entre outros, e lancei-me ao desafio de ressignificar a dor, o medo e a falta do calor humano através da poesia. 

Em meio ao caos pandêmico, os impactos me serviram como dispositivos criativos, e como se quisesse tornar tangível  o confinamento,  deixei gestar    “Construindo Versos”, para oferecer ao meu leitor  as minhas inquietações humanas e femininas.

Um Spoiler do livro:


Combatentes

 

Removendo pedras

do solo endurecido, 

a ranger de dor,

atira no rabecão

pai, mãe, irmão... 

Os olhos tecem,

o rude engasgo

do invisível severo,

que não deixa velar.

Marcha para a rua vazia;

os combatentes,

a esperar a sorte tecer o troféu:

da fome,

do medo,

da dor,

ou do viver!   

 ☆_____________________☆_____________________☆



Rilnete Melo é brasileira, maranhense, graduada em letras/espanhol, escritora, cordelista membro das academias ACILBRAS, ABMLP e AIML, participou de várias antologias nacionais e internacionais, autora do livro “Construindo Versos" e autora de cinco cordéis. 

sábado, 11 de fevereiro de 2023

LINGUAGEM DO BATOM VERMELHO, POR CAROLLINA COSTA

LINGUAGEM DO BATOM VERMELHO|15

MULHER: INVISÍVEL?

Por: Carollina Costa

Essa semana andei questionando bastante o “espaço” da mulher — que dizem ser todos, mas parece mesmo não ser nenhum. Comprei um livro que há tempos queria comprar, que fala, de forma meio poética e meio mística, sobre a invisibilidade das tarefas domésticas. Comecei a ler A força da idade, de Simone de Beauvoir, e sua transformação como mulher fica evidente a cada página. Pensei um pouco também sobre a quantidade ínfima de pessoas que realmente se interessam pelo que eu faço — conto nos dedos das mãos as pessoas que me deram parabéns pela entrada no mestrado e sobram dedos. Se eu não falo, ninguém pergunta, e quando falo é em tom de justificativa porque, ora essa, onde já se viu uma mulher jovem e solteira que não está disponível para qualquer tipo de festa, saída ou conversa a qualquer hora e em qualquer lugar?

Ontem, 10/02/23, vi a live LiteraLua, do coletivo Enluaradas, e me despertou mais ainda essa reflexão. Marta, Cris e Margarida falaram sobre a voz da mulher, sobre nosso apagamento e invisibilidade histórica, mas também cotidiana. Falaram sobre nossa invisibilidade política e a necessidade de nos unirmos, muito embora as próprias mulheres — aquelas que ainda não se descobriram mulheres além dos anúncios comerciais — resistam à essa união. Lembrei da crônica que escrevi aqui mesmo para o Feminário, Sororidade em qualquer idade, na qual falo um pouco sobre a dor dessa resistência. Estou (ou estamos) acostumada a ser invisível para o sistema, mas para outras mulheres que caminham em realidades tão próximas é quase inacreditável, ou como diz aquele meme da internet: é raro mas acontece sempre.

Parece que ainda está longe o dia em que falaremos de nós, mulheres, sem falar diretamente de dor, invisibilidade ou algum tipo de superação. Não a superação de melhorar a si mesmo — acredito que qualquer ser humano deveria buscar sempre ser o melhor possível —, mas aquela superação imposta pelas limitações de acesso ao básico: segurança, pensamento, voz, liberdade. Se eu já andava pensativa nos últimos dias, fiquei mais ainda. Que bom ter um espaço como este para poder dar forma ao que penso através das palavras. Escrever também é um grito.

 

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2023

UM BREVE PASSEIO PELO II FESTIVAL LITERÁRIO ENLUARADAS/2023

UM BREVE PASSEIO PELO II FESTIVAL LITERÁRIO ENLUARADAS/2023

POR MARTA CORTEZÃO

Nos dias 13, 14 e 15 de janeiro de 2023, realizamos o II Festival Literário Enluaradas (FLENLUA), onde festejamos o lançamento da Coletânea Enluaradas III: I Tomo das Bruxas: do Ventre à Vida e que contou com a adesão de 106 autoras do Brasil e do exterior. O evento foi realizado pela plataforma Youtube, no canal Banzeiro Conexões.

Foram três dias muito intensos de muitas emoções, uma experiência incrível que contou com a participação de 74 autoras e 09 mesas temáticas:

Na mesa de ABERTURA, mediada pela poeta amazonense radicada na Espanha, Marta Cortezão. O tema escolhido foi “O corpo como resistência, rebeldia e historicidade social e política”, e contamos com a presença das seguintes autoras: Isa Corgosinho (PB), Maria Alice Bragança (RS), Cátia Castilho Simon (RS), Rita Alencar Clack (AM), Ana Maria Rocha Barroso (DF), Patrícia Cacau (CE), Carla de Sá Morais (CH), Marina Marino (SP), Margarida Montejano (SP) e Liana Timm (RS);

Na primeira mesa “Projeto Enluaradas: uma escrita de resistência”, a mediação foi da poeta Flavia Ferrari (SP). As autoras convidadas foram: Araceli Sobreira (RN), Sueli Salles (SP), Lucirene Façanha (CE), Adriana Bandeira (RS), Lilian Rocha (RS), Marina Neder Monteiro (SP), Magalhe Oliveira (RS) e Cíntia Colares (RS);

Na segunda mesa “O poema que nasce na pele e na alma”, teve a mediação da poeta Alyne Castro (CE). Contamos com as presenças das autoras: Amanda Pereira (GO), Dilma Barroso (RJ), Claudevalda Souza (SP), Karla Castro (MA), Elisa Lago (MA), Clara Athayde (RS), e presença especial da professora, pesquisadora e crítica literária Jocineide Maciel (MT);

Na terceira mesa “Enluaradas: a poética do abraço”, contamos com a mediação da poeta brasileira radicada na Alemanha Ale Heidenreich. As autoras que protagonizaram este encontro foram: Amana Assumpção (SP), Dani Espíndola (RS), Paula Anias (BA), Lindevania Martins (MA), Érica Foresti Pinto (MG), Cândida Carneiro (PA) e Elizabete Nascimento (MT);

Na quarta mesa “A caça às bruxas e o medo do poder das mulheres”, contou com a mediação da poeta Aline Leimo (CE). As autoras participantes foram: Tainá Vieira (AM), Fátima Mota (RN), Fátima Soares (PE), Zilda Dutra (CE), Rai Alburquerque (CE), Helena Terra (RS) e Lua Lopes (SP);

Na quinta mesa Lírica, ética e filosofia: o que grita a sua poesia?”, teve a mediação da escritora, professora e pesquisadora Heliene Rosa (MG). As autoras que participaram do diálogo foram: Malu Baumgartem (CA), TidaFeliz (MT), Heliana Barriga (PA), Jeane Bordignon (RS), Hydelvídia Cavalcante (AM), Manuela Lopes Dipp (RS) e Rita Queiroz (BA);

Na sexta mesa “Poesia hoje no Brasil: por quê? Para quê?”, com a mediação da poeta Lucila Bonina (AM). As autoras que estiveram no encontro foram: Verônica Oliveira de Sales (AM), Tânia Alves (BA), Cristiane de Mesquita Alves (PA), Lígia Savio (RS), Fátima de Sá Sarmento (PB) e Heloísa Helena Garcia (SP);

Na sétima mesa “Do silêncio à liberdade: as múltiplas vozes do Feminino Sagrado”. A mediação foi da escritora Carollina Costa (RJ) que fluiu boas energias na companhia das autoras: Eloísa Aragão (SP), Noemi Sales (PB), Frahm Torres (MA), Verônica Oliveira (CE), Simone S. Guimarães (SC), Janine Carvalho (DF) e Shirley Pinheiro (PR);

Na mesa de DESFECHO, mediada por Marta Cortezão (ES), contamos com as participações de Patrícia Cacau (CE), Tati Vidal (RJ), Rilnete Melo (MA), Maria do Carmo Silva (BA), Rozana Gastaldi Cominal (SP), Wilma Amâncio (AL), Teresa Cristina Bendini (SP), Sandra Santos (GER) e Valéria Pisauro (SP).

O evento teve uma boa repercussão nas redes sociais e recebeu muitos comentários positivos antes, durante e depois de sua realização. Os blogs Feminário Conexões (Espanha) e Tribuna do Recôncavo (BA) divulgaram a realização do evento. Neste segundo blog, a indicação foi da poeta Maria do Carmo Silva, a quem renovo meus agradecimentos. Agradecimentos também a todas as autoras que contribuiram para a realização do FLENLUA, especialmente às mediadoras Flavia Ferrari, Alyne Castro, Aline Leimo, Ale Heidenreich, Heliene Rosa, Carollina Costa e Lucila Bonina.

Ao final do evento, solicitei alguns textos das autoras participantes do II FLENLUA. Reproduzo, abaixo, alguns dos textos recebidos com sua respectiva autoria:

Lígia Savio
  “A poesia é uma necessidade vital do ser humano. Se nós perguntarmos por que poesia no Brasil hoje, relembro que acabamos de sair de um governo que enfaixou e facilitou o uso de armas. Contrapondo-se a isso, vejo a poesia hoje em nosso país como a “arma branca” que está sendo utilizada abundantemente, sobretudo pelas mulheres. Arma que transforma, restaura a vida e põe em cena, mais do que nunca, o feminino. O porte desta arma está liberada para todes. Maravilho-me com a diversidade que encontramos atualmente na poesia de autoria feminina. Cito aqui alguns nomes de poetas que têm marcado nossa época:

* Maria Angélica Freitas, que traz uma nova linguagem com seu livro Um útero é do tamanho de um punho;

* Mar Becker: trata da condição da mulher no Sul, em versos longos, numa dicção totalmente original em seu A mulher submersa;

* Adriane Garcia, poeta mineira, que, entre outras obras, revisita episódios bíblicos sob o ponto de vista da mulher em A bandeja de Salomé;

* Telma Scherer, dona de uma poesia crua, quase como um soco, às vezes, numa linguagem surpreendente, nos livros Depois da água e Squirt.

* Líria Porto, com poemas de tom satírico, irônico e picante;

* Raquel Gaio, poesia de imagens fortes, de tom surrealista;

* Maria Alice Bragança, com sua poesia despojada e irônica;

* Lilian Rocha: contundente poesia de tom antirracista.”

(Por Lígia Savio- “Poesia no Brasil hoje: por que? para quê?”- MESA 6)

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Valéria Pisauro
  “Salve, queridas poetas e as pessoas que estão acompanhando nossa live!

 Peço licença para chamá-las por: queridas parceiras, pois todo esse processo foi feito com parcerias e sem a colaboração de todas, não estaríamos aqui, afinal, trata-se de um coletivo.

 Aproveito esse espaço para convidá-las a viajarmos juntas sobre a nossa trajetória como ENLUARADAS e para tanto, sintetizo a nossa travessia em três fases. São elas: O AUTOCONHECIMENTO, O COLETIVO E A ANCESTRALIDADE.  

  Na primeira fase, voamos à lua em busca de APRENDIZAGEM e AUTOCONHECIMENTO.

Considero essa fase como um rito de passagem, uma espécie de emancipação. Antes, éramos sementes buscando um solo fértil, mulheres apagadas, para depois, adquirirmos brilho e tornamo-nos, ENLUARADAS.

Rompemos as algemas que durante muito tempo foram impostas a nós, deixamos de lado nossas incertezas; medo de julgamentos; vergonha de expor nossos textos, nossa intimidade e até medo de fracassar.  

Nessa fase, no entanto, conquistamos autoestima, coragem, desfizermos os nós e soltamos nossa voz!

Na segunda fase, já fortalecidas, confiantes, descemos à terra e nossa semente germinou. Tornamo-nos uma bela árvore frondosa, cheia de galhos que simboliza a nossa diversidade, o nosso coletivo.

Demos as mãos e fizemos uma grande CIRANDA, e de forma circular, alegoria do infinito e dos iguais, comemoramos a nossa força e união.

Ninguém soltou a mão de ninguém, ao contrário, nossa ciranda sempre esteve aberta para agregar, receber, abraçar e compartilhar.

Agora, em nossa terceira fase, construímos um caldeirão, libertamos a bruxa que estava adormecida dentro de nós e, novamente voamos, agora, mais alto e em revoada, prontas para queimar todo tipo de preconceitos e eliminar as ervas daninhas. E, estamos colhendo nossos frutos! 

É incrível como o símbolo do círculo acompanha nossas coletâneas como sinal de igualdade e plenitude, além de estar relacionado diretamente à alma, à divindade e à ancestralidade.

Este caldeirão adquiriu um caráter de transformação, sem medida. Foram tantos depoimentos marcantes e confessionais, que emocionaram a todas.

Nossas asas ou vassouras como preferirem, deram um “basta” ao grito contido. Agora, ele é um grito libertário, de luta, de direito e ninguém irá mais nos deter! Não há mais amarras. Vencemos o medo! Falamos sobre a dor, a depressão, o filho adolescente, a negritude, o racismo, a morte, a solidão, o sertão, entre tantos outros relatos. 

Hoje somos malditas, benditas, queridas, santas, profanas, metaforizadas em bruxas! Bruxas que representam o princípio do eterno feminino – o ventre de toda criação.

É um momento histórico! Estabelecemos um campo demarcado sem fronteiras e de resistência. Nossa arma é a poesia e ninguém irá nos calar!

E, tudo isso devemos às nossas queridas Patrícia Cacau e Marta Cortezão, que souberam mexer com tanta maestria esse caldeirão.

Agora, estamos todas misturadas; uma entre muitas repartidas, singular em seu plural.

A fumaça que sai desse caldeirão emana a nossa luz, a nossa inspiração, somos todas ENLUARADAS, BRUXAS, dentro de uma CIRANDA.

Esse desfecho, portanto, não se trata de um final, mas, o início de um novo ciclo, pois esse caldeirão nunca será tampado, descartamos a tampa no passado, estamos livres e prontas!

Somos troncos, raízes, folhas, frutos, que embora tentam cortar, insistimos em florir!

Para concluir, segundo a SAGRADA TRADIÇÃO, a Deusa tríplice apresenta os mistérios mais profundos do feminino em três faces:

1. A VIRGEM – a semente que fomos em ENLUARADAS.

2. A MÃE/AMANTE – a árvores forte e frondosa que tornamos na CIRANDA DAS DEUSAS

3. A ANCIÃ – a bruxa, a sábia, a maturidade, que estamos colhendo no I TOMO DAS BRUXAS.”

(Valéria Pisauro- DESFECHO - 15/01/2023)

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Rilnete Melo
  “Boa noite a todas, todos e todes que nos prestigiam. Obrigada queridas Marta e Cacau por me acolherem na fórmula mágica desse caldeirão fervente de literatura e pulsante de falas enfeitiçadoras. Nesse desfecho o que eu posso relatar é que no decorrer das lives, das mesas do FLENLUA e dessa tríade literária, eu pude perceber que nós mulheres, bruxas que somos, estamos conseguindo acelerar nossas vassouras em muitas direções estamos conseguindo quebrar tabus, ultrapassar fronteiras, quebrar barreiras, desmistificar e ressignificar muitos discursos, embora ainda sejamos caçadas e literalmente queimadas por nossos algozes: esse patriarcado maldito!

Queridas companheiras! A fogueira ainda queima, embora em outros moldes, como é o caso gritante do número de feminicídios, da misoginia exorbitante e outras perseguições às mulheres, mas eu ainda acredito que de mãos dadas nós seremos capazes de criar ferramentas para combater essas opressões e conquistarmos cada vez mais o nosso espaço. E é aqui e agora, é com a literatura, é com os movimentos femininos, é com a oportunidade que nos trazem esses coletivos literários, para que possamos dar mais vida e luz ao feminino sagrado. Eu já consigo ver algum sinal, através da representatividade e da oportunidade dada às mulheres, negras, indígenas, artistas, ativistas e muitas outras ocupando altos cargos públicos, enchendo nosso ego de sentimento democrático.  Eu só tenho a agradecer a todas as companheiras de jornada literária por essa sororidade, e ao Coletivo Enluaradas que muito vem fomentar o fortalecimento da nossa constante luta, por isso é necessário que ninguém solte a mão de ninguém.  Nós fomos queimadas, oprimidas e “achatadas” nesse desgoverno, mas não podemos mais nos calar, temos que dar um basta nisso e a nossa varinha mágica é a palavra, é o nosso fazer poético. Muito obrigada!

O poema “Ao viver dos meus dias” com o qual participei do “I Tomo das bruxas: do ventre à vida “, foi escrito na data do meu aniversário e traz a minha representatividade do ventre à vida.

AO VIVER DOS MEUS DIAS

 

Desbravar o mundo

eis meu primeiro ofício

 -  à Gaia

e a planta dos meus pés

 cravaram

o solo feminino

na dureza estereotipada

do caminho

 - Pisei flores e espinhos....

Abracei minhas bruxas e Marias

sem temeridade

  ao viver dos meus dias

 - conform(idade)

Minha alma carrega a leveza da infância

o sentido secreto da juventude

as escolhas insensatas ...

as decisões acertadas

a grandeza da maternidade

 - as vicissitudes

Trago o desígnio da palavra em punho

a levitar sobre meus demônios

à beira da minha mudez

que grita no papel

minha vida

ou a minha pequenez

diante da imensidão

do mundo”

(Rilnete Melo - DESFECHO- 15/01/2023)

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“... pela boca das mulheres renascerá a palavra viva e outra história se fará ouvida. Do ventre à vida, haveremos de ver a versão grandiosa do que fomos ontem,  do que somos hoje e do que seremos amanhã.”[i]


Margarida Montejano

 

Rozana Gastaldi Cominal
  Boa noite, Enluaradas. Alegria imensa estar com vocês.

Boa noite a todas, todes, todos que nos acompanham nesta noite no II FLENLUA que sintetiza a Tríade do Sagrado: uma lua toda nossa, a energia criadora da deusa e a natureza cíclica da bruxa regem nosso sensível e libertador universo feminino.

Para chegar ao ápice desta noite memorável, toda uma trajetória foi necessária para que eu assim como cada uma de nós pudéssemos protagonizar nossa escrita. E em cumplicidade aliviar nosso desassossego. Em retrospectiva, teço algumas considerações a partir do que sou, do que me constitui e do que está por vir. 

Sou Rozana Gastaldi Cominal, falo de Hortolândia-SP. Sou mulher que voa feita de eus-múltiplos que sustentam o corpo amoroso, político e periférico. Acredito na força dos coletivos e com eles faço voz. Porque acredito nessa nossa cruzada de amor/no combate à insensatez/ bate forte o tambor![ii]


ao som de cada manhã

rompem embalos vitais

vitória nossa de cada dia[iii]


Sou feita d-eus múltiplos[iv]

criatura ímpar, imperfeita, partida[v]

avessa a adeus

sou mulher que voa

que ciranda e canta: Fly me to the moon[vi]

na varanda ou

em voo cego por onde for


Sou eu a celebrar
sessenta rosas
com  poemas
pólen e jardim

Sexy a cada poda
pétalas carmim
espinhos aninhados
em versos afiados

Um brinde à poesia
que vive além de mim!

Se tantas são as adversidades que nos afastam do fazer poético, também a teimosia persevera e insiste: vá, ser poeta:

Poeta sou

sigo a voz que me chama

sigo o peito que inflama

removo o flanco[vii]

violeta e malagueta[viii]

apalpo as bússolas líquidas/ que norteiam a margem do rio/

e me convidam a fazer a travessia[ix]

 

Ao renascer

conecto-me com o universo ao redor

Outra vez em guarda e (or)ação

sobrevivente sou

vidas que esgarçam e entrelaçam[x] 

Tantas são as emoções  interrogações que vêm aos montes. Enquanto as soluções  exigem que nossos olhares se encontrem, que nossos pontos de vista se ajustem, que nossas essências se cruzem, quer saber? Espalhe o que quer receber.

Somos sementes/ que brotam/ ao sol[xi]

Somos potências que abrasam o mundo

expressamos liberdade e poder.

Poder pensar e saber. Poder amar e ser feliz

Poder gargalhar e contra as injustiças gritar.[xii]

Sim, queremos liberdade para existir, abraçar, valorizar nossos corpos amorosos políticos, periféricos. Poesia é antídoto para os  processos criativos da vida que dói , é oxigênio  em tempo rarefeito, é presença de afetos,  são ímpetos comunicativos para chegar  à outra, ao outro, a quem respira no planeta, quebrando tabus, fronteiras. Mãos dadas com nossa ancestralidade, “nunca mais um Brasil sem nós”,  como bem disseram, na posse em conjunto, as ministras  Sonia Guajajara e Anielle Franco, que nos representam entre outras vozes e marcam territórios que nos foram antes negados. Percorro caminhos e Castelos diversos, espaços conquistados com minha armadura: a palavra, o riso, apesar da zanga que espreita. Para que meu legado não se perca totalmente, deixo na lápide as minhas Memórias ancestrais.

Agradeço imensamente estar com vocês, Marta Cortezão, Patrícia Cacau, cujo apoio essencial nos fazem avançar. Agradeço às mediadoras das mesas anteriores  que enriqueceram o debate ao ouvir cada uma de nós. Agradeço ainda às Enluaradas que comigo partilham esta mesa e aquelas que nos assistem. Que noite, que desfecho! Só me resta declarar meu amor por vocês:

Amo-te, herói ou heroína, no anonimato,

mas na luta pela própria preservação

Somos legião demarcada pela resistência,

aqui, em mundos paralelos e multiversos  existimos!

Amo-te como amo a mim:

simples assim, a olho nu, em sinergia[xiii]

Por mais mulheres que escrevem! Viva a Enluaradas em movimento, viva as misteriosas deusas, viva as bruxas que somos e outras que nos habitam!

CASTELOS

(Rozana Gastaldi Cominal)


casTelos

de areia, de cartas, de reis e rainhas

casTelos

que divertem enquanto enfeitiçados

por entre labirintos, magias e lua cheia

cala-te, boca: o inimigo está de plantão

 

casTelos

com vultos de plasma,

com anões e gigantes, com teias de aranha

casTelos

que divertem enquanto  encantados

por entre espelhos, janelas e portas secretas

beija minha boca: o perigo é constante

 

casTelos

enquanto assombrados

assustam diante do calabouço

cuidado a placa não adverte o sopro do dragão

tampouco se ouve o eco das correntes

ou se vê a cilada dos fantasmas

apenas respiração boca a boca

sela o arcabouço

                                                             (Rozana Gastaldi Cominal - DESFECHO- 15/01/2023)

[i] Posfácio de Margarida Montejano em I Tomo das Bruxas: Do Ventre à Vida

[ii] Versos do Poema Tempo rarefeito, inédito

[iii] Poema Lutar, vozes do Coletivo TAUP – Tome Aí Um Poema, Setembro Amarelo

[iv] Verso do poema Fio condutor, na coletânea Cotidiano, Poesia e Resistência, organizada por mim, Margarida Montejano e Nirlei Maria Oliveira

v Versos do poema Criação, na coletânea Mulheres Maravilhosas vol.5: Elas Sambam, homenagem a Elza Soares

[vi]  Versos do poema Me leve para a Lua, na coletânea Enluaradas: Se essa lua fosse nossa

[vii]  Versos do poema Flâmula na coletânea Quarentena Poética

[viii]  Verso do poema Violeta & Malagueta no livro Mulheres que voam

[ix] Versos do poema Pé na estrada no livro Mulheres que voam

[x] Poema 7 da Ópera Imprecisa no livro Nascer pela segunda vez, Coletivo Scenarium

[xi]  Versos do poema Mentes brilhantes, Coletânea Sinergia, Bom dia com Literatura Feminina

[xii]  Versos do poema Mulheres vulcânicas, coletânea Mulheres Maravilhosas na Semana de Arte Moderna vol. 4

[xiii]  Poema em construção: Corpos amorosos, políticos e periféricos

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Marta Cortezão é escritora e poeta. Possui publicações em antologias nacionais e internacionais. Livros de poesia publicados: “Banzeiro manso” (Porto de Lenha Editora, 2017), “Amazonidades; gesta das águas” (Penalux, 2021), Zine “Aljavas para Cupido” (2022) e, no prelo, “meu silêncio lambe tua orelha” (Toma Aí Um Poema Editora, 2023). Colunista da Revista Literária Voo Livre. Idealizadora das Tertúlias Virtuais (Prêmio APPERJ/2021), do blog Feminário Conexões. @martacortezaopoeta


Feminário Conexões, o blog que conecta você!

EDITAL ENLUARADAS II TOMO DAS BRUXAS

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